Por MIGUEL MARTINS - Via CartaCapital -
Liderados pelo influente sindicato norte-americano SEIU, atos por melhores condições de trabalho na rede ganham força no Brasil em meio a relatos de violações nas unidades da empresa.
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Campanha teve início em 2012, quando pouco mais de cem trabalhadores de redes como McDonald’s, Burger King, Domino’s e Pizza Hut entraram em greve em Nova York. |
Repetir o protocolo “Bem-vindo ao McDonald’s, o que
deseja comer?” era apenas uma das funções do atendente Lucas Marques na unidade
da lanchonete multinacional no Shopping Metrô Itaquera.
Segundo o ex-funcionário da rede de fast-food, ao
acumular tarefas como treinar novatos e fazer as vezes de gerente, sua jornada
de trabalho chegava a 12 horas, embora as quatro horas trabalhadas além do
expediente não fossem remuneradas.
Alguns de seus ex-colegas, conta, eram designados para
trabalhar em chapas, fritadeiras e tostadeiras sem dispor de proteção adequada
contra queimaduras. Segundo Marques, um deles chegou a ficar com as mãos
descascadas por manusear diariamente, sem luvas, produtos químicos como o degreaser,
um desengordurante tão potente que uma gota da substância deve ser diluída em
pelo menos 300 mililitros de água. “ Violações como essas podem ser testemunhadas
em qualquer loja do McDonald’s no Brasil”, afirma.
Recentemente, Marques entrou para o Sinthoresp,
entidade que reúne trabalhadores do comércio de alimentação preparada em São
Paulo, para denunciar violações trabalhistas na loja da rede. Há um mês, diz,
foi demitido do McDonald’s por conta de sua atuação sindical. Na terça-feira
18, esteve presente em um protesto na frente de uma unidade da multinacional na
avenida Paulista.
Organizado pelo Service Employees International Union,
com quase 2 milhões de trabalhadores filiados nos Estados Unidos e Canadá, o
ato mostrou a força política - e econômica - de uma das maiores entidade
sindicais de trabalhadores do setor de serviços no mundo.
Há três anos, o sindicato desenvolve uma campanha
mundial contra as condições precárias de trabalho nas maiores corporações de
fast-food. Por ser a maior empresa do setor, o McDonald’s é o alvo principal.
O protesto bilíngue, com discursos em português e
inglês, mostrou a força publicitária da campanha. Atores vestidos de Ronald
McDonald, o palhaço-símbolo da lanchonete, misturavam-se a ex-funcionários da
empresa recrutados de vários cantos do globo: Estados Unidos, Filipinas e
República Dominicana.
Na estampa dos coletes dos manifestantes, a frase
“Odeio muito tudo isso” ironizava um dos principais slogans do McDonald’s,
seguida de um “cardápio de escândalos” baseado em alguns nomes dos sanduíches
mais famosos da rede, do “Big Desrespeito” ao “McHumilhação”.
No Brasil, a primeira vitória do movimento foi ter
garantido a retirada de adolescentes de funções insalubres ou perigosas,
prática vetada pela legislação trabalhista brasileira. “Até pouco tempo,
bastava ir a uma unidade para encontrar um jovem mexendo com produto químico ou
trabalhando na chapa”, afirma Marques. “Mas, felizmente, mudamos esse cenário.”
Paulo José Oliveira de Nadai, juiz do trabalho em
Curitiba, seguiu a sugestão do ex-funcionário do McDonald’s. Durante a análise
da ação civil proposta pelo Ministério Público, que pedia a condenação da
empresa pela contratação de jovens com menos de 18 anos para atividades com
risco à saúde, o magistrado decidiu ir a uma unidade da lanchonete e afirmou,
em sua decisão, ter encontrado um jovem com queimaduras por operar uma chapa de
hambúrgueres.
Em sua decisão de julho deste ano, Nadai exigiu que o
McDonald’s retirasse todos os menores alocados em atividades insalubres ou
perigosas de suas unidades, sob pena de multa de 500 reais por dia para cada
estabelecimento irregular.
A Justiça proibiu os menores de trabalharem em
atividades como operação e limpeza de chapas e fritadeiras, coleta de lixo e
resíduos e limpeza em vasos sanitários e vestiários. O McDonald’s suspendeu a
decisão de primeira instância por meio de uma liminar e aguarda o julgamento do
recurso apresentado à Justiça.
