9.1.14

DECAPITAÇÕES, BARBÁRIE, EVIDENCIAM O CAOS NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS

DANIEL MAZOLA -
Uma área que deveria ser controlada por agentes penitenciários é dominada por presos de facções criminosas, que possuem telefones celulares de última geração e até armas. Servidores que deveriam impedir que irregularidades ocorressem se abstêm e, em alguns casos, são facilmente corrompidos. Tudo isso é o que vem acontecendo no complexo penitenciário de Pedrinhas, o maior do Maranhão (no Nordeste do Brasil), mas poderia muito bem ilustrar o que ocorre na imensa maioria dos 1.478 presídios do país.
No período de um ano, 62 detentos morreram naquele Estado. Alguns foram esfaqueados e depois decapitados. Nesta terça-feira, um grande jornal paulistano publicou um vídeo que mostra três corpos sem cabeça dentro da maior prisão maranhense.
Nem tudo o que acontece no Maranhão hoje é uma novidade no Brasil. O mesmo complexo penitenciário de Pedrinhas já enfrentou uma rebelião em 2010 na qual ficou evidente a situação. Uma inspeção do Conselho Nacional de Justiça de 2011 fez o alerta do que poderia ocorrer no Estado.
No fim do ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pediu uma solução para acabar com os problemas de superlotação, maus tratos e insalubridade em Pedrinhas e no presídio central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde 4.591 detentos ocupam espaço destinado a 1.984 pessoas.
Voltando alguns anos, houve ainda os casos caóticos em ao menos outros quatro Estados. No Espírito Santo, em 2009, ONGs constataram que presos tinham seus corpos retaliados e jogados em carrinhos usados para carregar roupas sujas. São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul enfrentaram uma série de rebeliões que resultaram em assassinatos assim como decapitações em 2006. Naquela ocasião, o caos se estendeu para as ruas com uma série de atentados contra forças de segurança.
Expansão externa, aliás, que voltou a ocorrer em São Luís, a capital do Maranhão, no fim de semana, quando criminosos que receberam ordens de líderes de facções que estão presos para que atirassem contra delegacias e incendiassem ônibus. As ações provocaram a morte de uma menina de seis anos de idade e feriram outras quatro pessoas.
“O que acontece no Maranhão infelizmente retrata uma realidade dos presídios de todos os Estados brasileiros. Quem manda nos presídios são os presos. Os governos não têm políticas públicas para as penitenciárias nem estrutura para controlar esses detentos”, afirmou o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, que por dois anos inspecionou presídios de 11 Estados do país enquanto atuava no Conselho Nacional de Justiça.
Para esse magistrado, a situação poderia ser mais caótica, já que em nenhuma prisão os detentos têm seus direitos humanos respeitados. “De uma maneira geral, a maioria dos presos até são pacíficos demais. Imagina uma pessoa ter que se revezar para dormir, ficar dias e dias sem tomar banho, sem ter direito de ver o sol, ter de dividir com outras 300 pessoas uma cela que tem capacidade para 36 e tem apenas um banheiro. Isso tudo é revoltante. Eles [os presos] acabam criando códigos de conduta para poder sobreviver e, quando essa conduta não é respeitada, começam as brigas que acabam em mortes”, analisou.
Essa série de condutas, segundo especialistas, acabam por impulsionar a criação de facões criminosas que agem dentro e fora das penitenciárias. A doutora em sociologia Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e uma das maiores estudiosas do assunto no Brasil, avalia que os governos estaduais abdicaram do controle das penitenciárias.
“Na medida em que um Estado se preocupa em prender, mas não em garantir o mínimo de condição de vida do preso, ele abre mão do controle e abre o caminho para a formação de facções criminosas”, disse Nunes Dias.
Para essa especialista, no Maranhão, a falta de controle chegou a ser exacerbada, o que resultou na série de mortes e de irregularidades que incluem o estupro de mulheres e irmãs de presos além da agressão aos doentes mentais.

