27.5.14

Novo líder indiano tem biografia ligada ao hinduísmo radical e à violência comunal

Via Opera Mundi - 

Narendra Modi pertence a partido cuja origem deriva de grupo nacionalista de ultradireita, admirador confesso de Hitler. 
 
Os líderes históricos da RSS foram admiradores confessos de Hitler, pela sua noção de “raça pura”, e do Estado de Israel, pela “homogeneidade étnica” da sua cidadania.
Quarenta e sete anos atrás, Narendra Modi ajudava o pai a vender chá na estação de comboio de Vadnagar. O seu casamento, arranjado, durou apenas dois meses: um dia disse à esposa que ia a uma peregrinação ao Himalaia, quando ainda tinha 17 anos. Nunca voltou para casa. Depois de fortalecer a sua fé, decidiu dedicar-se à política para a glória maior do deus Ram e da sua pátria.

Modi tornar-se-á, em alguns dias, no 16º primeiro-ministro da Índia. O Bharatiya Janata Party (Partido do Povo da Índia, ou BJP, a sua sigla em hindu) superou o tradicional Partido do Congresso – controlado pelos herdeiros de Jawaharlal Nehru e primeira força política da Índia independente durante décadas – conseguindo a primeira maioria absoluta no parlamento nacional em 30 anos.

Hoje, com esse triunfo, insiste-se na importância da identidade, mas o certo é que os índices da bolsa estão em alta desde que a sua vitória foi confirmada na sexta-feira passada (16/05). A notícia aumentou também a inquietude em setores sociais progressistas ou de esquerda, que veem neste triunfo uma ameaça latente.

A feminista Urvashi Butalia, por exemplo, explica que nos principais eventos políticos do BJP nunca figuram mulheres. E é pior, afirma: “Quando mulheres foram violadas em Gujarat, ele  permaneceu em silêncio. Não expressou simpatia ou apoio em relação às campanhas contra a violação coletiva em 2012. Para quem aspira uma posição tão alta, era importante falar nestes momentos.” 

Godhra e a morte de um deputado 

Nas celebrações que aconteceram, Modi demonstrou a sua fé e amor pelo futuro da Índia. Isso aconteceu em frente ao rio Ganges, na cidade sagrada de Varanasi, visitando a sua mãe idosa.

Em Mangalore, na costa sudoeste, a marcha que ele presidiu reuniu dezenas de milhares de pessoas, incluindo militantes do seu partido que entraram numa mesquita atirando pedras e fogo-de-artifício, gritando aos fiéis que era hora de irem embora da Índia.

Algo semelhante aconteceu em 2002 em Gujarat, Estado que Modi governou por mais de 10 anos. Mas naquela ocasião, o horror foi ainda maior. Turbas de hindus, muitos dotados de instrução paramilitar, atacaram dezenas de bairros, mesquitas e comunidades muçulmanas na cidade de Godhra. Foi uma “reação” ao incêndio de um vagão de comboio cheio de peregrinos hindus, disseram Modi e os seus ministros estaduais, mesmo depois de saberem que o fogo tinha sido acidental. Morreram cerca de 1.100 pessoas.

Entre as vítimas, estava o ex-deputado do Congresso Eshan Jafri, assassinado a golpes em frente da casa e da família. Modi e o seu governo disseram, num comunicado oficial, que Jafri provocou a turba. O julgamento pelo massacre provou que, pelo contrário, que o político ligou para Modi pelo telemóvel para solicitar proteção policial e recebeu nada mais que declinações e insultos do então governador.

Esses factos, e o prestígio de Jafri como parlamentar, deixaram Modi sem visto para visitar a Europa e os Estados Unidos desde então. A Comunidade Europeia voltou a admiti-lo em janeiro. O governo de Obama não, mas como chefe de Estado reconhecerão seu estatuto diplomático, vão outorgar-lhe o visto e já anunciaram que esperam a nova experiência de negociar com Modi no poder em Deli.

