HELIO
FERNANDES –
Inicialmente: a culpa não é da própria Comissão e sim
dos que levaram anos e anos para tentar investigar os fatos criminosos. O
primeiro beneficiado oficialmente, nem chegou a general, mas todos reconhecem:
torturou com “dedicação, convicção, abnegação, com as próprias mãos”, que se
encharcaram com o sangue dos que estavam sendo esquartejados ou morrendo.
Seu nome? Carlos Alberto Brilhante Ustra. Cargo que
ocupou durante anos e anos nos porões e subterrâneos do CODI-Doi. Comandante geral
acima dele, durante esse tempo, apenas Orlando Geisel.
Geisel:
do CODI-DOI para a “presidência”
Em 1969, quando o “presidente” Costa e Silva sofreu o derrame
e considerado “incapacitado”, (todos os generais eram, mesmo sem AVC) nomearam
a Junta Militar, que imediatamente rotulei de “Três Patetas”. E por isso fui
mais uma vez seqüestrado e desterrado para Campo Grande, hoje capital do Mato
Grosso do Sul, tomaram decisão inédita.
Marcaram eleições indiretas, (todas eram), colocaram
urnas em todos os órgãos do Exército, Marinha e Aeronáutica. Só votavam
generais, almirantes e brigadeiros. Dois candidatos a “presidente”, Orlando
Geisel, favoritíssimo e Afonso Albuquerque Lima, general nacionalista, não
torturador.
Afonso
foi o escolhido, não quero dizer “eleito”
Geisel, general de Três Estrelas, (ainda não havia os
de Quatro). Afonso de Duas, ganhou em todos os locais de votação. Com base
nessa pretensa hierarquia, Geisel bradou: “Tenho Três Estrelas, não posso fazer
continência ou cumprir ordens de quem está hierarquicamente abaixo de mim”.
Ridículo, não empossaram Albuquerque Lima, mas não aceitaram as tolices de
Geisel.
Surge
Médici, grande torturador
Resolveram utilizar o que chamavam de consenso, tomaram
a decisão de afastar Geisel e Albuquerque Lima. Surgiu então um nome afastado
de tudo, apesar de ser o chefe do SNI, um órgão que começava a controlar o
regime, recebendo ordens e orientação de Golbery. Era Garrastazu Médici, que surpreendentemente
recusou, não queria de maneira alguma. Pressionado de todos os lados, aceitou e
implantou o mais cruel e criminoso sistema de violência, brutalidade, a tortura
em estado bruto, cruel e selvagem.
Já
se torturava antes, mas os tempos de Médici, inesquecível
Desde o primeiro dia da ditadura, os que eram chamados
de “inimigos da pátria”, foram massacrados. No dia 31 de Março ou 1º de abril,
nas ruas do Recife, exibiam diante do povo, o que passaria “a valer a partir de
agora”.
O Sargento Bezerra, fardado com uma corda no pescoço,
era arrastado pelas ruas, puxado por oficiais também fardados, geralmente
Tenentes ou Capitães. Que hoje são generais, geralmente da reserva, mas
assassinos publicamente confessados.
Com Médici sabendo e supervisionando tudo. No seu lugar
no SNI, colocou um general igual a ele, que depois, apavorado, foi embaixador
em Portugal. O que fazer com um general torturador e m-o-n-o-g-e-n-e-a.
Prisioneiro
sem caminho, sem luz, sem som, sem silêncio, sem fome, sem gente, sem frio, sem
calor
Não havia realidade para os prisioneiros. Eles
mergulharam vazio intransponível, insuportável, sua mente fora dispersada, os
torturadores nem perceberam. Num momento o som era elevadíssimo, parava, o
silencio devia ser ainda mais estrondoso, sem jogo de palavras, ensurdecedor.
Não sentiam frio ou calor. Como não podiam contar o
tempo, não tinham noção do mês em que estavam. A mesma indisposição e
desinteresse pela comida. Inesperadamente, num buraco escurissimo, aparecia um
prato de comida, não sabiam se cheio ou vazio. Nem que pudessem saber quanto
tempo se passara, se muito ou pouco, a repetição da farsa criminosa, outro
prato de comida.
Não
conheço, entre os que sobreviveram, tortura igual
Empurrados para um lugar escuríssimo, sem janelas, sem
qualquer vislumbre de claridade, não sabiam se era um quarto, uma cela, ou o
tamanho do local. Era tão escuro, não sabiam se existiam paredes, não podiam
nem dar um passo, com medo de não poderem voltar para onde estavam.
