Via Correio do Brasil -
Apenas algumas horas depois de escolhida a deputada Luiza Erundina (SP) para a coordenação da campanha presidencial de Marina
Silva, em uma indicação direta do Diretório Nacional do PSB, que tem o
deputado Beto Albuquerque (RS) como vice, não faltaram críticas à
decisão. A notícia foi divulgada na noite passada, em nota oficial no
site do PSB. Luiza Erundina substitui Carlos Siqueira, que abandonou a
coordenação-geral da campanha de Marina Silva pouco após a
nomeação da ex-senadora como candidata à Presidência no lugar de Eduardo
Campos, morto em um acidente aéreo no litoral de Santos no último dia
13.
Nascida em Uiraúna (PB), Erundina é professora e está em seu quarto
mandato como deputada federal por São Paulo, todos pelo PSB, partido ao
qual é filiada desde 1997. Antes de entrar no PSB, ela passou 17 anos no
PT (1980-1997). Como petista foi vereadora e prefeita de São Paulo e
deputada estadual. Ela esteve no ato de filiação de Marina Silva ao PSB.
Erundina, no entanto, é apontada em um artigo do jornalista Paulo
Moreira Leite, o PML, diretor do site de notícias 247, em
Brasília, como uma espécie de ‘rainha da Inglaterra’, no sentido de
ocupar o cargo de mando quando, na realidade, quem mandaria na campanha
seria Maria Alice Setúbal, uma das proprietárias do banco Itaú, uma das
maiores instituições financeiras do país, ligada à extrema direita.
Leia, a seguir, o artigo de Paulo Moreira Leite:
Na década de 1960, quando o embaixador norte-americano Lincoln Gordon
dava seguidas e constrangedoras demonstrações de poder junto aos
generais que tentavam dar a impressão de mandar no Brasil após o golpe
militar, o jornalista Paulo Francis cunhou uma frase que ficou famosa:
“chega de intermediários. Lincoln Gordon para presidente.”
Sessenta anos se passaram e o Brasil mudou bastante desde então.
Morto em 1997, o próprio Paulo Francis tornou-se um barítono da direita
brasileira, servindo de mestre para um conservadorismo que não conseguia
renovar-se por si próprio.
O país se democratizou, os brasileiros fizeram uma constituição
democrática e, dentro de poucas semanas, irão votar para presidente pela
sétima vez consecutiva, em ambiente de paz e plena liberdade de
expressão — isso nunca aconteceu na república brasileira, em período
algum.
Com um histórico de desigualdade e exclusão, na última década o país
conseguiu avanços memoráveis na luta contra a pobreza, por uma melhor
distribuição de renda. É inegável.
Mas nem tudo se modificou, como mostra Fernando Rodrigues, na Folha de hoje.
A entrevista de Maria Alice Setúbal, a herdeira do Itaú, que, manda a
tradição aristocrática brasileira, prefere ser tratada em público como
Neca, apelido familiar, é um assombro.
Educadora, por profissão, Neca é, também, bilionária por herança. É
uma conversa sem rodeios nem inibições. Desde a confirmação da
candidatura Marina, a herdeira do Itaú foi confirmada como coordenadora
do programa de governo. Lembra de Antonio Palocci, que teve um papel
essencial na estruturação do governo Lula, depois da vitória de 2002,
inclusive com a Carta ao Povo Brasileiro? Seu lugar no organograma era o
mesmo. Imagine o poder de Neca.
Maria Alice fala do ponto mais importante: autonomia do Banco
Central, medida que, nós sabemos, concentra o ponto fundamental da
campanha de 2014 — permitir ao sistema financeiro recuperar o controle
absoluto da política econômica, definindo a taxa de juros conforme
análises e projeções de instituições privadas que atuam no mercado.
Nós sabemos que, hoje, o governo Dilma procura manter a inflação sob
controle e tem obtido vitórias importantes — há quatro meses os preços
estão em tendência de queda e as projeções indicam um movimento
semelhante no próximo levantamento. Apesar disso, o governo não abre mão
de proteger os salários e de tomar toda medida a seu alcance para
manter o emprego, em seu mais baixo nível da história. Isso só é
possível porque, mesmo sem dar ordens ao Banco Central, a presidência da
República tem o poder de indicar e demitir seu presidente.
A autonomia do BC é a senha para se mudar isso. Em vez de deixar a
política econômica em mãos de tecnocratas que respondem a uma autoridade
eleita, o que se quer é dar independência aos diretores do banco, que
passam a ter mandato e assim por diante. Independência de quem? Das
autoridades que de uma forma ou outra expressam a soberania popular.
Eduardo Campos já havia se declarado a favor da autonomia do BC,
postura que causou espanto nos aliados que recordavam a herança do avô
Miguel Arraes. Marina disse na época que não era favorável. Parecia
resistir. “Enfim”, concordou, explica Maria Alice, esclarecendo que se
quer definir o assunto em lei.
