ADERSON BUSSINGER -
Na noite de 30 de janeiro de 1933, acorreu na
Alemanha uma grande passeata promovida pelo partido nazista (nacional-socialista) para
celebrar a ascensão de seu líder máximo, o ex-cabo do Exército Adolf Hitler, ao
cargo de Chanceler. Marcharam pelas ruas de Berlim portando
tochas de Fogo e com discursos exaltando a lei e a ordem, o ódio aos
judeus e também contra a esquerda. Muitos até não se
preocuparam tanto, pois a nomeação do novo Chanceler foi legal, nos termos da
ordem jurídica então vigente, como de fato vivia-se naquele país um
Estado de Direito, (com avançadas conquistas sociais e culturais).
Mas o que veio de terrível após isto
todos já sabem, (não preciso me esforçar muito para
relembrar), pois em nome da “ordem”, imposição de novas normas restritivas,
decretos, intervenções militares, chegou-se rapidamente ao plano de execução do
extermínio de milhões de seres humanos (“solução final”),
primeiramente os judeus, ciganos, comunistas, sindicalistas, os que se opunham
ao nazismo, ou que pensassem diferente.
Resolvi falar de história, hoje, deste terrível fato (que
muitos eu sei dirão que estou exagerando) para chamar atenção para o
processo de intervenção militar no Rio de Janeiro, (decreto inconstitucional n.
9.288) promovido pelo corrupto e degenerado Governo Temer, (que embora não seja nazista) seus métodos “de
guerra” nas favelas, de áreas, revista de menores, fichamentos
extraordinários, intimidação com máscaras e pesado armamento, são,
entretanto, práticas (e sinais) - ainda que sob o discurso da
legalidade - de ditaduras, regimes militares como aconteceu aqui no
Brasil em 1964 e no Chile e Argentina, na década de 70, todos a incluir
comportamentos inspirados (confessando-se ou não) em práticas de controle
nazista de populações.
Os “fichamentos” ilegais já tiveram início em Vila Kennedy e
Nova Aliança, na zona Oeste, e não vai me espantar se, em breve, o Maracanã for
requisitado para servir como campo de concentração. Evidentemente que será um
confinamento de pobres, negros, favelados! Faz-se necessário que todos aqueles
que defendem minimamente os direitos civis e as liberdades
democráticas (digo minimamente) reflitam seriamente para o que está ocorrendo
no Brasil, onde através desta abominável intervenção
politico-militar no Rio de Janeiro está se violando direitos fundamentais da
pessoa humana, sob o pretexto da “guerra ao trafico”, “guerra às drogas”, que
não passam de guerra ao povo pobre.
O famoso e luxuoso Edifício Venâncio V, no bairro rico do
Leblon, todos sabem, está repleto de indicados pela polícia federal e não se
faz nenhum “fichamento” de seus ilustres e aquinhoados moradores somente por
naquele prédio residirem! Mas, ao contrário, com os pobres das favelas o
Exército exige “mandado de prisão coletivo” e cadastram ilegalmente
seus moradores, fotografam, para além do registro
cartorário civil. Não se questiona que se deve coibir
combater o crime (aquele assim previsto no Código Penal), processar
e condenar na forma da lei, mas isto não pode ser feito através
da prática de novos crimes, dentre estes, o abuso de autoridade, a violação da
privacidade, da dignidade humana! Qual afinal o conceito de cidadão da Intervenção?
Quem são os “cidadãos” “do bem” que dizem pretender proteger com tanta
violência que, ao final, sabemos, acaba também servindo de pretexto para a
violência do tráfico?
Pois na comunidade da Maré, consumiram milhões em operações
militares na recente ocupação e o resultado prático em termos de segurança e
pífio! Em verdade, a repressão da Intervenção militar e seletiva, menospreza os
direitos mais elementares quando o Exército e Fuzileiros Navais
invadem as favelas, aprofundando a “barbárie fardada” que já tradicionalmente
faz a PM nestas áreas contra os “naturalmente perigosos”; Não se esqueçam de
Amarildo! Por incompetência investigatória dos crimes, incapacidade de buscarem
a raiz do problema essencialmente social, optaram por ampliar a repressão no
Estado do Rio de janeiro, para o regozijo dos verdadeiros donos da indústria
das Drogas e dos armamentos, instalados confortavelmente em suas seguras
mansões ou (seus prepostos) em alguns prédios
públicos de Brasília.
Felizmente diversas entidades democráticas do
país estão questionando a intervenção, tendo a OAB-RJ se insurgido contra
os ilegais mandados de prisão coletivos e agora denunciando os “fichamentos”. O
IAB concluiu também um corajoso parecer contra a ocupação militar. E a
Procuradoria da República, através da Nota Técnica n. 01/2018, de 20/02/18, já
questionou a “natureza militar” do decreto de intervenção, sua
inconstitucionalidade sob diversos aspectos, bem como a suspeita declaração do
General Interventor de que “aos militares deveria ser dado à
garantia de agir sem o risco de uma nova Comissão da Verdade”. O que significa
agir para este Comandante? Repetir as ações militares do póstumo
regime de 64?
Encerro estas linhas - de alerta e reflexão - dizendo que
faz-se necessário, além de auxiliar e apoiar as vítimas preferenciais desta
intervenção militar - os moradores das favelas - formar uma frente
de todos e todas, homens e mulheres, jovens, entidades sindicais, religiosas,
estudantis, democráticas, para nos opormos a esta intervenção, para que a
história das intervenções militares não nos cobre no futuro jamais o custo
da omissão. Os pobres já são vítimas de arbitrariedades há mais de 500 anos no
Brasil e a denominada “classe média” deve entender que a história já provou que
“saídas autoritárias”, intervenções militares, não irão jamais lhes trazer a desejada paz onde não há justiça social.
* Aderson Bussinger, advogado, conselheiro da OAB-RJ, integra o MAIS - Movimento Por Uma Alternativa Independente Socialista. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais/UFF, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB.