Tendo trabalhado em uma série de organizações não-governamentais, como ActionAid e Plan and Care e atuando com a União Nacional por Moradia Popular, o geógrafo, escritor e produtor norte-americano Brian Mier, também colaborador do think tank de Washington Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), vive no Brasil há 20 anos.
Brian Mier ainda
se espanta com a forma com que a mídia estrangeira utiliza fontes jornalísticas
do Brasil e cita o caso da revista Veja em um artigo recente. Para ele, é um
mistério que essas empresas façam uso do material da revista, quando não
utilizam de canais como a TV Fox News ou ou jornal Daily Mail, famosos não
apenas por seu conservadorismo, mas pelo enviesamento político de suas pautas.
*****
A
questão Veja...
A
TV Fox New e o jornal The Daily Mail não são utilizados como fontes confiáveis
por agências de notícias anglófonas sérias. Então, por que elas continuam a
citar a revista Veja?
Por
Brian Mier, editor da BrasilWire*
Semana
passada, a lenda do futebol, hoje senador, Romário Faria, fez um anúncio
especial para seus dois milhões de seguidores no Facebook. “Descobri na
quinta-feira, pela revista Veja, que tenho milhões de reais numa conta na
Suíça”, disse. “Obviamente, eu fiquei muito feliz com a notícia e assim que
possível irei até o banco para confirmar se eu tenho essa conta, sacar o
dinheiro e informar a Receita Federal... mas como estamos falando da Veja, se
essa informação for falsa não será surpresa pra ninguém. Se você ler a notícia
verá que não há uma fonte confiável citada... É difícil encontrar qualquer
coisa crível nessa revista.”
Romário,
que apoiou Aécio Neves na última corrida presidencial, voou até Genebra, na
Suíça. E postou uma selfie no Facebook, dizendo: “Chateado! Acabei de descobrir
aqui em Genebra, na Suíça, que não sou dono dos R$ 7,5 milhões”. Após confirmar
que a informação publicada por Veja era falsa, ele pediu a seus fãs que
procurassem o perfil no Facebook dos jornalistas que escreveram a matéria e
perguntassem a eles quem foi sua fonte. Cômica trolagem feita e em 24 horas
dois dos três jornalistas cancelaram seus perfis no Facebook. Imediatamente
após retornar ao Brasil, Romário entrou com processo de calúnia e difamação
contra a Veja.
A
reação de Romário divertiu muitos brasileiros, mas o fato de que a história foi
fabricada numa aparente tentativa de manchar a imagem do principal candidato à
Prefeitura do Rio de Janeiro não surpreendeu muitas pessoas. Em um país com
leis débeis sobre calúnia e difamação e de baixas indenizações, Veja é uma das
menos confiáveis das grandes fontes de notícias. A revista, que fomenta os
interesses da classe média conservadora, tem um longo histórico de criar
factóides sobre corrupção contra rivais políticos enquanto adula aliados
sabidamente corruptos, a maioria deles, como Veja, com ligações com a ditadura
militar de 1964-1985.
Veja
foi criada em 1968 e rapidamente se tornou a mais popular revista de notícias
do país. Ela se referia à ditadura militar como um “governo revolucionário” e
aos líderes estudantis e sindicalistas, postos na ilegalidade, como
“terroristas”. Foi uma das principais responsáveis pela eleição do primeiro
presidente neoliberal do Brasil, Fernando Collor. Há décadas é reconhecida como
apoiadora do Consenso de Washington, na economia, assim como por suas posições
conservadoras quanto a políticas sociais e raciais, cruzadas anticorrupção
seletivas e estreitos laços com o corrupto e ultraconservador partido PFL/Dem.
Como
Emir Sader, diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, diz, “todo país tem esse tipo de publicação
extremista que prioriza a defesa de ideias dos novos conservadores
estadunidenses. Eles herdaram ideias do período da Guerra Fria, se
especializaram em atacar a esquerda e repetir as mesmas manchetes
internacionais, além de artigos tolos, supostamente científicos, sobre novas
medicinas, tratamentos de pele e de problemas psicológicos para que possam
fingir serem revistas para a família.”
Na
semana passada, o ex-presidente Lula entrou com um processo por danos morais
contra a Veja por esta se utilizar do recurso de fontes não declaradas para
acusá-lo de aceitar propinas da construtora Odebrecht. A reportagem foi
acompanhada da característica capa de Veja, onde Lula, nas sombras, franze o
cenho. Em junho, a jornalista Joice Hasslemann, da revista, foi acusada de
plagiar 42 diferentes jornalistas da mídia impressa. Em outubro do ano passado,
Veja foi condenada por fraude eleitoral e obrigada a retirar do ar qualquer referência
online a uma edição especial lançada na véspera das eleições presidenciais e
que acusava erroneamente Dilma Rousseff e Lula de envolvimento direto no
escândalo da Petrobras.
Apesar
dos sérios problemas de credibilidade, Veja segue como uma das fontes mais
citadas sobre as notícias do Brasil. A [agência de notícias] Reuters e o
[jornal] The New York Times não tratariam a [rede de TV] Fox News como uma
fonte confiável, contudo, no mês passado, Reuters citou a Veja por sete vezes.
Na semana anterior ao 26 de outubro, dia das eleições presidenciais, The New
York Times citou a revista em seis artigos, incluindo a repetição das acusações
a Dilma Rousseff feitas pela edição especial tornada ilegal por decisão
judicial. Uma busca por palavra-chave no site doTimes revela 121 reportagens
citando a revista Veja. O aparentemente progressista The Guardian não usaria o
Daily Mail como fonte confiável, mas cita a Veja regularmente também.
Por
que importantes publicações do Norte continuam a citar Veja com uma fonte
objetiva sobre o noticiário brasileiro? Como alguém que tem andado com muitos
jornalistas estrangeiros em meus 20 anos de Brasil, eu gostaria de acreditar
que isso acontece por conta dos baixos salários e dos prazos curtos de entrega
das reportagens. Com algumas das principais companhias de notícias pagando para
freelancers algo tão baixo quanto US$ 100 por artigo para conteúdo online eu
posso entender porque alguém iria ler apenas uma fonte de notícias, de grande
circulação, para montar uma rápida nota sobre uma atualidade qualquer. Outra
razão possível é a de que o segmento da população a que Veja se destina – a
classe média alta conservadora – é também o grupo mais provável a ser fluente
em inglês e interagir com correspondentes estrangeiros vivendo no Brasil.
A
empresa dona da Veja, Editora Abril, é um dos maiores grupos no cenário da
mídia brasileira, uma das citadas no relatório dos Jornalistas Sem
Fronteiras, Brazil, the
Country of Thirty Berluconis. Eu não estou dizendo que Veja possa ou
deva ser completamente ignorada pelos correspondentes internacionais cobrindo o
Brasil – ler as opiniões da revista é uma ótima maneira de conhecer o ponto de
vista conservador da classe média sobre qualquer assunto. O que eu sugiro,
entretanto, é que a qualidade da cobertura jornalística sobre o Brasil iria
ganhar em qualidade se a mídia de língua inglesa parasse de utilizar a Veja
como fonte primária de seu noticiário.
*
Brian Mier, nascido em Chigaco (EUA), é geógrafo, escritor e produtor, tendo
trabalhado por mais de uma década com organizações não-governamentais de
desenvolvimento internacional, como a ActionAid. Vive no Brasil há 20 anos.



