27.5.14

Congresso ameaça direitos da criança, diz ONG

Via Congresso em Foco -

Levantamento feito pela Fundação Abrinq mostra que 3% das propostas do Parlamento se referem a crianças e adolescentes. Muitas delas pretendem reduzir seus direitos, com visão simplista e imediatista, avalia ONG. 

ONG: parlamentares repetem projetos já aprovados e ignoram temas que ainda precisam de amparo legal.
Em vez de avançar, o Congresso Nacional tem retrocedido nas discussões sobre a infância e a adolescência, priorizando temas polêmicos como a redução da maioridade penal e da idade mínima para o trabalho. A avaliação é da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, representante no Brasil da organização Save the Children. A entidade analisou recentemente as proposições apresentadas pelos parlamentares brasileiros sobre o assunto e chegou à conclusão de que muitas delas resultam de uma visão simplista e imediatista dos legisladores a respeito de questões complexas, como a violência, e tendem a extinguir direitos já conquistados.

De acordo com levantamento feito pela fundação, de cada 100 propostas apresentadas pelos congressistas desde 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição, três se referem à  infância e à adolescência. Boa parte delas se repete. O problema é que muitas dessas iniciativas são para reduzir os direitos e não para implementar os que já estão previstos na legislação em vigor e nem para ampliá-los.

Se as medidas forem aprovadas, o Brasil viverá um retrocesso, avalia Heloísa Helena Oliveira, administradora-executiva da organização não governamental (ONG). Alguns temas geram comoção popular e os legisladores tentam solucionar as questões criando projetos de lei a partir de visão estreita de direitos humanos e não observando o contexto em que os problemas estão inseridos. Em outros casos, é necessário um debate mais aprofundado junto à sociedade civil”, observa.

Heloísa aponta a falta de uma “visão sistêmica” da regulamentação da legislação existente sobre a infância e a adolescência. “Há o artigo 211 da Constituição Federal, que trata da cooperação dos entes federados no tocante à educação. Mas, na prática, não existe tal regulamentação. Há muitas propostas com uma visão equivocada para alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Em outros casos, faltam políticas públicas para executar o que já está previsto na legislação”, critica. 

Desnecessários 

De acordo com a fundação, que lançou no início deste mês um levantamento intitulado “Caderno Legislativo da Criança e do Adolescente”, a Constituição e o ECA são suficientes e não há necessidade de tantas alterações na legislação. “Em tese, o conteúdo da Constituição e do ECA nos atende, não havendo necessidade de alterar tanto os instrumentos legais. Mas é preciso a implementação de políticas públicas para que eles sejam uma realidade. Os dados mostram que, na verdade, alguns parlamentares no Congresso têm a infância e a adolescência em suas agendas. Contudo, seria mais profícuo que tanto a Câmara quanto o Senado se envolvessem mais e dialogassem mais com a sociedade civil a fim de saber o que, de fato, é preciso alterar ou criar em termos de leis referentes à infância e à adolescência”.

Das 3.909 proposições legislativas apresentadas em 2013 – 2.973 na Câmara e 936 no Senado, 237 (6%) dizem respeito diretamente à infância e à adolescência, segundo a primeira edição do “Caderno Legislativo da Criança e do Adolescente”. No levantamento, a instituição considerou apenas as propostas regulamentadoras (projetos de lei, projetos de decreto legislativo, projetos de resolução e propostas de emenda à Constituição). 

Veja a íntegra do levantamento 

Foram monitoradas proposições referentes à infância e à adolescência em tramitação no Congresso desde outubro de 1988, marco da entrada em vigor da Constituição Federal. Até 31 de dezembro do ano passado, elas somavam 711. A quantidade corresponde a 2,9% de todas as iniciativas, pois, no período, segundo o levantamento, 24.495 propostas apresentadas no total ainda estavam andamento, sendo 20.594 na Câmara e 3.901 no Senado.

Das 711, 389 se referem à proteção (adoção, adolescentes autores de atos  infracionais, castigos corporais e humilhantes, conselhos tutelares, estatuto do nascituro, exploração sexual, primeira infância, trabalho infantil); 224 foram enquadradas na área de educação (alterações na lei de diretrizes e bases, direitos sociais, financiamento); 78 dizem respeito à saúde (assistência maternal e recém nascido, direitos sociais, assistência à saúde e recursos); e 20 foram listadas no eixo denominado “emergência” (financiamento, prevenção e planejamento).

“A redução da idade para o trabalho, por exemplo, afetaria principalmente os adolescentes de renda mais baixa, afastando-os do processo de formação educação e profissional. E, além dessa, todas as proposições que criminalizam os adolescentes que visam reduzir a maioridade penal ou aumentar o tempo de internação são nocivas ou retroagem em direitos já conquistados. Vamos propor aos candidatos [nas eleições de outubro] que adotem uma perspectiva de garantia de direitos na atuação parlamentar”, diz Heloísa.

A fundação observou que os parlamentares muitas vezes reeditam projetos antigos e recriam objetos ou situações já contemplados em leis mais recentes. E, por outro lado, há temas que precisam urgentemente de amparo legal e que ainda não foram formulados pelos parlamentares, segundo a entidade, como a criação de um sistema único de cadastro sobre pessoas desaparecidas, incluindo a identificação do grupo de crianças e adolescentes, proposições voltadas à proteção da juventude negra e erradicação da mortalidade materna. 

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