HELIO FERNANDES –
Obrigado, Ricardo Salles pelo resumo do inquérito policial
sobre o massacre do jornal. Faltou coragem ou liberdade, para os que
investigaram. Os mercenários e arbitrários que usurparam e dominaram 21 anos da
história do país, ainda estavam poderosos. Já haviam garantido a impunidade
para eles mesmos. Os outros não podiam se defender.
Então o inquérito não teve início, meio e fim. Para os
investigadores, por que “fustigar” os generais que ainda estavam mandando de
verdade? Podiam tanto, que mandavam até o “calendário gregoriano”. A “anistia”
foi fixada e posta em vigor em 1979, mas dois anos depois, 1981, destruíram a
Tribuna. E dois ou três meses mais tarde teriam assassinado novamente a
democracia, não fosse a incompetência deles mesmos no Riocentro.
A dosagem dos
explosivos
Mais uma vez tenho que te dar os parabéns, agora por causa
do excesso de explosivos usados no massacre do jornal. Devem ter aprendido com
eles mesmos, muito antes, em 1976. 1968 foi terrível para todos. No final, em
dezembro, surgiu o famigerado AI-5 tudo isso durou mais de dez anos. Antes
impuseram a censura prévia, muito “lembrada” agora na “guerra das biografias”.
E a perseguição, a violência, a tortura, atingiram limites “nunca dantes
navegados”.
Os assaltantes
recriminados
Depois se soube dos detalhes. Ou do plano que não se
concretizou pela incompetência que invalidaria também, cinco anos depois o
atentado do Riocentro queriam destruir o Passat, como forma de acordar as
pessoas, invadiriam a casa, destruiriam tudo. Com a ordem expressa: “não deixar
nada em pé na casa, mas não matar ninguém”.
Com o estrondo inacreditável da explosão, os próprios
assaltantes se assustaram, entraram no carro e dispararam em fuga. Também não
consegui saber nomes ou patentes, se fossem militares, como na destruição da
Tribuna.
O repórter Helio Fernandes, seu jornal, sua casa, sua
família, seu jornalismo de resistência, de combate, sem concessão de espécie
alguma, grande preocupação da ditadura.
Quando eu era candidato a deputado federal em 1966, (10 anos
antes) tido e havido como mais votado pelo “MDB da resistência”, o general
Golbery procurou amigos, já que comigo não conseguiam falar.
Ao meu compadre (Procurador da República, padrinho de um dos
meus filhos que foi embora no ano passado), dizia: “Doutor, se o jornalista
retirar a candidatura, não será cassado. Ele está dizendo que vai falar todo
dia na Câmara, isso não podemos admitir”.
E concluía: “Se só com um jornal ele nos dá tanto trabalho,
imagine com um jornal e outra tribuna, a da Câmara?”.
Fui cassado três dias antes da eleição, preso, proibido de escrever.
Obrigado, Ricardo, teu “excesso de explosivo”, me fez lembrar, dessas coisas ou
fatos. Mas estou aqui, nenhum arrependimento, ressentimento, constrangimento.
O assalto à minha
casa
Há 52 anos moro no alto do Jardim Botânico, tão alto que não
podem ser construídos edifícios. Era uma rua sem saída, agora tem. Projeto do
meu jovem, amigo Jorge Moreira, excelente arquiteto, que planejou o belo
Instituto da Universidade do Fundão, que leva o nome de outra notável figura,
Clementino Fraga Filho. Enquanto quase todo mundo se esconde, erguem muros,
grades, paredões, minha casa é exatamente o contrário. Qualquer pessoa para o
carro, salta, da três passos e já está tocando a campainha. Nunca mudei nada
disso, nem mesmo depois das primeiras reuniões da “Frente Ampla, motivo de
revolta de generais”.
Excesso de
explosivos, sumiram com meu Passat, depois o Fiat da minha filha
Em pleno verão de 1979, por volta de duas da madrugada, uma
explosão que abalou e assustou os moradores. Meu carro, que estava na rua,
desapareceu completamente. Perdão, sobrou à roda traseira, e as partes de
ferro, distorcidas, só isso. Os peritos chegaram pela manhã, assombrados,
estarrecidos, amedrontados, disseram: “O que foi colocado de explosivos, uma
carga descomunal, daria para atingir até a casa”.
Não fizeram relatórios, ou então rasgaram e jogaram fora,
quem iria se incomodar? Nenhum jornal pode publicar coisa alguma, nem mesmo a
própria Tribuna. Escrevi artigo violentíssimo, que não saiu.
