Livro mais recente de Márcio Pochmann sugere: conceito infeliz revela ou precipitação teórica, ou incapacidade de enxergar que precisamos de novas políticas públicas. |
O economista Marcio Pochmann, professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é o autor desse livro dedicado a analisar a suposta emergência de uma nova classe média no Brasil, a partir, principalmente, do sucesso das políticas de distribuição de renda implementadas no Brasil desde o governo Lula. Crítico da ideia da emergência de uma nova classe média, o hoje presidente da Fundação Perseu Abramo analisa em O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social (Boitempo Editorial) como, nos últimos anos, vem se difundindo mundo afora a ideia de uma “medianização” das sociedades, com o surgimento de novos setores médios da população.
Pochmann faz uma historiografia do conceito de classe média e reflete sobre a evolução e as mudanças pelas quais passou a classe assalariada brasileira. Essas mudanças, defende, apontam para o crescimento e o fortalecimento, não da classe média, mas sim da classe trabalhadora brasileira. O mito da grande classe média, uma noção heterogênea e não unívoca, sustenta o autor, está impregnado de ideologia e voluntarismo teórico. Para Pochmann, a ausência de uma análise das classes sociais em sua determinação concreta ou segundo as condições reais de sua base material redunda em “um voluntarismo teórico inconsistente com a realidade, salvo interesses específicos ou projetos políticos de redução do papel do Estado”.
A síntese de mais de dez anos de implantação dessas políticas passaria não pela emergência de uma nova classe média, mas sim pela ascensão e o fortalecimento de setores ligados à classe trabalhadora. Não se trata, para Pochmann, de uma mera diferença de nomenclatura, mas sim de uma visão ideológica a respeito da natureza dessas politicas e de seus resultados em termos de mobilidade social.
Em seu livro anterior Nova classe média?, Pochmann analisou as recentes transformações na sociedade brasileira e refutou a ideia de surgimento de uma nova classe no País, muito menos a de uma nova classe média. O resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de consumo, defendeu o autor, não tiram a maioria da população emergente da classe trabalhadora. Para Pochmann, é preciso realizar “a politização classista do fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura social, sem a qual a massa popular em emergência ganha um caráter predominantemente mercadológico, individualista e conformista sobre a natureza e a dinâmica das mudanças socioeconômicas no Brasil”.
A melhora dos indicadores na distribuição da renda do trabalho e de seu aumento na participação da riqueza gerada concentra-se, fundamentalmente, na base da pirâmide social, o que revela também os seus limites, observa ainda Pochmann. O economista aponta que no Brasil as ocupações formais cresceram fortemente durante a primeira década de 2000, especialmente nos setores que têm uma remuneração muito próxima ao salário mínimo: 94% das vagas criadas entre 2004 e 2010 foram de até 1,5 salário mínimo. A partir desses dados, ele conclui que, juntamente com as políticas de apoio às rendas na base da pirâmide social brasileira, como elevação do valor real do salário mínimo e massificação da transferência de renda, houve o fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho.
“O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais”, escreve Pochmann na apresentação do livro. A perspectiva fundamentalmente mercantil, baseada na ideia de uma nova classe média, aponta, segundo o autor, para o fortalecimento dos planos privados de saúde, educação, assistência e previdência, entre outros. Contra isso, defende, recoloca-se a necessidade de construir serviços públicos de qualidades e de uma efetiva estruturação do mercado de trabalho, com empregos de qualidade e protegidos no Brasil, medidas fundamentais para enfrentar a precariedade no setor.
Pochmann resume assim a sua posição acerca desse fenômeno e dos desafios políticos que ele coloca:
“Mesmo com o contido nível educacional e a limitada experiência profissional, as novas ocupações de serviços, absorvedoras de enormes massas humanas resgatadas da condição de pobreza, permitem inegável ascensão social, embora ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora. Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe média. Associam-se, sim, às características gerais das classes populares, que, por elevar o rendimento, ampliam imediatamente o padrão de consumo”.
“Não há, nesse sentido, qualquer novidade, pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que trabalhador não poupa, e sim gasta tudo o que ganha. Em grande medida, o segmento das classes populares em emergência apresenta-se despolitizado, individualista e aparentemente racional à medida que busca estabelecer a sociabilidade capitalista. (…) Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de bairros, das comunidades e base, dos partidos políticos, entre outros”.
Reside aí um dos desafios que o processo eleitoral de 2014 oferece: como enfrentar essa despolitização em um cenário marcado crescentemente por um discurso que é criminalizador da política?
*Texto de Marco Weissheimer.