HELIO FERNANDES –
Sem
aquela vestimenta preta, que chamam de toga, ninguém identificaria ninguém,
todos seriam iguais. Magistrados sem toga, seriam homens comuns, não teriam a
importância que tem. Num dos seus raros lapsos, Rui Barbosa escreveu: “A
palavra mais bonita da língua portuguesa é magistrado”, 60 anos depois, não
para contestar apenas para registrar escrevi: “A palavra mais bonita da língua
portuguesa é MÃE”.
Mas a
palavra toga tem sido questionada. Logo no dia 1º de abril de 1964, os
golpistas enquanto resolviam suas dúvidas e ambições internas, exigiam de Auro
Moura Andrade, que empossasse na presidência da República, o presidente da
Câmara, Ranieri Mazzilli.
O
presidente do senado resistiu os generais que se dividiam entre Castelo Branco
e Costa e Silva, aumentaram a pressão. E Auro, sabendo que desarmado não
poderia durar muito tempo, desfechou, revoltando os generais: “Japona não é
toga”. Ótima frase, mas Mazzilli tomou posse por 9 dias. Até que Castelo Branco
convenceu Juscelino e Amaral Peixoto (presidente do maior partido do Brasil o
PSD, e genro de Vargas), “eu sou o melhor e mais importante para manter a
eleição de 1965”.
1965, sem eleição
A
maioria absoluta, mas não absurda de generais, queria Costa e Silva como
“presidente”, sem eleições. Mas Golbery, já na reserva e cada vez mais
poderoso, convenceu: “Castelo é o único que pode afastar a eleição, Costa e
Silva está garantido depois dele”. E lançou a prorrogação de Castelo, que
venceu por 1 voto na Câmara, com a omissão e o silêncio de Carlos Lacerda. Que
teria derrubado essa prorrogação pelo telefone.
Insisti
muito com ele, garanti: “Com 4 ou 5 telefonemas, você derruba essa
prorrogação”. Lacerda resistiu, ainda não “desembarcara” da própria
candidatura, que nunca existiu.
Eu
escrevi praticamente todo dia contra essa prorrogação “esclarecedora” (para os
generais), estava quase convencendo o governador a derrubar a permanecia de
Castelo.
A força do Doutor Julio Mesquita
Filho
72 horas
antes da votação, marcamos um almoço, no próprio Guanabara, num restaurante
simples, que Lacerda construíra para funcionários e secretários. Marcamos ao
meio dia, cheguei, encostei meu fusca no lugar de sempre, subi, a secretária me
disse: “Helio, o governador esta acabando, já vem”.
Fiquei
na janela, inesperadamente para um carro com Abreu Sodré, (que seria
“governador” de SP em 1967) e o doutor Julio Mesquita, o diretor e proprietário
do jornal “Estado de São Paulo”, o homem que tinha a maior influência pessoal
sobre Lacerda. Nem esperei, fui embora, da janela, Lacerda gritava, “não deixem
o Helio Fernandes ir embora”. Eu já estava longe.
Costa e Silva teria sido melhor
Durante
aquele dia e o outro, não atendi telefonema de Lacerda. A prorrogação foi
votada e aprovada (por um voto, como eu disse), Lacerda foi a minha casa, o que
não era incomum. Lamentou a própria omissão, pronunciou a frase de sempre, que
depois ratificou no seu livro-depoimento: “Você advinha, Helio, é impossível
acompanhá-lo”.
Contou a
conversa com o Doutor Julio. “Ele me disse, Helio, que se a prorrogação fosse
derrotada, viria novo golpe”. Perguntei imediatamente: “Pior do que esse?”. E
acrescentei: “Não podemos ficar sempre fugindo pela porta dos fundos, com medo
de outro golpe. Com resistência, tudo será melhor. Com o silêncio pelo medo e
pela opressão, nada será pior”. Foi o que aconteceu. Endurecimento em cima de
endurecimento.
Meu artigo de novembro de 1964
Fiquei
meses escrevendo, combatendo, resistindo, perseguido, mas longe do governador.
Até que resolvi dar o xeque-mate, com um artigo do qual gosto muito, e que não
precisa nem ser lido, está todo no título: “1965, Carlos Lacerda, o candidato
invencível de uma eleição que não vai haver”. Lacerda me telefonou: ”Agora você
está exagerando na adivinhação”. Não deu outra coisa, não era adivinhação e sim
analise a mais simples possível. Se estavam PRORROGANDO Castelo até 1967, como
acreditar numa eleição marcada para 1965?
A Frente-ampla
Nesse
mesmo 1965, resolvi fazer um encontro na minha casa, entre pessoas que jamais
se encontraram com Lacerda. Convidei: O brigadeiro Teixeira, grande liderança
da Aeronáutica. Wilson Fadul, coronel da FAB. Ministro da Saúde de Jango,
depois torturadíssimo no Doi-Codi, ele e a mulher.
