20.12.13

A TOGA MODIFICA E INFLUENCIA O CIDADÃO?

HELIO FERNANDES –

Sem aquela vestimenta preta, que chamam de toga, ninguém identificaria ninguém, todos seriam iguais. Magistrados sem toga, seriam homens comuns, não teriam a importância que tem. Num dos seus raros lapsos, Rui Barbosa escreveu: “A palavra mais bonita da língua portuguesa é magistrado”, 60 anos depois, não para contestar apenas para registrar escrevi: “A palavra mais bonita da língua portuguesa é MÃE”.

Mas a palavra toga tem sido questionada. Logo no dia 1º de abril de 1964, os golpistas enquanto resolviam suas dúvidas e ambições internas, exigiam de Auro Moura Andrade, que empossasse na presidência da República, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.

O presidente do senado resistiu os generais que se dividiam entre Castelo Branco e Costa e Silva, aumentaram a pressão. E Auro, sabendo que desarmado não poderia durar muito tempo, desfechou, revoltando os generais: “Japona não é toga”. Ótima frase, mas Mazzilli tomou posse por 9 dias. Até que Castelo Branco convenceu Juscelino e Amaral Peixoto (presidente do maior partido do Brasil o PSD, e genro de Vargas), “eu sou o melhor e mais importante para manter a eleição de 1965”.

1965, sem eleição

A maioria absoluta, mas não absurda de generais, queria Costa e Silva como “presidente”, sem eleições. Mas Golbery, já na reserva e cada vez mais poderoso, convenceu: “Castelo é o único que pode afastar a eleição, Costa e Silva está garantido depois dele”. E lançou a prorrogação de Castelo, que venceu por 1 voto na Câmara, com a omissão e o silêncio de Carlos Lacerda. Que teria derrubado essa prorrogação pelo telefone.

Insisti muito com ele, garanti: “Com 4 ou 5 telefonemas, você derruba essa prorrogação”. Lacerda resistiu, ainda não “desembarcara” da própria candidatura, que nunca existiu.

Eu escrevi praticamente todo dia contra essa prorrogação “esclarecedora” (para os generais), estava quase convencendo o governador a derrubar a permanecia de Castelo.

A força do Doutor Julio Mesquita Filho

72 horas antes da votação, marcamos um almoço, no próprio Guanabara, num restaurante simples, que Lacerda construíra para funcionários e secretários. Marcamos ao meio dia, cheguei, encostei meu fusca no lugar de sempre, subi, a secretária me disse: “Helio, o governador esta acabando, já vem”.

Fiquei na janela, inesperadamente para um carro com Abreu Sodré, (que seria “governador” de SP em 1967) e o doutor Julio Mesquita, o diretor e proprietário do jornal “Estado de São Paulo”, o homem que tinha a maior influência pessoal sobre Lacerda. Nem esperei, fui embora, da janela, Lacerda gritava, “não deixem o Helio Fernandes ir embora”. Eu já estava longe.

Costa e Silva teria sido melhor   

Durante aquele dia e o outro, não atendi telefonema de Lacerda. A prorrogação foi votada e aprovada (por um voto, como eu disse), Lacerda foi a minha casa, o que não era incomum. Lamentou a própria omissão, pronunciou a frase de sempre, que depois ratificou no seu livro-depoimento: “Você advinha, Helio, é impossível acompanhá-lo”.

Contou a conversa com o Doutor Julio. “Ele me disse, Helio, que se a prorrogação fosse derrotada, viria novo golpe”. Perguntei imediatamente: “Pior do que esse?”. E acrescentei: “Não podemos ficar sempre fugindo pela porta dos fundos, com medo de outro golpe. Com resistência, tudo será melhor. Com o silêncio pelo medo e pela opressão, nada será pior”. Foi o que aconteceu. Endurecimento em cima de endurecimento.

Meu artigo de novembro de 1964 

Fiquei meses escrevendo, combatendo, resistindo, perseguido, mas longe do governador. Até que resolvi dar o xeque-mate, com um artigo do qual gosto muito, e que não precisa nem ser lido, está todo no título: “1965, Carlos Lacerda, o candidato invencível de uma eleição que não vai haver”. Lacerda me telefonou: ”Agora você está exagerando na adivinhação”. Não deu outra coisa, não era adivinhação e sim analise a mais simples possível. Se estavam PRORROGANDO Castelo até 1967, como acreditar numa eleição marcada para 1965?

A Frente-ampla

Nesse mesmo 1965, resolvi fazer um encontro na minha casa, entre pessoas que jamais se encontraram com Lacerda. Convidei: O brigadeiro Teixeira, grande liderança da Aeronáutica. Wilson Fadul, coronel da FAB. Ministro da Saúde de Jango, depois torturadíssimo no Doi-Codi, ele e a mulher.