Intervenção federal

Coordenadora da ONG Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Josiane Gamba diz que três fatores influenciaram na crise pela qual passa seu Estado: a superlotação carcerária, a briga de facções pelo comando das prisões e um quadro de funcionários corruptos. “Não faltam acusações contra esses servidores e pouco tem sido feito nos últimos anos”, afirmou.
Além disso, há também a falta de investimento por parte do governo estadual. No ano passado, a gestão da governadora Roseana Sarney teve de abrir mão de uma verba de aproximadamente 20 milhões de reais oferecida pelo governo federal porque não se adequou ao projeto que previa construir cinco novos complexos penitenciários pelo Estado, o que ajudaria a reduzir consideravelmente a superpopulação carcerária do Estado. Hoje, no Maranhão, há 5.400 detentos para 2.200 vagas.
Diante de todo esse cenário e após avaliar relatórios Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça, que concluíram que o Maranhão é incapaz de controlar suas cadeias, três ONGs pediram que o governo federal faça uma intervenção no Estado.
O pedido, assinado pela Conectas Direitos Humanos, pela Justiça Global e pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos começou a ser avaliado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nesta terça-feira.
A decisão dele deve levar em conta as questões técnicas e jurídicas, mas terá um peso político enorme. Isso porque a governadora Roseana Sarney é filha do senador José Sarney, ambos do PMDB e aliados de primeira hora da presidenta Dilma Rousseff (PT). A política, tão criticada pelos especialistas, está de novo em primeiro plano.
Mídia internacional dá destaque à crise no Maranhão
A crise no sistema carcerário do Maranhão gerou uma repercussão negativa na imprensa estrangeira. Em veículos dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Espanha e Argentina, a situação é considerada desumana. A crise carcerária, intensificada nas últimas semanas, teve início no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, de onde líderes de facções têm ordenado estupros e incêndios a ônibus.
A rede britânica BBC ouviu especialistas em segurança. De acordo com eles, as medidas tomadas pelas autoridades brasileiras em relação à crise – como a transferência de detentos e o controle das unidades pela Polícia Militar (PM) – são paliativas. No material da BBC, é sugerida a possibilidade da construção de presídios menores para que haja a separação de facções em diferentes unidades.
A BBC menciona ainda a preocupação manifestada nesta terça-feira, 7 de janeiro, pela Anistia Internacional sobre os problemas no sistema penitenciário do estado e a medida cautelar decretada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em dezembro de 2013, sobre a superlotação dos presídios maranhenses.
O canal norte-americano CNN cita um caso denunciado pelo juiz brasileiro Douglas Martins que visitou Pedrinhas e documentou a violência contra mulheres. Segundo o juiz, elas são obrigadas a ter relações sexuais com líderes de facções criminosas no interior do presídio.
No jornal espanhol El País diz que, apesar de o caso ser no Maranhão, o problema ilustra “o que ocorre na imensa maioria dos 1.478 presídios do país”. Na página do jornal argentino Clarín, uma matéria menciona avaliação de 2011 do CNJ sobre o Complexo de Pedrinhas e a negociação com detentos na distribuição dos presos por pavilhões.
ONU pede ação imediata
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu nesta quarta-feira, 8 de janeiro, que as autoridades brasileiras tomem ações imediatas para restabelecer a ordem no Complexo Penitenciário de Pedrinhas.
De acordo com o órgão, é lamentável ter de expressar preocupação com o “terrível” estado das prisões no Brasil. Em nota, o Alto Comissariado recomenda a redução da superlotação dos presídios brasileiros – não só no Maranhão – e o provimento de condições dignas aos detentos.
“Pedimos que as autoridades brasileiras conduzam investigações imediatas, imparciais e efetivas sobre esses eventos, processem os responsáveis e tomem as medidas apropriadas para colocar em vigor o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura promulgado no ano passado”, declarou o Alto Comissariado, sobre as mortes no presídio maranhense.
Em meio à crise na segurança pública Governo do Maranhão licita 80 kg de lagosta e 1,5 tonelada de camarão
Em meio ao caos nos presídios e o colapso da segurança pública no Maranhão, está marcado para esta quinta-feira, 9, o primeiro pregão do ano para escolher as empresas que abastecerão as geladeiras do governo do Estado comandado por Roseana Sarney (PMDB). Dentre as iguarias solicitadas, estão 80 quilos de lagosta fresca, uma tonelada e meia de camarão e oito sabores de sorvete. 
A lista também inclui 750 quilos de patinha de caranguejo, ao custo de R$ 39 mil; duas toneladas de peixe e cinco toneladas de carne bovina e suína. O Estado prevê gastar R$ 1 milhão com comida para a família Sarney e seus convidados até o fim de 2014. A informação foi antecipada na edição desta quarta-feira do jornal Folha de SP. 

No edital, ainda está a compra de 2.500 garrafas de 1 litro do guaraná Jesus, 50 caixas de bombom e 30 pacotes de biscoito champagne. Está previsto ainda o gasto de R$ 108 mil em ração para peixes. O segundo pregão para a licitação de fornecedores está marcado para sexta-feira, 10. Mais uma vez tripudiam e debocham da população maranhense.
*Com informações da Agência Brasil e El País.