23.1.14

TRANSAÇÕES ENTRE PETROBRAS, WHITE MARTINS E EMPRESAS DO MESMO GRUPO SERÃO INVESTIGADAS PELO CADE

DANIEL MAZOLA -

Os membros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foram formalmente acionados a investigar detalhes comerciais e fiscais das transações de gases entre a Petrobras, White Martins, Gemini (ou GasLocal) e demais empresas que façam parte do mesmo grupo, sob risco de concorrência desleal no mercado interno. A Receita Federal também pode ser forçada a fazer a mesma investigação para apurar se ocorre repasse de produtos a preços subfaturados entre as empresas, lesando o fisco e ameaçando a livre concorrência.

O caso mexe com a Comgas que denunciou a GasLocal ao Cade. Desdobramentos da briga preocupam Dona Dilma Rousseff, o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, além de Guido Mantega (ministro da Fazenda e presidente do Conselho de Administração da Petrobras). O conflito também chama atenção de investidores da Petrobras – que pretendem invocar o Acordo Brasil-EUA de combate à formação de cartéis. O Cade e a Receita têm indícios para investigar Petrobras, White Martins e coligadas a partir de uma carta-denúncia escrita pelo engenheiro João Batista Pereira Vinhosa, especialista no comércio de gases.

Em documento enviado segunda-feira aos conselheiros do Cade, Vinhosa recomenda que se faça uma apuração para verificar se estão compatíveis ou não os preços do energético Gás Natural Liqueifeito (GNL) cobrados dos clientes pela Gemini. Vinhosa pede ao Cade que verifique se tais preços estejam colaborando para ampliar a liderança de mercado da White Martins, tanto na produção de cilindros como na produção de gases.

Vinhosa chama atenção para transações da empresa Gemini  - joint venture da White Martins (60%) com a Petrobras (40%) que  usa a marca de fantasia GasLocal – com a Cilbras (fábrica de cilindros de aço) e a WM Osasco (usina de produção de gases) - duas empresas que pertencem à White Martins. Vinhosa também pede que o Cade analise os detalhes da relação comercial entre a Gemini e a Transpetro – subsidiária da Petrobras. Segundo o engenheiro, mesmo tratamento deve ser dado à parceria com o complexo Gastech, sediado em Londrina (PR).

João Vinhosa destaca que o Complexo Gastech (parceria entre a Gastech, a White Martins e a GasLocal (joint-ventura entre a WM e a Petrobras) veicula notícias na imprensa, propagandeando que pretende ser referência a abastecer toda a região do Norte do Paraná e algumas cidades do Oeste de São Paulo. Após inauguração do posto de gás natural (GNV), em Londrina, o Complexo Gastech pretende abrir pontos de distribuição em Maringá e Mauá da Serra. O Complexo, formado pela White Martins, GasLocal e Gastech, também deve chegar até Apucarana. A implantação do projeto está orçada em R$ 20 milhões.

Vinhosa revela outro negócio em que pode ocorrer o mesmo problema de risco à concorrência, no Triângulo Mineiro. A região de Uberaba deverá receber, nos próximos anos, uma planta de fertilizantes da Petrobras. Um complexo industrial químico da Fosfertil também é planejado para o município de Patrocínio. Mas, enquanto os dois projetos não saem do papel, a região poderá ser abastecida via GNL.

Sobre as operações que o Cade agora investiga, o engenheiro Vinhosa faz uma ironia com o nome de uma operação que ficou famosa na década de 80, chamada de “Zé com Zé”, na qual o investidor Naji Nahas derrubava as cotações na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. “Era uma operação em que, de comum acordo, um comprador e um vendedor fecham negócio em que uma parte fica com o lucro e a outra com o prejuízo. O fato de a sociedade Petrobras/White Martins vender seu único produto, o GNL, tanto para empresas pertencentes à Petrobras como para empresas controladas pela White Martins nos permite concluir que não nos encontramos diante de um simples Zé com Zé, e sim diante de um Zé com Zé & Mané, com prováveis perdas para o fisco”.

Na opinião do Engenheiro Vinhosa existe uma chance de se minorar o problema de manipulação do preço ao consumidor do GNL. O Cade deveria determinar que, nos documentos de venda do GNL, conste, de forma discriminada, o valor do produto e o valor do frete. Assim, qualquer manobra lesiva à concorrência ou ao fisco fica dificultada, com informação transparente para qualquer auditoria.

Leia o documento do Engenheiro João Vinhosa: 

Carta aos Conselheiros do Cade

Empresas pertencentes à White Martins se encontram entre as principais clientes da Gemini – sociedade da qual a mesma White Martins é a sócia majoritária, com 60% das quotas.