Criado pela ditadura militar, o Banco Central brasileiro guarda uma
peculiaridade em comparação com originais estrangeiros. O Federal
Reserve Americano, por exemplo, tem o dever de defender a moeda do país —
e o emprego dos cidadãos. Essa missão com duas finalidades está lá, em
mármore, na porta da instituição. No Brasil, não há referência ao
emprego. Outros tempos, outros governos. Entendeu, né?
A coordenadora Maria Alice não é uma eleitora qualquer, cujo voto
representará 1/100 milhões na eleição. O Itaú é um gigante com US$ 468
bilhões de ativos em 2013. É um número respeitável por qualquer padrão,
inclusive internacional. Numa lista com os 15 maiores bancos dos Estados
Unidos, o Itau fica a frente de nove em ativos. Mas não é só.
Se você comparar a rentabilidade sobre o patrimônio, o banco da
coordenadora da campanha de Marina supera mesmo os maiores bancos da
maior economia do planeta. Diz a consultoria Econométrica que em 2013, o
Itaú teve um rendimento da ordem de 16,70% sobre o patrimônio, algo
perto de US$ 70 bilhões, só no ano.
Só para você ter uma ideia, o US Bancorp, mais lucrativo banco dos
Estados Unidos, teve uma rentabilidade de 15,48%. Os maiores bancos dos
EUA estão longe de exibir um desempenho comparável ao Itaú, no entanto.O
Morgan, com um patrimônio mais de quatro vezes maior do que o Itau,
teve um rendimento 50% menor, em termos relativos. O rendimento do Citi,
três vezes maior, teve um rendimento de equivalente a um quatro daquele
auferido pelo Itau, em termos proporcionais.
O Itau não é o único banco brasileiro nessa posição. Bradesco e Banco
do Brasil sobrevivem em ambiente muito parecido. A diferença é que os
concorrentes não colocaram uma herdeira no comando de uma campanha
presidencial, o que dá um grau de proximidade particularmente perigosa.
O Banco Central que a coordenadora Maria Alice quer autônomo já
define, hoje, a taxa básica de juros e isso explica a força do setor
financeiro no país. Caso essa situação seja colocada em lei, a situação
ficará ainda pior.
Protegidos por uma taxa de juros que já foi muito mais alta no
governo de Fernando Henrique Cardoso, mas segue uma das maiores do
mundo, os bancos crescem e engordam recebendo rendimentos pelos títulos
do governo. Com os lucros do rentismo, os bancos não tem necessidade de
emprestar ao empresário nem ao consumidor, atividade que está na razão
de sua existência, no mundo inteiro. A taxa média anual de juros nos
empréstimos bancários, em 2013, foi de 27,3% no Brasil. Uma barbaridade.
Só em Madagascar (60) e Malawi (46%) esse ganho foi maior. No Canadá
ficou em 3%. Na China, em 6%. Na Italia, em 5,1% e na Suíça, 2,6%. Nos
Estados Unidos, ficou em 3,2%, ou oito vezes menor do que no Brasil. Na
Inglaterra, ficou em 0,50%, mais quarenta vezes menor.
Dá para entender, assim, a desenvoltura de Maria Alice Setubal.
Pode parecer arrogância, mas não é isso. É pura expressão de uma
realidade política profunda. Alguém reclamava na França do Século XVII
quando o Rei Sol dizia que “o Estado sou eu?” Era natural, vamos
combinar.
Sem demonstrar inibições maiores, a herdeira do Itau faz críticas
diretas ao estilo de Dilma Rousseff. Avançando num argumento que reúne
varias camadas de preconceito, nem sempre invisíveis, falou que a
presidente exerce uma “liderança masculina.” Vinte e quatro horas depois
que a candidatura de Marina provocou a saída de dirigentes históricos
do PSB da campanha, ela achou conveniente definir Dilma como
“desagregadora”.
Marina trouxe uma representante do 1% do PIB mundial para o comando de sua campanha.
É aquela turma que atua por cima dos estados nacionais e tem ligações
frágeis com as respectivas populações porque seu horizonte é o mercado
global. Como se aprende com o Premio Nobel Joseph Stiglitz, são esses
interesses que impedem uma recuperação firme após a crise de
2009. O povo foi a rua em várias versões de ocupação e nada acontece. O 1% não quer e não deixa.
2009. O povo foi a rua em várias versões de ocupação e nada acontece. O 1% não quer e não deixa.
As grandes instituições financeiras seguem dando as cartas do jogo, mesmo depois de suprimir 60 milhões de empregos e destruir o futuro de várias gerações de trabalhadores.
O que a turma de 1% quer é eliminar o Estado de Bem-Estar Social
aonde existe, ou impedir seu crescimento, ande está para ser construído.
Isso porque ele funciona como uma garantia contra a reconcentração de
renda e preservação dos direitos democráticos, que nem sempre comovem os
mercados. Em alguns países do mundo, a força destruidora da crise não
fez seu trabalho. Um deles é o Brasil, onde o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva se recusou a tomar medidas que criariam uma Grécia infeliz
e sem futuro na América do Sul. Vem daí a campanha de ódio contra seu
governo e contra sua sucessora.
É isso e apenas isso.