Fui chamado á “Policia Central”, como era conhecida, queriam
saber “como eu estava”, não tocaram no assunto, logo me mandaram embora.
A Anistia para os generais torturadores foi decretada,
comunicada e revelada em 28 de agosto de 1979. Os generais festejaram, com toda
a segurança convidaram alguns que enriqueceram nesses 21 anos. E não esqueceram
os que na transição e depois dela, foram “consagrados” pelo Poder.
Um mês depois dessa “autoanistia”, explodiram meu Passat. Em
outubro, foi à vez de um Fiat da minha filha, que acabara de completar 20 anos.
Era a vingança pessoal contra o repórter que continua a escrever. Em fevereiro
de 1981, a explosão do Jornal, 1 ano e meio depois da impunidade que os
generais impuseram para eles mesmos. E continuavam dominando.
6 horas depondo no Senado
Antes da destruição da Tribuna, prédio, máquinas, redação,
tudo o que era possível, fui depor no Senado. Estava funcionando a CPI do
Terror. Relator, senador Franco Montoro, grande figura, depois governador. Como
é da minha predileção, respondi a todas as perguntas durante 6 horas, de
situacionistas e oposicionistas. Minha forma de expressão é a palavra escrita,
mas também a palavra falada.
A inutilidade de tudo
Só fui saber do desaparecimento do meu depoimento, 2 anos
depois. Lembrei que fizera declarações importantes, tentei recuperar para
publicar. Estava tudo circunscrito aos anais do Senado. Fiquei estarrecido
quando a Secretária do Senado informou: “Não há nenhum depoimento do senhor,
nem existe qualquer citação do seu nome ou da Tribuna da Imprensa na CPI do
Terror”.
Franco Montoro não era mais senador, telefonei para ele,
governador, ficou estarrecido. Garantiu que ia mandar verificar, uma semana
depois me telefonou pessoalmente: “Helio, realmente não há qualquer vestígio do
teu depoimento, mandei recorrer a todos os recursos, nada descoberto”.
A vingança dos
generais
Em dezembro de 1979, duas grandes figuras, Dario de Almeida
Magalhães e Prudente de Morais, neto, me chamaram ao escritório da Pedro Lessa.
(Nome do primeiro negro a integrar o Supremo, se aposentou antes de chegar à
presidente). Os dois brilhantes advogados queriam que entrasse com processo de
indenização contra a União.
Não hesitei um segundo: “Concordo inteiramente, mas quero
processar os generais Médici e Geisel, que eram “presidentes” na época da
violência. Os dois vibraram doutor Dario, felicíssimo, afirmou: “Será um
processo para História”.
Os dois generais
foram defendidos pelo ex-ministro da Justiça de Médici, Alfredo Buzaid, que
afirmou várias vezes: “A Tribuna da Imprensa tem todo o direito de pedir
indenização, mas não contra meus clientes e sim contra a União”. Quer dizer,
esses dois generais mandavam de verdade, mas eram como discos voadores,
apareciam e desapareciam.
O julgamento no então Tribunal Federal de Recursos, (que
acabou com a constituição de 1988) ficou em 6 a 6. O presidente negociou e
votou contra a Tribuna. Recorremos ao Supremo, mas naquela época existia este
absurdo que acabou também com a Constituição de 88: quando não existiam 8 ministros
no plenário, convocavam Ministros do Tribunal Federal de Recursos. Chamaram 3
que já haviam votado contra a Tribuna, aí perdemos de 7 a 4.
O processo “desceu” então para instâncias federais, desembargadores.
Ganhamos em todas as instâncias, mas isso, data vênia, depois dos
desembargadores engavetarem os processos por anos. E na certa se completarão “150
anos, sem que o processo e a indenização, se encontrem em algum subterrâneo da
Justiça”. Se existem 92 milhões de processos, chega a ser manifestação de
arrogância, querer que o da Tribuna se encerre, digamos em 35 anos.
PS – Não me arrependo de nada, combateria com a mesma independência,
mesmo conhecendo a desproporção da luta. Um homem sozinho e desarmado,
enfrentando os generais com as armas do povo, para triturar esse mesmo povo.
PS2 – Mas não posso deixar de lamentar duas coisas, dois
episódios irrecuperáveis.
PS3 – A conversa-debate-confronto que este repórter e Carlos
Lacerda travaram a partir do AI-5 na prisão. Durou 9 dias, Lacerda saiu antes,
eu e Mario Lago, completamos 1 mês. Dias e dias de hostilidade-civilizada, mas
sem defesa antecipada.
PS4 – O lamento se estende á recuperação do depoimento ao
Senado, na CPI do Terror.