Quanto
tempo se passou?
Tomaram conhecimento de que ficaram meses nessa
monstruosa “invenção inglesa”, quando foram libertados. Logo, logo perderiam
toda e qualquer ligação com o mundo, o tempo, o espaço, e a própria vida.
Desapareciam para eles mesmos, ficavam completamente
insensíveis. Seus “companheiros” eram intangíveis e inatingíveis, não identificáveis,
indefiníveis, dentro deles mesmos. Sem que pudessem ou até mesmo tentassem
decifrar ou desvendar alguma coisa.
Tenho até hoje na lembrança, horrorizado, o relato de
muito tempo depois. Procurados por muita gente, não eram prisioneiros comuns.
Personalidades destacadas, acabaram por serem encontrados e soltos. Libertaram
seus corpos, suas mentes, foram se recuperando, de dados que eram fatos, inenarráveis.
EUA,
França, Inglaterra, mandaram tecnologia de tortura. Os “inventores” ingleses,
cruéis
Já contei, “colaboração” terrível dos ingleses, que
cederam “graciosamente e de graça”, conhecimento e domínio de uma forma ainda
não conhecida de violência. Não propriamente do corpo, mas principalmente do
cérebro, da mente, de tudo, deixando os torturados completamente fora do mundo,
sem que ninguém tocasse neles.
Essas
celas especiais, piores do que as simulações de Guantánamo
Há anos fiz referência simples ao episódio, sem me
aprofundar ou dar nome dos mais importantes violentados, que me fez a
revelação, pedindo que desse uma nota pequena, sem nomes. “Depois que eu morrer
pode contar tudo, até mesmo o que eu não sei, pois passei meses sem entender o
que acontecia, submetido a um dos mais cruéis sistemas de violentação”.
(Americanos e franceses participaram de outra forma. Aqui o episódio é só inglês).
Elio
Gaspari, o desbravador de uma parte da ditadura
Escreveu quatro livros extraordinários, que li de ponta
a ponta, entusiasmado como jornalista de Informação e Opinião. Agora, o próprio
Gaspari anuncia que vai fazer reedição “revista e aumentada”, editada pela
própria Intrinseca. Para esclarecer os leitores, tenho que fazer uma
republicação do último capítulo do artigo do Gaspari, desta semana.
Gaspari
textual e entre aspas
“Depois dessa reviravolta, (posse de Carter, eleito em
1976, empossado em 1977, HF.) os Estados Unidos fizeram melhor que os
franceses, que mandaram ao Brasil como adido militar o general que se
intitularia “maestro” da tortura na Argélia, ou que os ingleses, que forneceram
a tecnologia das celas especiais para o DOI do Rio. Nelas, som e silêncio,
calor e frio, alternavam-se para desestruturar os presos”.
Terminado
Gaspari, começa a selvageria e o relato inviolável sobre centenas de
brasileiros
Eram 12 celas especiais, num lugar separado desse
centro de tortura. Os prisioneiros eram levados pela polícia civil, os generais
não prendiam, sua predileção, que consideravam obrigação, era a tortura.
Despojados de tudo, até das roupas para que não escondessem nada, eram jogados
dentro dessas celas ou que nome tivessem.
Não precisavam de motivos ou explicações, era a rotina
do golpe que chamaram de revolução, que dizem que se consumou no dia 31 de
março, não querem ligação com o 1º de abril, data maculada e ridicularizada.
Que pretenderam prorrogar e prolongar com o assalto à Tribuna da Imprensa, e o
fracassado massacre de 1º de maio, para a eternização da ditadura.
O
outro Geisel, foi verificar a tortura em Pernambuco, assustou Castelo
Os protestos chegavam de todos os lados, os generais
mandavam de verdade. Mas houve muita resistência de militares, que registravam,
ressaltavam e ressalvaram que aquela barbaridade não podia ser cometida em nome
e com a cumplicidade do próprio Exército. Foram todos ultrapassados, presos,
denunciados, na melhor das hipóteses aposentados.
PS
–
A melhor prova dessa “não unanimidade”, é a prisão dos 12 do Pasquim. Foram
levados para os Paraquedistas da Vila Militar. Não sofreram nada. E nas noites
em que estavam de plantão, o comandante jantava com alguns.
PS2 –
Ernesto Geisel, Chefe da Casa Militar de Castelo, redigiu um relatório, sobre o
que viu em Pernambuco. Horrorizado, Castelo mandou arquivar “confidencialmente”.