Por PEPE ESCOBAR -Via RT Moscou -
A estrada para a reunião de Minsk na 3ª-feira, 26/8, começou a ser pavimentada
quando a chanceler alemão Angela Merkel falou em programa distribuído pela
televisão pública alemã ARD,
imediatamente depois de uma rápida visita a Kiev no sábado.
Merkel afirmou que “é preciso encontrar uma solução para a crise na Ucrânia que
não agrida a Rússia.”
Acrescentou que “É indispensável que haja diálogo. A solução tem de ser
política. Não haverá jamais solução militar para esse conflito.”
Merkel falou sobre “descentralização” da Ucrânia, sobre acordo definitivo para
os preços do gás, sobre o comércio Ucrânia-Rússia, e até deixou no ar que a Ucrânia
é livre para unir-se à União Eurasiana promovida pela Rússia (a União Europeia
jamais criará “grande conflito” por causa disso). Saem de cena as sanções;
entram propostas firmes.
Merkel não poderia ter sido mais explícita: “Nós [Alemanha] queremos ter boas
relações comerciais também com a Rússia. Queremos relações razoáveis com a Rússia.
Nossos países dependem um do outro; e há tantos conflitos no mundo nos quais
podemos trabalhar juntos, que espero que consigamos alcançar progressos”.
Tradução simultânea de tudo isso é que não haverá nenhum Nulandistão (comandado
pela neoconservadora Victoria ‘Foda-se a União Europeia’ Nuland), controlado
por controle remoto de Washington e totalmente pago pela União Europeia. No
mundo real, o que a Alemanha diz, a União Europeia obedece.
Geopoliticamente, implica revide gigante à ‘contenção & cerco’ obsessivos
de Washington contra a Rússia, que avançavam paralelamente ao ‘pivô para a
Ásia’ (contenção & cerco contra a China).
É a economia, estúpido
A economia da Ucrânia, agora sob intervenção do capitalismo de desastre – é
hoje... bem, um desastre. Já passou há muito tempo da recessão; agora está em
profunda depressão. Quaisquer futuros fundos que venham do FMI servem para
pagar contas atrasadas e dar comida à máquina (em processo de derrota) militar;
Kiev está lutando contra nada medos que o coração industrial profundo da Ucrânia.
Nem é preciso repetir que as condições associadas ao ‘ajuste estrutural’ do FMI
sangram diariamente os ucranianos.
Impostos – e cortes no orçamento – só crescem. A moeda, hryvnya, caiu 40% desde
o início de 2014. O sistema bancário é piada. A noção de que a UE pagará as
contas gigantescas da Ucrânia não passa de mito. A Alemanha (que manda na UE)
quer acordo. É p’rá já.
A razão é simples. A Alemanha está crescendo só 1,5% em 2014. Por quê? Porque
as sanções geradas pela histeria sancional de Washington estão machucando o business alemão. Merkel afinal captou a
mensagem. Ou, no mínimo, parece que captou.
O primeiro estágio no rumo de acordo duradouro é energia. Nessa 6ª-feira, há
reunião chave entre funcionários da energia russos e da União Europeia, em
Moscou. E na sequência, semana que vem, a reunião será entre funcionários
russos, da União Europeia e ucranianos. O comissário para energia da UE, Gunther
Oettinger, que estava em Minsk, quer acordo provisório imediato, para garantir que o gás
russo passe pela Ucrânia e possa chegar à Europa no inverno. O General Inverno,
mais uma vez, vence qualquer guerra.
Aqui, essencialmente, o que se tem é a União Europeia – não a Rússia –, dizendo
ao presidente Petro Poroshenko da Ucrânia que esqueça [orig. to stuff ] sua ‘estratégia’ (perdedora)
de limpeza étnica em câmera lenta do leste da Ucrânia.
Moscou sempre insistiu que a crise na Ucrânia é problema político que exige
solução política. Moscou aceitaria solução de descentralização considerando os
interesses e – direitos ao próprio idioma – das populações em Donetsk, Lugansk,
Odessa, Kharkov. Moscou não encoraja a secessão.
Poroshenko, por sua vez, é o típico oligarca ucraniano numa dança de oligarcas.
Agora que está por cima, não quer virar carniça de beira de estrada. E pode
virar, se confiar no ‘apoio’ dos neonazistas do Setor Direita e Svoboda, porque
nesse caso jamais haverá solução política.
O Império do Caos, desnecessário dizer, não quer uma solução política – com uma
Ucrânia neutra economicamente ligada à UE e à Rússia; integração
econômica/comercial na Eurásia é anátema.
A questão geral é a OTAN
Em paralelo, todos e quaisquer diplomatas da União Europeia com consciência
– ora bolas! Existem alguns! – sabem que a histeria non-stop em torno da ‘ameaça’
russa à Europa Oriental efeito de um mito promovido por Washington cujo único
objetivo é promover a OTAN. O secretário-geral da OTAN, Anders ‘Fog(h) da
Guerra’ Rasmussen soa como CD arranhado.
Não é segredo em Bruxelas que as grandes potências da União Europeia simplesmente
não querem bases permanentes da OTAN na Europa Oriental. França, Itália e
Espanha são acintosamente contra. A Alemanha continua sentada no muro, pesando
cuidadosamente um modo de não antagonizar nem Rússia nem EUA. Desnecessário
dizer que a “relação especial” anglo-norte-americana quer muito as tais bases,
apoiada na histeria desencadeada por Polônia e estados bálticos – Estônia,
Latvia e Lituânia.
Assim sendo, Fog(h) da Guerra está em previsível frenesi, promovendo
“reforços rápidos”, “facilidades de recepção”, “pre-posicionamento de
suprimentos, de equipamentos, preparação de infraestrutura, bases e
quartéis-generais, e “uma presença mais visível da OTAN”. Assim se prova
cabalmente, mais uma vez, que o Império do Caos não dá importância à Ucrânia; a
questão é, integralmente, a expansão da OTAN – e esse é o assunto chave do qual
se falará semana que vem na reunião em Gales.
Agora já ninguém consegue fazer parar o assalto neoliberal sem barreiras contra
patrimônios, a privatização selvagem e o saque alucinado na Ucrânia, disfarçados
como empréstimos e ‘ajuda’. Mas devorar a agricultura e o potencial de energia da
Ucrânia não basta para o Império do Caso. Ele quer a Crimeia de volta (aquela
futura base da OTAN em Sevastopol…). Ele quer mísseis de defesa plantados na
Polônia e nos Bálticos. Ele adoraria, mesmo, mudança de regime na Rússia.
E então aparece o MH17. Se se confirmarem as suspeitas de que o Império do Caos
engambelou a Europa, levando-a a aplicar sanções contraproducentes baseada na
mais tosca das ‘provas’, a opinião pública alemã obrigará Merkel a agir
conforme a situação real.
A Alemanha era o segredo por trás da reunião de cúpula de Minsk. Vejamos se a
Alemanha será também o segredo por trás da reunião de cúpula de Gales. No
final, cabe à Alemanha impedir que a Guerra Fria 2.0 esquente ,cada dia mais,
por toda a Europa.