Em fevereiro de 2013, Modi explicou a sua participação nesse massacre, dizendo que era como viajar no lugar de trás de um carro e ver como o motorista atropelava um cachorrinho. “O que eu poderia fazer?” disse, sorrindo em frente aos microfones. O Tribunal Supremo de Justiça absolveu-o da responsabilidade há dois meses. 

Os filhos da serpente 

Esta direita não é novidade na Índia. Tem a sua origem moderna na criação em 1925 da Rashtriya Swayamsevak Sangh (Organização Nacional de Voluntariado, ou RSS), em Maharashtra, na época em que o fascismo e o sionismo germinavam na Europa. Não por acaso, os líderes históricos da RSS foram admiradores confessos de Hitler, pela sua noção de “raça pura”, e do Estado de Israel, pela “homogeneidade étnica” da sua cidadania.

A RSS tem sido, desde então, uma mescla efetiva de organização paramilitar com assistencialismo: o mesmo para ajudar em desastres naturais e para promover linchamentos e violações ou, como em 1992, na mesquita Babri Masjid, demolições e apropriação de terras em poder de muçulmanos.

Todos os líderes do BJP pertenceram à RSS. De facto, fundaram o partido inspirados pela organização, que sempre considerou a Índia um território de hindus onde, por tolerância, há muçulmanos e, às vezes, cristãos.
No seu código de valores, a RSS considera imorais o concubinato e a homossexualidade. Sem esquecer que as militantes aconselham as mulheres que apanharam, como mostrou uma reportagem de Neha Dixit no ano passado, tomar conta do humor do marido e “procurar não irritá-lo”.

Modi e o seu ex-ministro do Interior em Gujarat Amit Shah conheceram-se militando na RSS. Shah, principal artífice do triunfo de Modi, disse há duas semanas que todos os que se oponham a Modi terão de se mudar para o Paquistão quando ele assumir o poder.

No domingo (18/05), enquanto Modi começava os trabalhos para formar o seu gabinete, a RSS anunciou que não participará do exercício e nem interferirá no novo governo. Mas isso, segundo o ativista político Xavier Diaz, não importa muito. O primeiro-ministro da Índia já tem sangue nas suas mãos: “As listras de um tigre mudarão? Duvido”, afirmou. 

Nuvens sobre a sociedade 

O semanário EPW (Economical & Political Weekly), voz pública da esquerda hindu, explicou essa sexta-feira num editorial que as eleições de 2014 deixaram, talvez, uma mensagem: a Índia está a mudar. “Está-se a transformar numa sociedade onde os que têm voz são cada vez menos tolerantes, menos compassivos e mais agressivos com os que não a tem.”

De facto, explica Diaz, “a opressão das minorias religiosas e étnicas será mais sofisticada”. Não tão vulgar, conclui, como em Godhra. “Mas, inclusive se for, os meios de comunicação vão minimizar o problema.”

São muitas as vozes nas redes sociais que, como Diaz, expressam a sua preocupação com o que vem pela frente. Sobretudo em territórios indígenas ricos em minerais e bosques. Os compromissos políticos (e económicos) de Modi com grupos industriais como Tata, Advani e Ambani  – que o financiaram generosamente – vão se transformar num assalto à riqueza natural.

Diaz acredita que “o governo entregará mais dinheiro aos adivasis (indígenas) para torná-los servos da economia do dinheiro, fazendo com que eles abandonem as suas terras e a sua agricultura e sejam reduzidos a proletários. Ou seja, é genocídio com etnocídio.”

Nesse país, o mais etnicamente diverso do planeta, estas políticas podem ser complicadas. Diaz espera resistências indígenas e muitas lutas para preservar territórios e formas de vida. Modi prometeu que a Índia será a superpotência do século XXI, haverá progresso e, acima de tudo, trabalho para todo mundo.