8.2.16

“NÃO CONSIGO ENTRAR NO MUSEU DO AMANHÔ

Por RONILSO PACHECO -
Talvez esta seja uma informação desnecessária. Talvez. Mas de qualquer maneira, opto por partilhar desse desestímulo, dessa frustração, porque tudo o que envolve a construção do Museu do Amanhã (e não ele necessariamente), e o que ele agora significa, me afeta negativamente.
Afeta minha memória, saber que a região onde o museu foi construído é um território macabro. Ponto de chegada do maior contingente de negros escravos e negras escravas da história da humanidade. Comercializados como mercadoria, foram vendidos, ou viraram lixo humano, ou morreram. A região do Valongo, onde o Museu do Amanhã está de pé, enterra a maioria dos corpos negros que já colocaram os pés no continente americano. Sim, você não sabia? Mais de meio milhão dos escravos e escravas que por aqui passaram, adentraram pelo Valongo, onde está o Museu do Amanhã. Seus corpos estão ali embaixo (sob a terra, ou lançados ao mar).
O comércio da venda de corpos de negros e negras foi para ali transferido, para que a região central da cidade, hoje a Praça XV, não fosse tumultuada pela presença daquela gente feia e suja, para que o cheiro deles não atrapalhasse o ambiente e a estética da cidade que tinha pretensões de ser comparada urbanisticamente a Paris.
Afeta minha história, e minha consciência histórica, saber que um passado negro é deliberadamente ignorado e destruído, para que um futuro branco classe mediano seja erigido no lugar, com festa e pompa. Alguém aqui imagina a construção de um Museu do Amanhã no território dos campos de concentração em Auschwitz? Nunca. Ao contrário, na Alemanha, todo estudante alemão deve (eu disse “deve”, é obrigatório) visitar ao menos dois campos de concentração ao longo de sua vida escolar. Essa marca é importante. Eles não devem esquecer, nunca, que ali pessoas foram tratadas como nada.
Mas no Rio, a construção do Museu do Amanhã é a afirmação de que se o passado é de negros, “então não nos interessa”. Não há o que preservar. Deixem esses corpos esquecidos, como lixo que se decompõe em aterro sanitário. Dêem, em memória deles, algumas placas, exposição de penduricalhos e festas.
E assim nasce o Museu do Amanhã. Bonito de verdade. Impressionante de verdade. E que eu até visitaria. Não fosse essa dor e essa indignação, esse grito ensurdecedor do silêncio dos que morreram sem nada..
*RONILSO PACHECO - Interlocutor social na ONG Viva Rio; graduando em Teologia na PUC-Rio; membro do Coletivo Nuvem Negra - coletivo de negros e negras estudantes da PUC-Rio, e presta assessoria para movimentos sociais e organizações de direitos humanos.