14.12.13

Atentado vingança contra a Tribuna. Isso em 1981, depois da “autoanistía”. Para os generais perseguidores-torturadores. Antes, a destruição do meu Passat, logo seguido da explosão do Fiat da minha filha de 20 anos. Na porta da minha casa.

HELIO FERNANDES –

Obrigado, Ricardo Salles pelo resumo do inquérito policial sobre o massacre do jornal. Faltou coragem ou liberdade, para os que investigaram. Os mercenários e arbitrários que usurparam e dominaram 21 anos da história do país, ainda estavam poderosos. Já haviam garantido a impunidade para eles mesmos. Os outros não podiam se defender.

Então o inquérito não teve início, meio e fim. Para os investigadores, por que “fustigar” os generais que ainda estavam mandando de verdade? Podiam tanto, que mandavam até o “calendário gregoriano”. A “anistia” foi fixada e posta em vigor em 1979, mas dois anos depois, 1981, destruíram a Tribuna. E dois ou três meses mais tarde teriam assassinado novamente a democracia, não fosse a incompetência deles mesmos no Riocentro.

A dosagem dos explosivos   

Mais uma vez tenho que te dar os parabéns, agora por causa do excesso de explosivos usados no massacre do jornal. Devem ter aprendido com eles mesmos, muito antes, em 1976. 1968 foi terrível para todos. No final, em dezembro, surgiu o famigerado AI-5 tudo isso durou mais de dez anos. Antes impuseram a censura prévia, muito “lembrada” agora na “guerra das biografias”. E a perseguição, a violência, a tortura, atingiram limites “nunca dantes navegados”.

Os assaltantes recriminados

Depois se soube dos detalhes. Ou do plano que não se concretizou pela incompetência que invalidaria também, cinco anos depois o atentado do Riocentro queriam destruir o Passat, como forma de acordar as pessoas, invadiriam a casa, destruiriam tudo. Com a ordem expressa: “não deixar nada em pé na casa, mas não matar ninguém”.

Com o estrondo inacreditável da explosão, os próprios assaltantes se assustaram, entraram no carro e dispararam em fuga. Também não consegui saber nomes ou patentes, se fossem militares, como na destruição da Tribuna.

O repórter Helio Fernandes, seu jornal, sua casa, sua família, seu jornalismo de resistência, de combate, sem concessão de espécie alguma, grande preocupação da ditadura.

Quando eu era candidato a deputado federal em 1966, (10 anos antes) tido e havido como mais votado pelo “MDB da resistência”, o general Golbery procurou amigos, já que comigo não conseguiam falar.

Ao meu compadre (Procurador da República, padrinho de um dos meus filhos que foi embora no ano passado), dizia: “Doutor, se o jornalista retirar a candidatura, não será cassado. Ele está dizendo que vai falar todo dia na Câmara, isso não podemos admitir”.

E concluía: “Se só com um jornal ele nos dá tanto trabalho, imagine com um jornal e outra tribuna, a da Câmara?”.  

Fui cassado três dias antes da eleição, preso, proibido de escrever. Obrigado, Ricardo, teu “excesso de explosivo”, me fez lembrar, dessas coisas ou fatos. Mas estou aqui, nenhum arrependimento, ressentimento, constrangimento.

O assalto à minha casa

Há 52 anos moro no alto do Jardim Botânico, tão alto que não podem ser construídos edifícios. Era uma rua sem saída, agora tem. Projeto do meu jovem, amigo Jorge Moreira, excelente arquiteto, que planejou o belo Instituto da Universidade do Fundão, que leva o nome de outra notável figura, Clementino Fraga Filho. Enquanto quase todo mundo se esconde, erguem muros, grades, paredões, minha casa é exatamente o contrário. Qualquer pessoa para o carro, salta, da três passos e já está tocando a campainha. Nunca mudei nada disso, nem mesmo depois das primeiras reuniões da “Frente Ampla, motivo de revolta de generais”.

Excesso de explosivos, sumiram com meu Passat, depois o Fiat da minha filha

Em pleno verão de 1979, por volta de duas da madrugada, uma explosão que abalou e assustou os moradores. Meu carro, que estava na rua, desapareceu completamente. Perdão, sobrou à roda traseira, e as partes de ferro, distorcidas, só isso. Os peritos chegaram pela manhã, assombrados, estarrecidos, amedrontados, disseram: “O que foi colocado de explosivos, uma carga descomunal, daria para atingir até a casa”.

Não fizeram relatórios, ou então rasgaram e jogaram fora, quem iria se incomodar? Nenhum jornal pode publicar coisa alguma, nem mesmo a própria Tribuna. Escrevi artigo violentíssimo, que não saiu.

