Por CÂNDIDO GRZYBOWSKI - Via Brasil de Fato -
A política se reduziu a propaganda e se tornou um produto a ser
vendido. Não estamos mais só na economia do livre mercado.Agora estamos
numa sociedade mercantilizada e numa política subserviente aos mercados,
totalmente mercantilizada.
Estamos mergulhados na
conjuntura eleitoral, com propaganda em rádio e televisão, cabos
eleitorais nas ruas, adesivos por toda parte. Mas debate político
acalorado, que é bom, nada. O maior fato político e eleitoral neste
começo foi a morte em acidente aéreo do Eduardo Campos e a ascensão de
Marina Silva a candidata presidencial travestida de PSB, pois o que ela
queria e quer é viabilizar seu projeto consubstanciado na Rede
Solidariedade.
Dentro de um mês e pouco, pelo voto, deveremos
decidir sobre os rumos para o país. Mas a campanha eleitoral não é sobre
caminhos possíveis, que supostamente candidatas e candidatos para a
Presidência, o Senado, o Congresso Nacional, os Governos Estaduais e as
Assembleias Legislativas deveriam estar propondo e defendendo. Pelo
contrário, estamos submetidos a um bombardeio de propaganda eleitoral
feita para não pensar e sim para nos convencer o quanto de benefícios
nos pode propiciar esta ou aquela candidatura. A política se reduziu a
propaganda e se tornou um produto a ser vendido. Não estamos mais só na
economia do livre mercado.Agora estamos numa sociedade mercantilizada e
numa política subserviente aos mercados, totalmente mercantilizada.
Torna-se
necessário esclarecer este meu argumento. O espaço da política, mesmo
mercantilizado, é e continua sendo, por excelência, o locus da
construção do comum e do coletivo possível, num contexto histórico dado,
tendo a força propulsora a incontornável igualdade e diversidade de que
somos como membros de uma mesma humanidade.A mercantilização, por força
do poder de certos interesses e classes, subordina a política, a
privatiza, mas seu impacto continua sendo sobre o coletivo, sobre a
sociedade como um todo. Portanto, mesmo numa conjuntura de submissão e
subserviência da política à economia, no espaço da política se decidem
em disputa questões sobre as contradições e as possibilidades do comum e
do coletivo apontarem o rumo a ser perseguido e acabarem prevalecendo
democraticamente.Ou seja, sempre existe espaço a ser disputado, por
menor que seja. Não dá para abandonar a arena da disputa democrática.O
impossível pode se tornar possível na volta da esquina.
Com tal
visão estratégica, avaliemos o momento eleitoral criado no Brasil de
2014, a 50 dias do primeiro turno. Não temos condições de mudar no
imediato o quadro eleitoral, com estas campanhas que nos “vendem”
candidatos. Mas o momento é de pensar na sociedade que estamos
construindo. Podemos sempre definir um conjunto de ideias do que fazer e
demandar aos candidatos e às candidatas que respondam a elas, ao menos
àqueles mais próximos, dispostos a ouvir a cidadania ativa (coisa
rara!). Listo algumas das questões que são, no aqui e agora, definidoras
do rumo que estamos buscando com nosso voto, talvez sem o saber, para o
Brasil, um país gigante com impacto no mundo todo.
Começo pelo que me parece o mais intolerável e injusto: a questão indígena.
Continuamos o extermínio, mesmo tendo feito uma louvável trégua com as
conquistas da Constituição de 1988. É uma questão que está no centro do
poder, com uma perspectiva de flexibilizar, de negar direitos. As
insurgências indígenas dos últimos anos testemunham a nova investida de
interesses privados sobre seus territórios. Está na pauta do Congresso
uma agenda de mudança constitucional tanto sobre a demarcação de terras,
como sobre exploração mineral nos territórios já definidos e até sobre o
tal direito de consulta prévia, como na construção de grandes
hidrelétricas na Amazônia. Você conhece algum candidato ou candidata que
fale de tal questão nesta conjuntura eleitoral? Será que temos o
direito de decidir sobre o destino dos indígenas que sobreviveram à
conquista e colonização? Vamos continuar colonizando o Brasil em nome do
desenvolvimento?
Aliás, a mineração extrapola a questão indígena. O novo
código mineral pode tornar irreversível um processo de entrega à
exploração predatória privada de amplas áreas do território, um bem
comum que nos cabe zelar pela sua integridade. Por que comprometer o
futuro de novas gerações e, mais, do Planeta com este afã de fazer
dinheiro rápido aqui e agora, com um extrativismo insustentável de uma
perspectiva socioambiental? Cadê o debate sobre esta questão que já está
na pauta do Congresso? Não deveria ser uma questão de amplo debate e de
decisão direta pela cidadania como um todo?
Nesta linha a gente pode agregar o modelo energético.