Enio da
Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira, que muito antes, comunistíssimo
declarado, colocou no filho, o nome de Miguel Arraes da Silveira. E o jovem,
brilhante e lúcido combatente, Flávio Rangel, que depois (com o Millôr)
escrevia e dirigia o maravilhoso libelo contra a ditadura, ”Liberdade,
Liberdade”. Que tempos, que espetáculo.
O segundo encontro com outros
personagens
Iam
chegando por volta de 8 ou 9 horas, ficávamos a mesa a noite toda. Nenhuma
queixa, cobrança ou reprimenda. Conversas profundas, muito mais convergências
do que discordâncias. Fumavam muito, bebiam magnificamente, minha casa ficou
pequena. Passamos então a nos reunir na casa do empresário Alberto Lee, que
tinha uma fabrica de fio de cobre.
Muito
amigo do Enio, fizemos lá mais 6 reuniões, a casa, a mais bonita do Rio, tinha
até um rio que cortava a propriedade. Quando chegávamos, o Enio, figura
sensacional, dizia sempre: “Quando chegarmos ao Poder, aqui será a Casa dos
Escritores do Partido”.
O manifesto que fortaleceu a
ditadura
Surgiu
então a idéia de publicar essas conversas num documento que seria divulgado.
Carlos Lacerda foi encarregado de lê-lo na redação da Tribuna. A redação foi
totalmente desimpedida, no fundo só um microfone, Lacerda já não governador,
fez a leitura.
O
documento, sem título, como acontece sempre, foi rotulado pela imprensa, como
“Frente Ampla”. Jamais havíamos pensado nisso. Mas ficou. Quase 200 jornalistas
do Brasil e do mundo, convocados pelo notável Alfredo Machado, dono da Editora
Record. Que repercussão no público. Mas nas forças armadas e principalmente
entre os generais golpistas, a exigência de mais perseguições, prisões,
torturas.
Lacerda, o lamento: “Carta a um
ex-amigo fardado”
Era um
desabafo, mas a constatação de que fora abandonado. Inesquecível. Veio o fim de
Castelo, o sucessor natural era Costa e Silva, um dos raros generais
“presidentes”, não torturador. Seu vice era o civil Pedro Aleixo. Os dois
começaram a tentar construir uma Constituição e um regime democrático.
(Muitas
reuniões num apartamento da Domingos Ferreira, com José Aparecido. Tudo ia
muito bem, mas veio o derrame e a “incapacidade” de Costa e Silva, a Junta
Militar dos Três Patetas, apelidado imediatamente por este repórter). Compareci
a todas as reuniões, só não podia revelar coisa alguma.
Médici, o “presidente” torturador
Nunca se
perseguiu tanto, se prendeu tanto, se torturou tanto. Temos que registrar que
ninguém protestou, nem civis nem militares. Foi o pior momento da ditadura,
embora todos concordem ditaduras não tem bons momentos. Ficou cinco anos, um
grande inimigo. Para passar o cargo ao general Geisel, perguntou: ”Como estão
as relações do Geisel com Golbery?” (Era a sua grande preocupação. Responderam
mentindo desassombradamente: “Não se falam há anos”. Golbery era o segundo de
Geisel e às vezes mais do que isso.
A toga da Ministra
Termino
hoje, como comecei: a importância da toga. Ministra do segundo tribunal mais
importante do país, como corregedora, Eliane Calmon fez ampla investigação
sobre juízes. E concluiu com a constatação pública: “Na Justiça, existem muitos
BANDIDOS de TOGA”.
Ampla
repercussão se transformou em nome nacional. Agora, atingindo a idade limite
para permanecer no Tribunal, foi convidada, aceitou: candidata ao senado pela
Bahia, sua terra. Vai se eleger, a dúvida: em 2014, só uma vaga.
PS – Sou o sócio proprietário mais
antigo do Flamengo. E há muitos e muitos anos, membro do conselho deliberativo.
Desde que fui atropelado por uma bicicleta na Lagoa, não tenho ido às reuniões.
PS2 – Mas sempre fui oposicionista,
combati praticamente todos os presidentes que levaram o clube à falência, pela
falta de competência. Agora dizem que “sou a favor do rebaixamento do
Fluminense, pela condição no Flamengo”.
PS3 – Quantas vezes aqui mesmo,
publicamente, e antes na Tribuna da Imprensa de papel, divergi dos “donos” do
Flamengo? Estou a favor do rebaixamento do Fluminense, ele tem um “histórico
desse descenso”, só que sempre é salvo.
PS4 – E dizer que o Fluminense “não foi
parte na questão”, é o Premio Nobel da desinformação ou da má fé. O Fluminense
sempre fica neste episódio pelo menos salvou o plano de saúde.