HELIO
FERNANDES –
Como afirmei no sábado, lamento discordar do jurista
Ives Gandra Martins e do cientista político Claudio Gonçalves Couto. Eles
pretenderam interpretar os diversos sistemas de governo, nada contra. Mas
tentaram tirar conclusões, inteiramente distantes da realidade. E deixaram de
fora, sem analisar ou concluir, precisamente o que vigora no Brasil: o
presidencialismo-pluripartidário, responsável por todas as contradições dessa
República inútil de 125 anos.
Os dois notáveis intelectuais cometeram erros graves, e
sem salvação. Gandra dá valor extraordinário ao parlamentarismo, e chega a
dizer, textualmente: “O presidencialismo é regime de irresponsabilidade a prazo
certo”, esquecido dos 226 anos do que acontece nos EUA. E em contraposição,
exalta e enaltece o parlamentarismo, um regime ou sistema que pode dar certo,
dependendo dos personagens e das circunstancias.
Afirma, com ênfase, que Margaret Thatcher ficou 11 anos
no governo, sendo “afastada quando pretendeu aumentar a tributação”. Bem longe
disso. Dona Thatcher foi impedida de disputar mais uma reeleição, os líderes do
Partido Conservador achavam que ela não ganharia, foi destituída “numa reunião
interna, sem a presença dela”. Isso acontece muito no parlamentarismo, o povo
não sabe de nada.
O
fim da eleição ininterrupta, nos EUA
Essa emenda número 24 de 1952, foi verdadeiro
aperfeiçoamento do sistema. E Gandra que chama o presidencialismo de irresponsabilidade
a prazo certo, devia aplaudir a redução da atividade política do presidente,
depois de oito anos. Obama, para o bem ou para o mal, foi presidente vindo em
linha reta dessa decisão.
Apesar de não ter estudado e refletido sobre o sistema
falsamente presidencialista no Brasil, joga sobre ele a responsabilidade dos
golpes de 30, 45 e 64. Esqueceu da própria República, (o golpe dos dois
marechais contra os “propagandistas da República”) e o de 1934, constituinte
que deveria marcar a eleição do primeiro presidente direto. E que na verdade
implantou o “pré-Estado Novo”, ditadura tão cruel, selvagem e torturadora
quanto à de 1964.
O
parlamentarismo da Europa
Esse continente viveu sempre em hostilidade, na busca
da bipolaridade. Inglaterra e França, Alemanha-Inglaterra, às vezes a Itália
com um dos outros. Até a chamada primeira guerra, um simulacro ou teste para a
segunda Guerra mundial, essa rigorosamente verdadeira, com 60 milhões de
mortos. E toda a Europa dominada pelo parlamentarismo, incerto, às vezes com
eleições diretas, mas quase sempre indiretas.
“Sou
parlamentarista, desde os bancos acadêmicos”
É um direito seu, mas por convicção pessoal não pode
defender eleição indireta, com o cidadão afastado de tudo. Ou obrigado a
referendar o que alguns poucos decidem, resolvem ou transformam em forma de
governo.
A
Europa inteira naufragou com o parlamentarismo indireto
Outro notável, Gonçalves Couto, defende eleições
diretas num presidencialismo altamente confuso, como deixa entrever num
arrazoado tumultuado, complicado e pessimamente explicado. E também incorre no
equívoco de chamar a eleição DIRETÍSSIMA dos EUA, em INDIRETAS. Incrível.
Defende o presidencialismo mas não diz qual, não dando
uma linha sobre o disparatado, desqualificado e jamais consolidado sistema do
Brasil, o presidencialismo pluripartidário.
O
parlamentarismo indireto, passa a direto
Terminada a Segunda Guerra mundial, a França,
destroçada e completamente falida, foi ao retiro de De Gaulle em Colombey,
convidá-lo “para salvar a França”. Aceitou, exigiu a eleição direta para
presidente, foi eleito, pena que tenha renunciado em 1969, no segundo ano do
segundo mandato. Mas a eleição direta ficou até hoje.
Pompidou, D’estaing, Mitterrand, duas vezes, na véspera
da terceira veio o câncer, esse é invencível. Mitterrand tinha a vantagem de
ser Socialista verdadeiro, horror aos comunistas. Em 14 anos de presidente não
foi a Moscou, não convidou nenhum comunista para conversar com ele. Iam, eram
recebidos pelo Primeiro Ministro nomeado por ele.
Segundo
turno e Medida Provisória invenções de De Gaulle
Na primeira eleição direta para presidente, De Gaulle
implantou o segundo turno, que lá foi chamado de Ballotage. Aqui só passou a
existir a partir de 1972. A medida provisória também invenção de De Gaulle. Mas
para acelerar o processo legislativo.
O presidente mandava a medida para o Congresso, sua
votação tinha prioridade. Mas precisava ser votada em 30 dias. Aí, valia o
resultado da votação. Aprovada se transformava em lei, rejeitada, era
arquivada. E o presidente não podia mandar outra igual.
O
presidencialismo-pluripartidário, sepulcro caiado do sistema político
Os militares sempre dominaram o Brasil. Dentro ou fora
do governo, perto ou longe do Poder. A maior curiosidade: os dois marechais,
que como coronéis vieram brigados da estranha Guerra do Paraguai, fizeram as
pazes na escuridão da madrugada de 15 de novembro. E tudo foi realizado de
forma indireta, para afastar os civis.
