3.3.18

A TOGA, O TÁXI E A BICICLETA

JOÃO CLAUDIO PITILLO e ROBERTO SANTANA SANTOS -


No Brasil desde 2014, a empresa Uber que afirma ser uma empresa de Tecnologia, opera hoje mais 500.0001 carros prestando um serviço análogo ao de táxi. O que pode ser uma inocente novidade, revela-se na verdade uma sombria artimanha de desregulamentação do setor de táxi, precarização da mão de obra e um esquema faraônico de evasão de divisas e informações privadas.

A lei 12.468/11 sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, contem em um de seus artigos a seguinte redação: “Art. 2º: É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros”. Se essa lei já não bastasse para impedir que a Uber e os demais aplicativos privados se instalassem no Brasil, o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) na lei 9503/97, diz que o transporte de passageiro só pode ser feito por veículo de categoria aluguel, isto é, o carro terá que ter placa vermelha.

Indo além, o artigo 135 do CTB diz: “Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado, para registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial, deverão estar devidamente autorizados pelo poder público concedente”. Isto é, não existe previsão legal para o transporte individual privado em nosso país.

No rastro do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff encontra-se a conivência do Judiciário. A “virtuosa” cegueira da Justiça, se mostrou no caso do Judiciário brasileiro um daltonismo seletivo, já que alguns juízes, juízas, desembargadoras e desembargadores têm tido dificuldade em distinguir a cor da placa dos carros que podem fazer o transporte remunerado de pessoas. Uma característica do comportamento golpista desse Judiciário comprometido com os donos do poder, tem sido a tentativa de interpretar as leis, isto é, ao invés de determinar o cumprimento das mesmas, Ele tem reescrito as leis conforme a conveniência para quem pauta a demanda. Foi assim contra a presidenta da República golpeada e tem sido assim contra os taxistas brasileiros.

Observando a perseguição que o Judiciário tem feito ao ex-presidente Lula, com a cobertura dos monopólios de mídia, não podemos deixar de identificar um processo análogo ao sistema de táxi brasileiro. Especialistas do mundo todo tem apontado que o ex-presidente Lula tem sido vítima de um fenômeno novo denominado “lawfare”. Mas o que é Lawfare? A grosso modo, é uma guerra travada por meio da manipulação das leis para atingir alguém que foi eleito como inimigo político. É o uso (muitas vezes) abusivo da lei como uma arma de guerra. É a estratégia de utilizar - ou abusar - do direito como um substituto de tradicionais métodos militares para obter sucesso em um conflito.

Bom, seguindo essa nova denominação, estamos vendo os taxistas brasileiros serem vítimas também de “lawfare”. O Judiciário, principalmente o de Primeira Instância, tem proferido sentenças precárias com base na distorção da Lei de Mobilidade Urbana e na Lei da Livre Concorrência, para permitirem, ao arrepio das leis vigentes e hierarquicamente superiores, que aplicativos privados de transporte operem sem nenhuma fiscalização, tudo isso com o arcabouço propagandístico da grande imprensa, que tem faturado alto com propagandas desses aplicativos. Desse modo, o Judiciário tem tirado esses aplicativos da marginalidade e os colocado acima da lei, já que não são fiscalizados por nenhum órgão graças a essas determinações judiciais enviesadas. No caso do Estado do Rio de Janeiro, a juíza Ana Argueso e a desembargadora Márcia Alvarenga determinaram que o DETRO e a SMTR não fiscalizem os aplicativos piratas(2) sob pena de multa, isto é, essas magistradas criaram a categoria dos “metalegais”.

Na esteira do golpe de Estado no Brasil em 2016, a categoria de taxistas parece estar pagando o preço mais alto, já que estão na eminência de serem extintos e em seus lugares, motoristas eventuais e precarizados, que operam sem nenhum controle. Essa concorrência injusta e desleal tem destruído os postos de trabalho dos taxistas, tudo isso para enriquecer uma empresa multinacional que não tem nenhum compromisso com o Brasil. No Brasil do golpe, o Judiciário tem sido o maior aliado do governo Temer na destruição de direitos sociais e trabalhistas, haja visto o silêncio completo da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho sobre a relação que a Uber mantêm com os seus motoristas.

Londres, uma das maiores capitais do mundo e um exemplo em transporte público, proibiu a Uber de operar alegando que a mesma é uma ameaça à cidade. O prefeito londrino apenas seguiu as leis vigentes e compreendeu o que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) fala sobre o processo de “uberização” ser letal para uma sociedade. A letargia do STF brasileiro permite que a Uber continue a destruir a modalidade de táxi em nosso país, assim como permite que a Coca-Cola produzida no Brasil tenha uma das maiores concentrações de Caramelo IV do mundo, substância altamente cancerígena segundo a OMS.

Nessa condição, o câncer causado pela Coca-Cola e o desemprego dos taxistas causado pelo Uber, demonstra que o capital estrangeiro está acima da dignidade do brasileiro. Logo os taxistas de todo Brasil estarão às portas do STF tentando reverter essa dura realidade. Já que no último dia 28 de fevereiro, o Congresso Nacional aprovou uma lei “Franknstein”, encomendada pelo presidente da Uber em sua visita ao Brasil em outubro de 2017. Nesse encontro ficou claro o quanto o Brasil se apequenou com o golpe, já que um presidente de uma empresa estadunidense veio ao Brasil dizer como o Ministro da Fazendo e o Senado Federal deveriam tratar a sua empresa.

O presidente da Uber não cessou suas ordens às autoridades brasileiras em outubro passado. Dois dias antes da votação do último dia 28, falou que não investiria no país se o aplicativo dele tivesse que se submeter a alguma lei restritiva. Seguindo a política de exploração máxima, o presidente da Uber, Dara Khosrowshahi, revelou qual o tipo de investimento que pretende fazer: bicicletas. Isso mesmo, ele pretende investir em transporte por bicicletas. A que ponto o Brasil chegou, a empresa que precariza seus trabalhadores, desemprega os taxistas, intimida o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles e põem o Congresso Nacional de joelhos, vai nos dar em troca, bicicletas(3).

No contexto do golpe de Estado de 2016 e do “lawfare” em voga, o movimento sindical taxista no Brasil, apesar de todas as dificuldades encontradas com a omissão e traição das autoridades, tem lutado para impedir que o processo de “uberização” transforme os trabalhadores brasileiros em escravos de um bando de “smart yuppies” do Vale do Silício. Esperam os taxistas também que o Supremo Tribunal Federal não troque a sua toga por uma bicicleta.

* João Claudio Platenik Pitillo, Pesquisador do NUCLEAS-UERJ, Doutorando em História Social pela UNIRIO.

* Roberto Santana Santos, Historiador e Professor, Doutorando em Políticas Públicas pela UERJ, Secretário-executivo da REGGEN-UNESCO.

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1-https://canaltech.com.br/apps/numero-de-motoristas-cadastrados-no-uber-cresce-900-em-um-ano-no-brasil-102614/
2-https://tj-rj.jusbrasil.com.br/noticias/320538489/justica-do-rio-decide-que-servico-de-transporte-pelo-uber-nao-pode-ser-proibido
3-https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/chefe-da-uber-no-mundo-diz-que-investira-no-brasil-se-regulacao-permitir.shtml