DANIEL MAZOLA -
Uma área que deveria ser controlada
por agentes penitenciários é dominada por presos de facções criminosas, que
possuem telefones celulares de última geração e até armas. Servidores que
deveriam impedir que irregularidades ocorressem se abstêm e, em alguns casos,
são facilmente corrompidos. Tudo isso é o que vem acontecendo no complexo
penitenciário de Pedrinhas, o maior do Maranhão (no Nordeste do Brasil), mas
poderia muito bem ilustrar o que ocorre na imensa maioria dos 1.478 presídios
do país.
No período de um ano, 62 detentos morreram naquele
Estado. Alguns foram esfaqueados e depois decapitados. Nesta
terça-feira, um grande jornal
paulistano publicou um vídeo que mostra três corpos sem cabeça
dentro da maior prisão maranhense.
Nem tudo o que
acontece no Maranhão hoje é uma novidade no Brasil. O mesmo complexo
penitenciário de Pedrinhas já enfrentou uma rebelião em 2010 na qual ficou
evidente a situação. Uma inspeção do Conselho Nacional de Justiça de 2011 fez o
alerta do que poderia ocorrer no Estado.
No fim do ano
passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (OEA), pediu uma solução para acabar com os problemas de
superlotação, maus tratos e insalubridade em Pedrinhas e no presídio central de
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde 4.591 detentos ocupam espaço destinado
a 1.984 pessoas.
Voltando alguns
anos, houve ainda os casos caóticos em ao menos outros quatro Estados. No
Espírito Santo, em 2009, ONGs constataram que presos tinham seus corpos
retaliados e jogados em carrinhos usados para carregar roupas sujas. São Paulo,
Paraná e Mato Grosso do Sul enfrentaram uma série de rebeliões que resultaram
em assassinatos assim como decapitações em 2006. Naquela ocasião, o caos se
estendeu para as ruas com uma série de atentados contra forças de segurança.
Expansão
externa, aliás, que voltou a ocorrer em São Luís, a capital do Maranhão, no fim
de semana, quando criminosos que receberam ordens de líderes de facções que
estão presos para que atirassem contra delegacias e incendiassem ônibus. As
ações provocaram a morte de uma menina de seis anos de idade e feriram outras
quatro pessoas.
“O que acontece
no Maranhão infelizmente retrata uma realidade dos presídios de todos os
Estados brasileiros. Quem manda nos presídios são os presos. Os governos não
têm políticas públicas para as penitenciárias nem estrutura para controlar
esses detentos”, afirmou o juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, que por
dois anos inspecionou presídios de 11 Estados do país enquanto atuava no
Conselho Nacional de Justiça.
Para esse
magistrado, a situação poderia ser mais caótica, já que em nenhuma prisão os
detentos têm seus direitos humanos respeitados. “De uma maneira geral, a
maioria dos presos até são pacíficos demais. Imagina uma pessoa ter que se
revezar para dormir, ficar dias e dias sem tomar banho, sem ter direito de ver
o sol, ter de dividir com outras 300 pessoas uma cela que tem capacidade para
36 e tem apenas um banheiro. Isso tudo é revoltante. Eles [os presos] acabam
criando códigos de conduta para poder sobreviver e, quando essa conduta não é
respeitada, começam as brigas que acabam em mortes”, analisou.
Essa série de
condutas, segundo especialistas, acabam por impulsionar a criação de facões
criminosas que agem dentro e fora das penitenciárias. A doutora em sociologia Camila Nunes
Dias, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e uma das
maiores estudiosas do assunto no Brasil, avalia que os governos estaduais
abdicaram do controle das penitenciárias.
“Na medida em
que um Estado se preocupa em prender, mas não em garantir o mínimo de condição
de vida do preso, ele abre mão do controle e abre o caminho para a formação de
facções criminosas”, disse Nunes Dias.
Para essa
especialista, no Maranhão, a falta de controle chegou a ser exacerbada, o que
resultou na série de mortes e de irregularidades que incluem o estupro de
mulheres e irmãs de presos além da agressão aos doentes mentais.
Intervenção federal
Coordenadora da
ONG Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos, Josiane Gamba diz que três fatores influenciaram na crise
pela qual passa seu Estado: a superlotação carcerária, a briga de facções pelo
comando das prisões e um quadro de funcionários corruptos. “Não faltam
acusações contra esses servidores e pouco tem sido feito nos últimos anos”,
afirmou.
Além disso, há
também a falta de investimento por parte do governo estadual. No ano passado, a
gestão da governadora Roseana Sarney teve de abrir mão de uma verba de
aproximadamente 20 milhões de reais oferecida pelo governo federal porque não
se adequou ao projeto que previa construir cinco novos complexos penitenciários
pelo Estado, o que ajudaria a reduzir consideravelmente a superpopulação
carcerária do Estado. Hoje, no Maranhão, há 5.400 detentos para 2.200 vagas.