“Chefes
do governo provisório”
Deodoro assumiu naquela noite mesmo, sem eleição.
Floriano foi feito vice e Ministro da Guerra, quem tinha a força militar era
ele. Convocaram a constituinte em eleição direta, mas só podiam eleger
presidente e vice, de forma indireta. E como Deodoro e Floriano, estavam nos
cargos, foram efetivados. Deodoro com aplausos raros, Floriano consagrado, com
a constituinte toda de pé. Ninguém tinha dúvida sobre o que aconteceria. E
aconteceu.
41
anos de um partido só, o Republicano, sem povo e sem voto
Em 1910, Rui Barbosa, candidato a presidente, foi a
primeira grande vítima dessa República sem republicanos. Teve que enfrentar o
Ministro da Guerra de Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, depois herói nacional,
que morreria em 1923, no mesmo mês e ano do próprio Rui.
O grande jurista, fez a famosa “campanha civilista”,
que traumatizou o país, apesar da precariedade dos meios de comunicação. Se
fosse hoje, Rui teria sido o primeiro e único presidente estadista do país. Ele
mesmo dizia, “combato as três forças mais poderosas do Brasil. O Exército, a
Igreja e o Partido único”.
O
golpe de 30, chamado de revolução
Rui ainda foi candidato mais uma vez, em 1918, contra
Epitácio Pessoa, que nem estava no Brasil. Rui completara 70 anos, exausto, sem
recursos, percorrendo o país, quase a pé, movido apenas pela convicção. E o
país continuava com o Partido Único, o Republicano.
Em 1930, depois de derrotado pelo governador de São
Paulo, Julio Prestes, Vargas aproveitou o assassinato de João Pessoa,
(governador da Paraíba, sobrinho de Epitácio), tomou o governo. E novamente
como Chefe do governo Provisório. (O assassinato de João Pessoa, numa
confeitaria do Recife, nenhuma motivação política).
Como
sempre, Vargas traiu o povo
A constituinte de 1932, devia promulgar a Constituição,
(o Brasil não tinha nenhuma) e marcar a primeira eleição direta para
presidente, em 60 dias. Vargas aumentou a constituinte com os “pelegos
trabalhistas” e os “pelegos patronais”, conseguiu se eleger indiretamente. Jogando
a eleição direta para quatro anos depois, em 3 de outubro de 1938.
O
“Estado Novo”, e outra ditadura
Lógico, o país não chegou a esse outubro forjado. Em 10
de novembro de 1937, Vargas implantou uma ditadura tão cruel e selvagem, quanto
a que surgiria mais tarde, em 1964. Como se houvesse ditadura realizadora e
“boazinha”.
O
fim do “Estado Novo”, o começo do pluripartidarismo
Vargas, os Ministros, governadores, assessores,
inocentados. Não houve cassação nem inelegibilidade, todos foram candidatos. O
Marechal Dutra, que como Ministro da Guerra garantiu Vargas durante oito anos,
ficou no seu lugar.
Numa ditadura, o Ministro da Guerra garante o
presidente, mas obrigatoriamente é o seu substituto. Isso não falha, não
falhou. E depois de Dutra, quem voltou ao Poder? Getúlio Vargas.
Vargas
não devia ter voltado ao Poder
Desgastado, já com 67 anos, naquela época muita coisa,
se candidatou e ganhou. Mas a posse e os tempos até 1954, históricos no pior
sentido. Para tomar posse teve que enfrentar a fúria de Lacerda-Golbery. E para
chegar ao Catete, precisou ir buscar Estillac Leal que estava presidindo o
Clube Militar. Aí chegou ao governo, Lacerda e Golbery saíram de cena. Só que
Vargas mal completou dois anos de Poder.
De
1954 a 1964, 10 anos de conspiração
Foram tempos tormentosos. Ninguém se aguentava, o único
que terminou o mandato foi Juscelino. Cumprindo o mandato, passou a presidência
a Jânio, lançou oficialmente sua candidatura a novo mandato em 1965. Mas o
presidencialismo-pluripartidário não permitia nenhuma forma de consolidação.
Venho a nova ditadura, mais 21 anos perdidos, quero
examinar apenas os regimes tidos e havidos como democráticos. Estávamos então
em pleno ocaso e ostracismo do pluripartidarismo.
Com
32 partidos e 39 ministros, ninguém governa
Inventaram o jogo de palavras chamado de “transição
democrática”, que não era nem é transição nem democrático. Com esse regime partidário,
ninguém pode governar ou até mesmo ser chamado de presidente. O presidente,
seja quem for, se elege. Dos 513 deputados, apenas digamos 80 são eleitos junto
com ele. Como precisa de no mínimo 257 votos para aprovar qualquer coisa, tem
que negociar, ou melhor, comprar os votos necessários.
A
reeleição presidencial
FHC comprou o segundo mandato, Lula quis o terceiro,
Dona Dilma se movimenta para que não haja segundo turno. Os adversários
pretendem apenas esse segundo turno.
E então a corrida ao Poder se faz através de
negociações, perdão, negociatas. E qualquer um que seja convidado para compor o
governo, logo, logo é “descoberto” com espantosas irregularidades.
PS –
Na esteira desse presidencialismo-pluripartidário, uma porção de fatos que
precisam ser modificados ou eliminados.
PS2 –
Mas como o Congresso é que tem que executar as reformas, e eles mesmos serão
atingidos, nada se muda nem se transforma.
PS3
–
Até chegarmos à nova ditadura.