Conforme consta do site www.gaslocal.com.br, duas dessas empresas se destacam.

Uma é a WM Osasco, que é uma usina de produção de gases industriais (oxigênio, nitrogênio, gás natural, etc.).

A outra empresa é a Cilbras, a maior fabricante de cilindros para acondicionamento de gases industriais existente no país.

Torna-se importante notar que o valor gasto com energia chega a participar com setenta por cento no preço de custo de produção de gases industriais.

Por outro lado, no processo judicial movido pela Gemini contra a determinação do CADE que proibia o sigilo no preço do gás natural a ela repassado pela Petrobras, o Juiz Paulo Ricardo de Souza Cruz, da 20ª Vara da Justiça Federal em Brasília, foi categórico ao indeferir a liminar requerida pela Gemini contra o CADE.  

Em sua decisão, o Juiz afirmou enfaticamente que “conhecendo a forma como é feita a remuneração dos integrantes do CONSÓRCIO GEMINI, os concorrentes poderão fiscalizar a atuação da PETROBRAS, saber, dia a dia, se a PETROBRAS está ‘jogando limpo’, ou está tentando beneficiar o consórcio de que é parte”.

Considerando a interpretação acima reproduzida, lícito torna-se questionar se a White Martins está ‘jogando limpo’, ou está tentando beneficiar suas empresas, a elas repassando o Gás Natural Liquefeito (GNL) a preços favorecidos.

É de se apurar se os preços do GNL cobrados de citadas empresas estão compatíveis, ou estão colaborando para ampliar a liderança de mercado da White Martins, tanto na produção de cilindros como na produção dos gases acima citados.

A pergunta que se faz é: Como poderá haver livre concorrência, se um dos fabricantes recebe insumo tão importante a preços privilegiados?
A propósito, baseado em denúncia feita pela Comgás, em reunião realizada em 4 de dezembro de 2013, o CADE determinou abertura de processo administrativo para investigar abuso de posição dominante por parte do Consórcio Gemini.

Além de determinar a abertura do processo administrativo, o CADE revisará a decisão por ele tomada ao aprovar o ato de concentração que permitiu a constituição da sociedade Gemini.

Evidentemente, ao ser analisado o preço que a Cilbras está pagando pelo GNL à Gemini, terá que se considerar o alto custo do frete da usina de liquefação, situada em Paulínia (SP), até Barra Mansa (RJ) – um percurso de aproximadamente 300 km.

Sobre o mesmo aspecto – comercialização de GNL em regiões distantes da unidade de liquefação (Brasília e Goiânia, por exemplo, se encontram a cerca de 900 km de Paulínia) – a questão a seguir apresentada é fundamental para determinar a existência de subsídio na comercialização do produto.

Considerando o elevado custo do frete rodoviário até essas distantes cidades, como praticar um preço ao consumidor do GNL mais vantajoso que o preço do energético que o GNL veio a substituir?  

Aproveitando a oportunidade, para um melhor entendimento da situação, considero importante recordar os fatos abaixo enumerados.

1 – A autorização do CADE para a constituição da Gemini foi dada sobre forte pressão. Enquanto o processo ainda estava sendo analisado, uma intensa propaganda foi feita na imprensa, criando, matreiramente, uma situação de “fato consumado”.

2 – O risco de a constituição da Gemini (que entrou em operação em 2006) matar a concorrência no setor foi confirmado. Como era previsível, nenhuma outra empresa ousou competir com o grande polvo formado pela monopolista da matéria prima (Gás Natural) – Petrobras – com a líder do mercado nacional de produção e comercialização de gases industriais – White Martins.

3 – Enquanto tramitava no CADE o Ato de Concentração para a constituição da Gemini, tramitava no âmbito da Secretaria de Direito Econômico (SDE) o tumultuado Processo Administrativo no qual a sócia majoritária da Gemini era investigada por formação de cartel. É de se destacar que, posteriormente, ao aplicar a multa de R$ 2,3 bilhões à White Martins, o plenário do CADE, por unanimidade, levou em consideração não só a gravidade da infração (que incluía fraudar o caráter competitivo de licitações para superfaturar contra nossos combalidos hospitais públicos) como também o fato de a empresa ser reincidente na prática de infrações contra a ordem econômica.

Senhores Conselheiros, finalizando, em defesa dos consumidores, permito-me alertar: devido às características do mercado em que atua a sócia majoritária da Gemini, ao revisar a decisão que aprovou o ato de concentração em questão, alguns aspectos que atentam contra a livre concorrência (como, por exemplo, “subsídios cruzados”, “vendas casadas”, etc.) merecem uma especial atenção.