Por LÚCIO FLÁVIO PINTO - Via blog do autor -
Muitos blogs tratam a grande imprensa nacional como PIG. Ela formaria
o Partido da Imprensa Golpista. É uma denominação tão imprecisa quanto a
situação que esses blogs usam como razão para atacar a imprensa, como
se ela fora um bloco monolítico empenhado em derrubar um governo
constitucionalmente estabelecido, só por ser exercido pelo Partido dos
Trabalhadores. Manifestação de um ranço elitista incontrolável.
O qualificativo generalizador só teria validade se os críticos
encontrassem provas – ou, pelo menos, evidências convincentes – da
articulação golpista, como a que houve antes do golpe militar de 1964.
Precisaria haver um entendimento materialmente comprovado de que os
donos da mídia brasileira agem com a intenção de derrubar o governo.
O que está acima de qualquer dúvida é a sua oposição aos governos de
Lula e de Dilma Rousseff, ou, no mínimo, má vontade, predisposição
negativa e preconceito, mesmo quando foram beneficiados por atos –
genéricos ou específicos – dos dois presidentes da república. Essa
aparente contradição (levar dinheiro e ainda assim manter posições e
concepções editoriais) seria até benéfica se a pedra de toque da
cobertura da imprensa fosse o respeito aos fatos, a rigorosa apuração
das informações, a amplitude da abordagem e o respeito ao contraditório.
Cada vez menos é assim. As matérias jornalísticas violam regras
elementares da objetividade e do rigor para inocular nos textos
qualificativos e juízos de valor, desnaturando a reportagem em
editorial. O editorial é forma legítima e necessária de manifestação,
mas no seu espaço devido, com a caracterização necessária para alertar o
leitor de que se trata de opinião da empresa. Reportagem é o domínio do
repórter. Ainda que ele esteja sujeito a vários tipos de
circunstâncias, ele devia ser sempre o responsável pela integridade da
matéria.
A revista Veja tem se afundado no lodaçal desse tipo de
jornalismo – marrom, amarelo, sensacionalista, tudo menos cristalino,
como água da fonte, que devia ser a sua matéria prima. Ainda assim, ela
não comanda um PIG. Sua concorrente mais direta (e muito mais nova), a Época,
se lhe parece, mas se distingue também. Não pode ser envolvida pela
mesma camisa-de-força dos blogs neo-oposicionistas (ou, na atual
balbúrdia ideológica e política, críticos dos críticos).
Veja-se como exemplo mais recente e importante a polêmica reportagem
que denuncia Lula como operador. O texto bem que podia ter sido
expurgado de expressões como “pupila”, quando a palavra correta é
sucessora (o que Dilma foi), ou evitar declarar o ex-presidente como “o
lobista em chefe do Brasil”, classificação sem o rigor exigido para o
seu uso.
No entanto, trata-se realmente de uma reportagem, que se espalha por
oito páginas da revista semanal, apenas três (para o padrão Veja
de “encheção de linguiça” com recursos gráficos, que preenchem o vazio
de informações) com ilustrações. Os dados foram apurados em várias
fontes, inclusive fora do país, e apontam fatos que sustentam a
qualificação de Lula como lobista da Odebrecht, empreiteira nacional que
faturou 100 bilhões de reais no ano passado, parte da receita obtida no
exterior (de onde a empresa diz que trouxe 1,28 bilhão de dólares em
divisas para o Brasil).
O ex-presidente devia ter mais cuidado para não aproximar demais,
como tem feito, sua condição de viajante/palestrante pelo mundo ao, o
financiamento dessas excursões e os interesses corporativos subjacentes.
Lula tem todo direito de cobrar por suas palestras, mas elas deviam ser
gratuitas e em defesa de uma causa mais nobre quando o anfitrião paga
sua hospedagem e deslocamento. O ideal seria que o preço da sua
apresentação incluísse o valor dessas despesas para lhe dar a condição
que ele devia cultivar: não só ser honesto, mas parecer honesto – como a
mulher de Cesar (no caso, ele seria mesmo César, o que certamente
haverá de considerar comparação mais justa).
Também é prerrogativa natural do ex-presidente promover os negócios
brasileiros no exterior, desde que não haja nenhuma articulação
vantajosa de um particular tendo por fundamento dinheiro público. Época
cita fatos que lhe permitem considerar como triangular as operações
realizadas pelo ex-presidente em país africanos e latino-americanos,
onde tem influência pessoal. Sempre os negócios fechados nesses lugares
contam com a assistência do BNDES, com seus empréstimos de custo
inferior ao de marcado. Sem impor condições como as que o Eximbank da
Coreia do Sul exigiu da mineradora Vale, duas semanas atrás, ao lhe
conceder financiamento de dois bilhões de dólares. O recurso tem que ser
aplicado em transações com empresas coreanas.
A matéria da revista da Editora Globo não consegue caracterizar como
delituosas as relações de Lula com a Odebrecht porque não há provas de
ganho pessoal do ex-presidente ou de uma conexão de causa e efeito entre
sua participação, os contratos de prestação de serviço conseguidos pela
Odebrecht no exterior e os empréstimos do BNDES. Faltam essas
informações para caracterizar o crime de tráfico de influência ou
qualquer outro, que o Ministério Público Federal do Distrito Federal
apenas começou a apurar, em caráter preliminar, por provocação externa, o
que serviu de “gancho” (ou mote) para a matéria.
Faltam muitas informações não só por alguma incapacidade de apuração
da revista, mas também porque o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social não é transparente. Mantém sigilo sobre essas
transações, sigilo que agora está prestes a ser rompido pelo parlamento.
A abertura dessas caixas pretas só fará bem à revelação da verdade, que
devia interessar a todos: ao PIG, ao anti-PIG, a Lula e todos mais,
imaginários ou reais.
A verdade se prova e a ela se chega pela demonstração dos fatos e das suas circunstâncias ou contextos. A reportagem de Época
não se enquadra como instrumento usado por uma imprensa que quer
derrubar o governo. Ela é o exercício do jornalismo, que deve ser livre o
bastante para dizer o que apurou (ou o que quiser dizer) e abrigar as
contestações, assumindo a plena responsabilidade pelo seu conteúdo. Não
deve ser assim a democracia que queremos, sem golpes e sem a síndrome
das conspirações, à completa luz do dia perante a opinião pública?