Enio da Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira, que muito antes, comunistíssimo declarado, colocou no filho, o nome de Miguel Arraes da Silveira. E o jovem, brilhante e lúcido combatente, Flávio Rangel, que depois (com o Millôr) escrevia e dirigia o maravilhoso libelo contra a ditadura, ”Liberdade, Liberdade”. Que tempos, que espetáculo.

O segundo encontro com outros personagens

Iam chegando por volta de 8 ou 9 horas, ficávamos a mesa a noite toda. Nenhuma queixa, cobrança ou reprimenda. Conversas profundas, muito mais convergências do que discordâncias. Fumavam muito, bebiam magnificamente, minha casa ficou pequena. Passamos então a nos reunir na casa do empresário Alberto Lee, que tinha uma fabrica de fio de cobre.

Muito amigo do Enio, fizemos lá mais 6 reuniões, a casa, a mais bonita do Rio, tinha até um rio que cortava a propriedade. Quando chegávamos, o Enio, figura sensacional, dizia sempre: “Quando chegarmos ao Poder, aqui será a Casa dos Escritores do Partido”.

O manifesto que fortaleceu a ditadura

Surgiu então a idéia de publicar essas conversas num documento que seria divulgado. Carlos Lacerda foi encarregado de lê-lo na redação da Tribuna. A redação foi totalmente desimpedida, no fundo só um microfone, Lacerda já não governador, fez a leitura.

O documento, sem título, como acontece sempre, foi rotulado pela imprensa, como “Frente Ampla”. Jamais havíamos pensado nisso. Mas ficou. Quase 200 jornalistas do Brasil e do mundo, convocados pelo notável Alfredo Machado, dono da Editora Record. Que repercussão no público. Mas nas forças armadas e principalmente entre os generais golpistas, a exigência de mais perseguições, prisões, torturas.

Lacerda, o lamento: “Carta a um ex-amigo fardado”

Era um desabafo, mas a constatação de que fora abandonado. Inesquecível. Veio o fim de Castelo, o sucessor natural era Costa e Silva, um dos raros generais “presidentes”, não torturador. Seu vice era o civil Pedro Aleixo. Os dois começaram a tentar construir uma Constituição e um regime democrático.

(Muitas reuniões num apartamento da Domingos Ferreira, com José Aparecido. Tudo ia muito bem, mas veio o derrame e a “incapacidade” de Costa e Silva, a Junta Militar dos Três Patetas, apelidado imediatamente por este repórter). Compareci a todas as reuniões, só não podia revelar coisa alguma.

Médici, o “presidente” torturador

Nunca se perseguiu tanto, se prendeu tanto, se torturou tanto. Temos que registrar que ninguém protestou, nem civis nem militares. Foi o pior momento da ditadura, embora todos concordem ditaduras não tem bons momentos. Ficou cinco anos, um grande inimigo. Para passar o cargo ao general Geisel, perguntou: ”Como estão as relações do Geisel com Golbery?” (Era a sua grande preocupação. Responderam mentindo desassombradamente: “Não se falam há anos”. Golbery era o segundo de Geisel e às vezes mais do que isso.

A toga da Ministra

Termino hoje, como comecei: a importância da toga. Ministra do segundo tribunal mais importante do país, como corregedora, Eliane Calmon fez ampla investigação sobre juízes. E concluiu com a constatação pública: “Na Justiça, existem muitos BANDIDOS de TOGA”.

Ampla repercussão se transformou em nome nacional. Agora, atingindo a idade limite para permanecer no Tribunal, foi convidada, aceitou: candidata ao senado pela Bahia, sua terra. Vai se eleger, a dúvida: em 2014, só uma vaga.

PS – Sou o sócio proprietário mais antigo do Flamengo. E há muitos e muitos anos, membro do conselho deliberativo. Desde que fui atropelado por uma bicicleta na Lagoa, não tenho ido às reuniões.

PS2 – Mas sempre fui oposicionista, combati praticamente todos os presidentes que levaram o clube à falência, pela falta de competência. Agora dizem que “sou a favor do rebaixamento do Fluminense, pela condição no Flamengo”.

PS3 – Quantas vezes aqui mesmo, publicamente, e antes na Tribuna da Imprensa de papel, divergi dos “donos” do Flamengo? Estou a favor do rebaixamento do Fluminense, ele tem um “histórico desse descenso”, só que sempre é salvo.

PS4 – E dizer que o Fluminense “não foi parte na questão”, é o Premio Nobel da desinformação ou da má fé. O Fluminense sempre fica neste episódio pelo menos salvou o plano de saúde.

PS5 – A participação do Fluminense, total e vergonhosa. Entrevista do presidente, matéria paga dos “ricaços” do clube, “pressionando os juízes da arquibancada”.