Diante de todo
esse cenário e após avaliar relatórios Conselho Nacional do Ministério Público
e do Conselho Nacional de Justiça, que concluíram que o Maranhão é incapaz de
controlar suas cadeias, três ONGs pediram que o governo federal faça uma
intervenção no Estado.
O pedido,
assinado pela Conectas Direitos Humanos,
pela Justiça Global e pela
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos começou a ser avaliado pelo procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, nesta terça-feira.
A decisão dele
deve levar em conta as questões técnicas e jurídicas, mas terá um peso político
enorme. Isso porque a governadora Roseana Sarney é filha do senador José
Sarney, ambos do PMDB e aliados de primeira hora da presidenta Dilma Rousseff
(PT). A política, tão criticada pelos especialistas, está de novo em primeiro
plano.
Mídia internacional dá destaque à crise no Maranhão
A crise no sistema carcerário do Maranhão
gerou uma repercussão negativa na imprensa estrangeira. Em veículos dos Estados
Unidos, do Reino Unido, da Espanha e Argentina, a situação é considerada
desumana. A crise carcerária, intensificada nas últimas semanas, teve início no
Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, de onde líderes de facções
têm ordenado estupros e incêndios a ônibus.
A rede britânica BBC ouviu especialistas em
segurança. De acordo com eles, as medidas tomadas pelas autoridades brasileiras
em relação à crise – como a transferência de detentos e o controle das unidades
pela Polícia Militar (PM) – são paliativas. No material da BBC, é sugerida a
possibilidade da construção de presídios menores para que haja a separação de
facções em diferentes unidades.
A BBC menciona ainda a preocupação
manifestada nesta terça-feira, 7 de janeiro, pela Anistia Internacional sobre
os problemas no sistema penitenciário do estado e a medida cautelar decretada
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA), em dezembro de 2013, sobre a superlotação dos presídios
maranhenses.
O canal norte-americano CNN cita um caso
denunciado pelo juiz brasileiro Douglas Martins que visitou Pedrinhas e
documentou a violência contra mulheres. Segundo o juiz, elas são obrigadas a
ter relações sexuais com líderes de facções criminosas no interior do presídio.
No jornal espanhol El País diz que,
apesar de o caso ser no Maranhão, o problema ilustra “o que ocorre na imensa
maioria dos 1.478 presídios do país”. Na página do jornal argentino Clarín,
uma matéria menciona avaliação de 2011 do CNJ sobre o Complexo de Pedrinhas e a
negociação com detentos na distribuição dos presos por pavilhões.
ONU pede ação imediata
O Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos pediu nesta quarta-feira, 8 de janeiro, que as autoridades
brasileiras tomem ações imediatas para restabelecer a ordem no Complexo
Penitenciário de Pedrinhas.
De acordo com o órgão, é lamentável ter de
expressar preocupação com o “terrível” estado das prisões no Brasil. Em nota, o
Alto Comissariado recomenda a redução da superlotação dos presídios brasileiros
– não só no Maranhão – e o provimento de condições dignas aos detentos.
“Pedimos que as autoridades brasileiras
conduzam investigações imediatas, imparciais e efetivas sobre esses eventos,
processem os responsáveis e tomem as medidas apropriadas para colocar em vigor
o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura promulgado no ano passado”,
declarou o Alto Comissariado, sobre as mortes no presídio maranhense.
Em meio à crise na segurança pública Governo
do Maranhão licita 80 kg de lagosta
e 1,5 tonelada de camarão
Em meio ao caos nos
presídios e o colapso da segurança pública no Maranhão, está marcado para esta
quinta-feira, 9, o primeiro pregão do ano para escolher as empresas que
abastecerão as geladeiras do governo do Estado comandado por Roseana Sarney
(PMDB). Dentre as iguarias solicitadas, estão 80 quilos de lagosta fresca, uma
tonelada e meia de camarão e oito sabores de sorvete.
A lista também inclui 750 quilos de patinha de
caranguejo, ao custo de R$ 39 mil; duas toneladas de peixe e cinco toneladas de
carne bovina e suína. O Estado prevê gastar R$ 1 milhão com comida para a
família Sarney e seus convidados até o fim de 2014. A informação foi antecipada
na edição desta quarta-feira do jornal Folha de SP.
No edital, ainda está a compra de 2.500 garrafas de 1 litro do guaraná Jesus, 50 caixas de bombom e 30 pacotes de biscoito champagne. Está previsto ainda o gasto de R$ 108 mil em ração para peixes. O segundo pregão para a licitação de fornecedores está marcado para sexta-feira, 10. Mais uma vez tripudiam e debocham da população maranhense.
No edital, ainda está a compra de 2.500 garrafas de 1 litro do guaraná Jesus, 50 caixas de bombom e 30 pacotes de biscoito champagne. Está previsto ainda o gasto de R$ 108 mil em ração para peixes. O segundo pregão para a licitação de fornecedores está marcado para sexta-feira, 10. Mais uma vez tripudiam e debocham da população maranhense.
*Com informações da Agência Brasil e
El País.