Fui chamado á “Policia Central”, como era conhecida, queriam saber “como eu estava”, não tocaram no assunto, logo me mandaram embora.   

A Anistia para os generais torturadores foi decretada, comunicada e revelada em 28 de agosto de 1979. Os generais festejaram, com toda a segurança convidaram alguns que enriqueceram nesses 21 anos. E não esqueceram os que na transição e depois dela, foram “consagrados” pelo Poder.

Um mês depois dessa “autoanistia”, explodiram meu Passat. Em outubro, foi à vez de um Fiat da minha filha, que acabara de completar 20 anos. Era a vingança pessoal contra o repórter que continua a escrever. Em fevereiro de 1981, a explosão do Jornal, 1 ano e meio depois da impunidade que os generais impuseram para eles mesmos. E continuavam dominando.

6 horas depondo no Senado

Antes da destruição da Tribuna, prédio, máquinas, redação, tudo o que era possível, fui depor no Senado. Estava funcionando a CPI do Terror. Relator, senador Franco Montoro, grande figura, depois governador. Como é da minha predileção, respondi a todas as perguntas durante 6 horas, de situacionistas e oposicionistas. Minha forma de expressão é a palavra escrita, mas também a palavra falada.

A inutilidade de tudo

Só fui saber do desaparecimento do meu depoimento, 2 anos depois. Lembrei que fizera declarações importantes, tentei recuperar para publicar. Estava tudo circunscrito aos anais do Senado. Fiquei estarrecido quando a Secretária do Senado informou: “Não há nenhum depoimento do senhor, nem existe qualquer citação do seu nome ou da Tribuna da Imprensa na CPI do Terror”.

Franco Montoro não era mais senador, telefonei para ele, governador, ficou estarrecido. Garantiu que ia mandar verificar, uma semana depois me telefonou pessoalmente: “Helio, realmente não há qualquer vestígio do teu depoimento, mandei recorrer a todos os recursos, nada descoberto”.

A vingança dos generais

Em dezembro de 1979, duas grandes figuras, Dario de Almeida Magalhães e Prudente de Morais, neto, me chamaram ao escritório da Pedro Lessa. (Nome do primeiro negro a integrar o Supremo, se aposentou antes de chegar à presidente). Os dois brilhantes advogados queriam que entrasse com processo de indenização contra a União.

Não hesitei um segundo: “Concordo inteiramente, mas quero processar os generais Médici e Geisel, que eram “presidentes” na época da violência. Os dois vibraram doutor Dario, felicíssimo, afirmou: “Será um processo para História”.

 Os dois generais foram defendidos pelo ex-ministro da Justiça de Médici, Alfredo Buzaid, que afirmou várias vezes: “A Tribuna da Imprensa tem todo o direito de pedir indenização, mas não contra meus clientes e sim contra a União”. Quer dizer, esses dois generais mandavam de verdade, mas eram como discos voadores, apareciam e desapareciam.

O julgamento no então Tribunal Federal de Recursos, (que acabou com a constituição de 1988) ficou em 6 a 6. O presidente negociou e votou contra a Tribuna. Recorremos ao Supremo, mas naquela época existia este absurdo que acabou também com a Constituição de 88: quando não existiam 8 ministros no plenário, convocavam Ministros do Tribunal Federal de Recursos. Chamaram 3 que já haviam votado contra a Tribuna, aí perdemos de 7 a 4.

O processo “desceu” então para instâncias federais, desembargadores. Ganhamos em todas as instâncias, mas isso, data vênia, depois dos desembargadores engavetarem os processos por anos. E na certa se completarão “150 anos, sem que o processo e a indenização, se encontrem em algum subterrâneo da Justiça”. Se existem 92 milhões de processos, chega a ser manifestação de arrogância, querer que o da Tribuna se encerre, digamos em 35 anos.

PS – Não me arrependo de nada, combateria com a mesma independência, mesmo conhecendo a desproporção da luta. Um homem sozinho e desarmado, enfrentando os generais com as armas do povo, para triturar esse mesmo povo.

PS2 – Mas não posso deixar de lamentar duas coisas, dois episódios irrecuperáveis.

PS3 – A conversa-debate-confronto que este repórter e Carlos Lacerda travaram a partir do AI-5 na prisão. Durou 9 dias, Lacerda saiu antes, eu e Mario Lago, completamos 1 mês. Dias e dias de hostilidade-civilizada, mas sem defesa antecipada.

PS4 – O lamento se estende á recuperação do depoimento ao Senado, na CPI do Terror.