15.8.17

ANIMOSIDADE E MAGISTRATURA

HÉLIO DUQUE -


A crise política, econômica e social brasileira não fica adstrita aos poderes Executivo e Legislativo, estendendo-se ao poder Judiciário. É fato grave pela objetiva razão de ser o Direito a paz e a disciplina da convivência humana. Ensinada por Emile Durkheim: “A sociedade sem o Direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade.”

Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal acusa a corte de estar “inventando um Direito criado na malandragem, o Supremo está muito concessivo e contribuindo para uma bagunça completa” atinge o Judiciário como um todo. O seu autor é o ministro Gilmar Mendes em entrevista ao “Estado de S.Paulo” (2-8-2017), disse mais: “O Direito Penal foi todo reescrito, nesse período, isso precisa ser arrumado. É preciso voltar a um mínimo de decência, sobriedade e normalidade à Procuradoria Geral da República. Inventando Direito Constitucional criado na malandragem e a reboque de quem? É doutrina de Curitiba, doutrina Janot, não tem nada a ver com Direito, isso é uma loucura completa que se estabeleceu.”

O ministro Gilmar Mendes amplia o seu ataque: “As delações todas, essas homologações, o referendo de cláusula, uma bagunça completa e fica a reboque das loucuras do Procurador. Certamente o Tribunal vai ter de se posicionar, até para voltar a um quadro de normalidade e decência.” No centro do embate jurídico esta a homologação pelo procurador Rodrigo Janot das delações do Grupo JBS e ratificada pelo ministro Edson Fachin, do STF. É inacreditável que um ministro integrante da Corte, ataque com tamanha veemência os seus colegas do poder judiciário.

Ex-ministro do STF, Francisco Rezek, no “Valor” (3-8-2017), dizendo-se preocupado com a animosidade entre os magistrados, constatou: “O que mais me preocupa na atual composição da Corte é que eles (ministros) se estimam menos do que antes e, portanto, se respeitam menos. Tenho a impressão que os ministros estão brigando, usando uma linguagem que não seria própria para magistrados desse nível. Vai além dos limites da cordialidade que caracterizaram o tribunal antigamente. O que nos tranquiliza é que esse exagero de protagonismo da Corte é um resultado direto da crise.”

Leigo em matéria jurídica, como cidadão brasileiro não me omito de opinar, seguindo o ensinamento milenar de Platão: “O Juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”. Recomendo aos atuais 11 ministros do STF que consultem os 4 volumes sobre a “História do Supremo Tribunal Federal”, escrito pela advogada Lêda Boechat Rodrigues.

Por décadas servidora da Corte, produziu um trabalho de profundidade histórica sobre a importância do Judiciário sensato e equilibrado no desenvolvimento nacional. É encontrável na biblioteca do STF e foi publicado há anos, pela Editora Civilização Brasileira. Guardião da Constituição, o Supremo não pode e não deve se submeter a ditames jurídicos ideológicos momentâneos, conspirando contra o futuro.

O Estado de Direito, na sua integralidade, deve ter o balizamento do STF, como poder moderador da República. Os ministros de tribunais superiores quando extrapolam, em declarações à imprensa, muitas vezes antecipam o seu julgamento, provocando descrédito que atinge a instituição. Cultivar a discrição deve ser uma prerrogativa da função de ser juiz. No caso dos ministros do STF, a paixão política deve ser arquivada e em seu lugar deve prevalecer relações harmoniosas e independentes entre os poderes republicanos. Pela objetiva razão de ao sacralizar os seus votos está definindo rumos jurídicos onde não caberá recursos, mesmo quando for uma decisão errada. Daí a importância de fundamentar o que vai decidir, sabendo das consequências que gerarão ao longo do tempo.

Hoje o STF é uma instituição com plenário dividido, mas cultivando o mote imperial de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. O clima belicoso, com nervos à flor da pele, configura clima de guerra frontal entre vários dos seus ministros. A grande vítima dessa indesejável realidade é o Estado Democrático de Direito.

* Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira