25.8.17

O RIO DE JANEIRO E SEUS FUZIS

JOÃO CLAUDIO PITILLO -



A cidade do Rio de Janeiro novamente recebe as ações espetaculares e midiáticas das Forças Armadas para o combate ao “crime organizado” e mais uma vez, elas se mostram ineficientes. As Forças Armadas não foram treinadas para serem agentes de policiamento ostensivo. Essa história de mobilizar as Forças Armadas para ações de policiamento ostensivo e GLO (garantia da lei e da ordem) nas grandes cidades remonta o Brasil império, onde esse tipo de força era usada para atacar os índios e conter os negros.

Com a chegada de D. João VI ao Brasil em 1808, foi criada a GRP (Guarda Real de Polícia) para atuar na cidade do Rio de Janeiro, tendo a função de garantir a tranquilidade dos ricos e brancos, já que a população predominantemente composta de índios, negros, cafuzos e mamelucos causavam muitos “problemas”. Problemas esses, relativos aos sérios desníveis sociais fruto da escravidão. Além disso, tinha a ameaça de uma revolta semelhante a do Haiti (1791-1804). As reclamações de furtos, assaltos e assassinatos eram constantes, fazendo com que a elite branca ficasse limitada durante a noite as áreas centrais da cidade. Para que a contenção social fosse feita, a solução empregada era a repressão, já que as elites não admitiam dividir a riqueza da nação com os mais pobres.

Passados mais de 200 anos podem notar que o cenário pouco mudou, os atores são os mesmos, a PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), continuadora da GRP ainda ostenta os mesmos símbolos da GRP colonial, a cana-de-açúcar, o café e as pistolas, fazendo do camburão uma versão terrestre do navio negreiro. As “classes perigosas” ainda matam e morrem pelos mesmos motivos, imersas na desigualdade e vítimas de um sistema econômico perverso. Nesse contexto de brutal exploração dos suburbanos e favelados, ostentamos o título de um dos países com a maior concentração de renda e fundiária do mundo, juntamente com a marca de possuirmos a polícia que mais mata e que mais morre no mundo.

Isso mostra que o perverso modelo escravista que Portugal nos impões continua vigente, só mudando as “comodites”, se antes eram o café e o açúcar, hoje é o milho e a soja a serem exportados para a alegria dos latifundiários. A terra continua nas mãos dos poucos brancos abastados e para os pobres, sobra desconforto e o sofrimento do êxodo rural. Essa desigualdade tem efeitos colaterais terríveis, que se chamam crime e violência. Vitimando diretamente os jovens favelados e de periferia, os que mais tem dificuldades em romper o ciclo da miséria, onde famílias desagregadas, sem acesso a escola de qualidade, que vivem em habitações precárias e sem acesso pleno a saneamento básico. Esses jovens enfrentam dificuldades para conseguir empregos dignos, por isso quase não ascende socialmente, ficando sem perspectivas de vida, não alcançando a cidadania. À margem da sociedade fazem do crime o meio de vida.

O padrão ditado pelos meios de comunicação e o consumismo emanado pela sociedade burguesa, ajudam a impulsionar esses jovens às práticas criminosas. A facilidade em se encontrar drogas e armas nos grandes centros urbanos brasileiros, tem elevado os níveis de violência a números alarmantes. No mesmo espectro, os números de homicídios, principalmente entre o grupo de homens jovens e negros, superam o número de muitas guerras em andamento no mundo. Ao mesmo passo, crescem as políticas de segurança pública galgadas no confronto e na estigmatizacão dos mais pobres, como os mais perigosos.

A ausência de investimentos massivos em educação pública, gratuita, laica e de qualidade, tem subutilizado a nossa juventude, contribuindo para a sua bestialização. A inexistência de uma política econômica que crie frentes de trabalho capazes de manter a mão de obra no campo, expandindo a agricultura familiar e em paralelo crie indústrias que produzam bens e serviços com alto valor agregado, colocam o Brasil e a maioria de sua população em uma condição de dependência e insegurança.

A fragilidade da nossa soberania fica evidente na quantidade de drogas e armas de grosso calibre que abundam nas favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, fuzis, pistolas e até metralhadoras “ponto trinta” compõem o arsenal dos criminosos, que constantemente são vistos descalços e morando em barracos sujos e mal-acabados. A principal característica desses jovens criminosos tem sido a violência desmedida, equipados com armas poderosas e atuando em bandos, conseguem muitas vezes se impor ante as forças policiais, causando grande sofrimento para a população.

Para além da presença das Forças Armadas na cidade do Rio de Janeiro e dos mirabolantes planos de segurança articulados pelos nossos governantes, perguntas sobre a logística em torno do fornecimento incessante de armas e munições aos criminosos cariocas devem ser respondidas. Assim como a dúvida que paire sobre a capacidade do jovem criminoso carioca, que do alto do seu barraco e que tem dificuldade em articular frases em português, possa ter para “importar” toneladas de drogas de países que estão a mais de 4.000 quilômetros de distância. A falta de uma polícia de inteligência mostra que os governantes não têm uma política pública capaz de poupar policiais e moradores das “balas” de fuzil que voam pelo Estado graças a política do confronto.

A ausência de uma escola de tempo integral capaz de envolver a juventude pobre em um projeto nação e a falta de uma política de segurança que transforme o policial em agente do Estado democrático de direito, faz com que a as forças de segurança estaduais e federais apenas encenem uma peça perigosa de propaganda de um governo falido e mentiroso. Disputando a mesma miséria, policiais, criminosos e moradores pobres, matam e morrem em becos e velas para deleite de uma pequena elite rentista desse país, que pouco se importa com o futuro da nação, já que a sua capital é Miami.

* João Claudio Platenik Pitillo, Pesquisador do Núcleo de Estudos das América – UERJ. Doutorando em História Social  UNIRIO.