HÉLIO DUQUE -
O Brasil não pode ser transformado em uma “Suburra” continental, onde o jogo de azar, em todos os níveis, venha a ser legalizado. Tramita no Congresso Nacional, com enorme probabilidade de aprovação, projeto destinado a implantação de cassinos, jogo de bicho e bingos (presencial, online ou por vídeo). Consta que o governo interino de Michel Temer e os seus principais líderes seriam patrocinadores da polêmica proposta. Seria recomendável que os parlamentares assistissem, em sessão especial, patrocinada pelo Senado, o filme “Suburra”, do diretor italiano Stefano Sollima. Relata a história do crime organizado e da corrupção em Roma, objetivando a aprovação de projeto de lei garantindo zona livre para a implantação do jogo na região de Óstia. É poderosa a aliança de políticos, empresários e malfeitores de todo tipo, empenhando-se na aprovação da “Lei da Periferia”.
É um negócio bilionário que transformaria a zona portuária de Óstia, em uma nova Las Vegas. No Congresso parlamentar Filippo Malgradi, relator do projeto, convence os seus pares, usando o poder da corrupção, da urgência da sua aprovação. Além dos políticos, a “Lei da Periferia” envolve interesses poderosos e as famílias mafiosas do sul da Itália. A implantação do jogo e gigantescos projetos imobiliários fariam de Óstia, o paraíso da jogatina. Para remover obstáculos, o tráfico de influência corruptor é acionado, inclusive com assassinatos, chantagens e rapto, para garantir a liberdade do submundo que se encarregaria da implantação de bordéis e livre tráfico de drogas.
Na Itália, era restrita a uma região. No Brasil, em 2016, a sua correspondente é um “Projeto de Lei do Senado nº 186, de 2014, dispondo “sobre a exploração do jogo de azar em todo o território nacional." Regulamentaria cassinos, bingos, jogo de bicho e máquinas de caça níquel. Já aprovado na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional do Senado, estando pronto para votação em plenário. Integra o corpo da chamada Agenda Brasil, conjunto de medidas formuladas pelo senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional. A crença surrealista é que ajudaria o Brasil, pela sua arrecadação, a enfrentar a crise econômica. Na Câmara dos Deputados já existe uma Comissão Especial para implantar, no Brasil, o Marco Regulatório dos Jogos de Azar.
O autor do projeto nº 186, senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí, justifica: “Tenho certeza de que a legalização traria uma série de benefícios para a sociedade”. Esquece S.Excia que o jogo é foco de criminalidade, lavagem de dinheiro, viciando o cidadão e gerando devastadores conflitos familiares.
O interino governo Michel Temer, uma administração herdeira de uma crise da dimensão da brasileira, quereria oficializar a jogatina em todo o território nacional, como programa de governo?
Felizmente, no próprio Senado, vozes como a do senador Cristovam Buarque, com lucidez, argumenta que a legalização dos jogos estimula a concentração de renda. Demonstra que muitos apostadores perdem em benefício de um só ganhador, além de incentivar outras práticas ilícitas como o uso de drogas e prostituição. O senador gaúcho Lasier Martins, vai na mesma direção: “A saída para o País é pela educação, e não pelo jogo. Vai ser um local para a lavagem de dinheiro como nunca. Não acredito que seja o momento para analisar uma proposta dessas.”
Já o Ministério Público, através o promotor José Seabra Mendes Junior, argumenta: “algumas pessoas usam a Caixa Econômica para dizer que o jogo de azar já existe. Mas o tipo de exploração estatal não trás tendência da compulsão, algo que não é possível nos jogos da Caixa. Além disso o jogo é uma porta para o crime”. O Movimento Brasil sem Azar, pela voz do membro do Paulo Fernando Melo é direto: “A legalização seria também uma maneira de políticos fazerem caixa 2 de campanha”.
A rigor, se não houver forte mobilização da sociedade pela rejeição do Projeto nº 186, quando da sua votação no plenário do Senado, ele será aprovado. Institucionalizando em todo o território nacional a jogatina, livre, leve e solta, com reflexos diretos na desestruturação de várias famílias brasileiras. A sociedade não pode aceitar esse estupro moral com passividade.
*Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.