28.12.16

A POESIA DO VERÃO, POR FERREIRA GULLAR

CULTURA -
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VERÃO (Ferreira Gullar)

Este fevereiro azul 
como a chama da paixão 
nascido com a morte certa 
com prevista duração 

deflagra suas manhãs 
sobre as montanhas e o mar 
com o desatino de tudo 
que está para se acabar. 

A carne de fevereiro 
tem o sabor suicida 
de coisa que está vivendo 
vivendo mas já perdida. 

Mas como tudo que vive 
não desiste de viver, 
fevereiro não desiste: 
vai morrer, não quer morrer. 

E a luta de resistência 
se trava em todo lugar: 
por cima dos edifícios 
por sobre as águas do mar. 

O vento que empurra a tarde 
arrasta a fera ferida, 
rasga-lhe o corpo de nuvens, 
dessangra-a sobre a Avenida 

Vieira Souto e o Arpoador 
numa ampla hemorragia. 
Suja de sangue as montanhas, 
tinge as águas da baía. 

E nesse esquartejamento 
a que outros chamam verão, 
fevereiro ainda em agonia 
resiste mordendo o chão. 

Sim, fevereiro resiste 
como uma fera ferida. 
E essa esperança doida 
que é o próprio nome da vida. 

Vai morrer, não quer morrer. 
Se apega a tudo que existe: 
na areia, no mar, na relva, 
no meu coração - resiste.