Que debate estamos tendo sobre, literalmente, tão quente questão? O
Pré-Sal, depois daquela caça ao possível tesouro sobre a distribuição
dos royalties, nem mais conversamos. Será que vale a pena para nós e a
humanidade extrair petróleo do fundo do mar, com alto risco, acima de
nossas necessidades atuais, simplesmente para fazer excedente comercial e
com isto contribuir substancialmente para a mudança climática? Energia é
negócio ou necessidade vital? O que é prioridade? Precisamos de energia
e o quanto mais renovável melhor. Caminhamos neste rumo ou de ré? Esta
questão vale até para a energia renovável das hidrelétricas. Quanto, no
atual modelo, ela é renovável e quanto é destrutiva de uma perspectiva
socioambiental? Onde está o debate sobre a nossa matriz energética nesta
conjuntura eleitoral?
Uma questão associada é a da água. Com
a crise de abastecimento em São Paulo, com impactos possíveis no Rio, a
ficha caiu e começamos a ver que esta é uma questão séria. Mas quem
traz proposta para o debate nestas eleições? Parece até o contrário,
pois os candidatos tudo fazem para impedir que a questão da água – um
bem comum indispensável à vida, a qualquer forma de vida – seja
convertido em tema quente, já que eles nada fizeram e nada fazem.
Simplesmente esperam que volte a chuva e tudo fique normal. Aliás, esta é
atitude de absolutamente todos e todas que disputam eleições no tocante
à dramática perspectiva de mudança climática. Continuamos pensando que
moramos “…num país tropical, abençoado por Deus…”, uma exceção no
Planeta e que aqui não teremos os desastres anunciados de aquecimento
global. Acompanhando a campanha eleitoral, mesmo com a ambientalista
Marina disputando, o que se nota é uma declarada opção por disputar
formas de fazer mais e melhor do mesmo desenvolvimento destruidor da
natureza e gerador de desigualdades sociais.
Aqui entra o tema presente, mas escamoteado, do agronegócio.
Todos sabem que temos um modelo de agricultura insustentável, com uso
intensivo de venenos, transgênicos, contaminações e destruições de
biodiversidade, agricultura predadora do meio ambiente. Mas é um dos
itens principais na geração de excedentes comerciais nas nossas
transações internacionais. Será que vale a pena uma tal bomba? Não
estamos contaminando nossas próprias vidas? O silêncio na campanha
eleitoral sobre o tema é revelador do quanto a tal “governabilidade” é
estruturalmente dependente da “bancada ruralista”. Não é que os
ruralistas são muita gente, pelo contrário a estatisticamente pequena
classe de donos do agronegócio tem grande poder de financiar campanhas
eleitorais de subservientes a seus interesses. O agronegócio
modernizado, de algum modo, continua sendo “dono” do país do atraso.
Isto nos remete a um dos temas mais ausentes na campanha eleitoral: a refundação da própria política. Estamos
diante de mais uma eleição ignorando totalmente o difuso sentimento no
seio da sociedade civil brasileira, já majoritário, de descrédito na
política como ela é hoje. Questiona-se toda forma de representação, pela
usurpação do mandato delegado pelo voto e a tendência dos políticos de
se sentirem “donos” dos cargos a que foram eleitos. Na verdade, eles são
mais fiéis e devedores de seus financiadores de campanha do que da
cidadania que os elege, em última análise. Este foi o recado mais amplo
dado pela grande onda de mobilizações de junho de 2013. Será que não
está em questão o sentido mesmo da democracia? Como não destruir a
sofrida conquista de espaços democráticos? Como ampliá-los ao invés de
reduzi-los, como apontam e revelam as iniciativas parlamentares de
criminalização das manifestações e de oposição frontal à proposta de uma
política de participação social? Por que os e as disputantes de cargos e
mandatos não enfrentam tais questões? Afinal, o futuro da democracia no
Brasil depende de uma profunda refundação da política como bem comum,
sem “direitos garantidos” como nossos políticos eleitos se consideram.
Mas
é no mais prosaico para qualquer eleição – o como prover direitos
iguais de cidadania – que as contradições da conjuntura eleitoral se
revelam com radical intensidade. Os direitos mais básicos, como
transporte, saúde, educação, segurança, direito à diversidade e tantos
outros, até entram na campanha. Mas nunca como direitos e sim como
favores a serem garantidos pelo ou pela disputante de representação, se a
vencer. A campanha eleitoral da maioria dos deputados federais,
estaduais e senadores, mas também de quase a totalidade de governadores,
é sobre possíveis benefícios que sua vitória garantiria neste campo de
violações claras de direitos iguais para toda a cidadania.
Muito
mais poderia ser destacado aqui. Na campanha presidencial, por exemplo,
parece que não fazemos parte de um mundo interdependente.Temos
responsabilidade pelo que se passa no mundo, sem dúvida. Mas isto não
quer dizer que chegou a nossa vez de partilhar o poder de dominar o
mundo. Até parece que existe um consenso entre candidatas e candidatos
de que o Brasil tem o “direito a ter mais direitos” na geopolítica
mundial.Será este o Brasil que o mundo precisa? Por que não o contrário,
brasileiros e brasileiras construir um Brasil como força instituinte e
constituinte de um mundo solidário, sem imperialismos e nem guerras, com
igualdade na diversidade, lugar comum de todas e todos?
A gente
não pode desistir, mas está difícil discutir tais questões na confusa
conjuntura eleitoral comandada por uma lógica de “venda” de imagem de
boa mocinha ou bom mocinho, provedores de favores, ignorando direitos.