JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Uma característica de quem atira afundando é que ele invariavelmente afunda com seu alvo. Moreira Franco, o Angorá da lista da Odebrecht, resolveu contra-atacar seu envolvimento no escândalo dos financiamentos partidários e pessoais sustentando que a empresa montou uma organização mundial de corrupção. Supostamente, essa rede corruptora corrompeu o planeta inteiro, exceto Moreira Franco. Ele é um padrão de moralidade. Para defender sua reputação vale tudo, inclusive quebrar a maior empreiteira privada brasileira.
Se fôssemos avaliar em termos de legados, o que Moreira Franco tem deixado para o país não se compara a tudo que faz a Odebrecht, aqui e no exterior. Suponhamos que ela corrompa todo mundo para ganhar obras; do outro lado estão funcionário corruptos que se aproveitam disso, e dezenas de milhares de trabalhadores ocupados nessas obras. Suas propinas são incorporadas ao faturamento, e o faturamento resulta de uma concorrência com ou sem aditivos. Desculpem-me os nefelibatas, mas é assim que ocorre no mundo inteiro: no Pentágono, já houve caso de assento de privada faturado por US$700!
Mas Moreira Franco, o incorruptível, tendo comandado a construção e reformas dos aeroportos brasileiros, conseguiu o feito fantástico de abolir totalmente corrupção nesses empreendimentos, deixando um legado único de honestidade em obras públicas. Como ele operou essa ginástica? Muito simples, parcerias público-privadas, ou PPP. O esquema permite que um privado finja investir num empreendimento, colocando um valor simbólico de recursos próprios, e completando o grosso do investimento com crédito subsidiado do BNDES.
Em outras palavras, em vez do investidor pagar a propina, o Estado fica com a propina e o investidor privado se apropria do valor principal da obra financiada pelo banco público. Essa picaretagem que, no Brasil, tomou o nome de PPP, é o que Moreira Franco pretende estender a todo o setor público com sua Secretaria Especial junto a Temer. É um negócio tão bom para o setor privado que dispensa corrupção. Em outras palavras, a corrupção é o próprio empreendimento financiado. Um verdadeiro vale tudo de apropriação de dinheiro público.
“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”, bradava Cícero, atacando o mais célebre conspirador da República romana. Acaso Moreira Franco pensa que enganará todos, por todo o tempo, em todo lugar? Pensa ele que atacando a Odebrecht - que obviamente terá de pagar justificadamente por ter comprado tanta gente no setor público, durante tanto tempo, inclusive ele - vai limpar a própria barra junto a Lava Jato? Claro, a Lava Jato, que já se mostrou seletiva em outros casos, pode se mostrar também neste. Contudo, a publicidade está feita.
Se fosse um homem honrado, Moreira Franco já teria se despedido de um cargo que tem relação direta com empreiteiras e empresários e, portanto, deveria estar sob o foco da luta contra corrupção. Fora do Governo poderia se defender com dignidade, se é que não deve nada. Entretanto, pode-se suspeitar que ele fica no Governo para usar o Governo como biombo para novas investidas enquanto é tempo. Não importa que, com isso, ele sobrecarregue Temer com uma galeria cada vez maior de suspeitos de corrupção.
Aparentemente a dificuldade de Temer com se livrar de gente como Moreira Franco se deve à falta de alternativas. De fato, o Governo ficou tão sem credibilidade que ninguém sério aceitaria ocupar lugares de destaque nele. Mesmo um cargo de segundo escalão como de Secretário da Juventude resultou desastrado, para não falar nos Geddel e outros da vida. Talvez Temer tenha que ele próprio considerar seriamente a hipótese de renunciar como única saída não apenas para salvar a República, mas para salvar também a própria biografia.