A campanha do SEIU, que começa a desembarcar com maior
força no Brasil, teve início em novembro de 2012, quando pouco mais de cem
trabalhadores de redes como McDonald’s, Burger King, Domino’s e Pizza Hut
entraram em greve em Nova York. Com o mote “lute por 15 dólares”, a campanha
procurava estabelecer um novo salário mínimo para os trabalhadores do setor nos
Estados Unidos.
Atualmente, o mínimo exigido por lei no país é de 7,25
dólares por hora, ou 1,25 mil dólares por mês. Em Nova York, o movimento
conseguiu atingir a meta de um salário mínimo de 15 dólares por hora para os
funcionários das redes. Um salário mensal de mais de 2 mil dólares, mesmo
respeitado o poder de compra relativo a cada país, está muito acima do que ganham
os funcionários no Brasil, onde um atendente recebe inicialmente cerca de 800
reais por mês, valor pouco acima do salário mínimo nacional.
O Diretor internacional de campanhas do SEIU, Scott
Courtney, afirma que as violações trabalhistas do McDonald’s são muito
semelhantes ao redor do mundo. “Com algumas exceções, como Dinamarca, Austrália
e Suécia, seu modelo de negócios é de nivelamento por baixo”, afirma.
“A intenção é investir no baixo custo ao exigir que os
funcionários trabalhem o máximo possível e ganhem o mínimo necessário”.
Courtney diz ainda que a relação da empresa com os franqueados da rede é “de
degola”. “O McDonald’s força os donos de franquias a aderir a acordos de
aluguel que absorvem de 15% a 20% das vendas. Eles fazem muito mais
dinheiro com isso do que com a venda de hambúrgueres.”
Hoje o McDonald’s é, acima de tudo, uma imobiliária. A
empresa é dona de 6 mil restaurantes, enquanto outros 30 mil são franqueados.
Embora a receita de seus restaurantes gere mais de 18 bilhões de dólares, duas
vezes o valor do que as franquias proporcionam, os gastos menores com a
operação das lojas franqueadas garantem um lucro maior para a rede.
Enquanto o McDonald’s gasta mais de 15 bilhões de
dólares para manter em funcionamento suas próprias unidades, o custo de
operação nas lojas franqueadas é de 1,69 bilhão de dólares.
No Brasil, o valor do aluguel pago pelas franquias
chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Em 2003, a Corte exigiu que a rede
reduzisse o aluguel de um franqueado em Sergipe de 14,5% para 4% sobre a venda
bruta mensal.
Recentemente, o McDonald’s foi ultrapassado em número
de lojas no Brasil pelo Subway, empresa com mais de 44 mil restaurantes ao
redor do mundo. O McDonald’s não tem aceitado novos franqueados no País, o que
ajuda a explicar a perda da liderança.
Segundo Courtney, outras grandes empresas de fast-food
também são alvo das campanhas do SEIU, mas o foco no McDonald’s explica-se pelo
efeito cascata que mudanças na rede podem gerar. “Não podemos isentar grandes
empresas como Burger King e Subway de possíveis violações trabalhistas, mas
elas só vão alterar seu modelo de negócio caso o McDonald’s lidere essa mudança
de atitude. Se a maior empresa do setor reconhecer os direitos de trabalhadores
e melhorar seus salários, outros farão o mesmo.”
Por meio de nota, o McDonald’s afirma seguir rígidos
padrões para garantir a segurança de seus empregados. “A empresa cumpre
rigorosamente a legislação trabalhista em relação a horas de trabalho e pratica
a jornada fixa.”
Sobre os protestos contra a rede na terça-feira 18, o
McDonald’s diz respeitar as manifestações sindicais e ter orgulho de ser “a
porta de entrada de milhares de jovens no mercado de trabalho”. “Nossa práticas
laborais são premiadas e reconhecidas pelo mercado.”
Ao focar em sua campanha contra a rede, o SEIU
consolida-se como uma poderosa força sindical. Nos Estados Unidos, onde é
permitido a sindicatos doarem em campanhas eleitorais, a entidade contribuiu
com mais de 60 milhões de dólares para a campanha de reeleição de Barack Obama
em 2012.
Para o SEIU, fragilizar o McDonald’s é a senha para
aumentar sua influência e angariar a participação de mais trabalhadores do
setor de serviços. Embora seja legítima a luta dos funcionários e dos
franqueados do McDonald’s por melhores condições, vale a ressalva: a disputa
entre o SEIU e o McDonald’s também é um embate entre duas grandes potências.