30.5.18

É UMA GREVE POLÍTICA PARA LIMPAR A REPÚBLICA

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


É uma greve política, estúpido! Só pode ser política. Como não é política uma greve cujo foco central é uma planilha variável de preços imposta politicamente pelo presidente da Petrobrás, Pedro Parente, valendo para o diesel e outros derivados? Como não é política uma greve que transcende a Petrobrás em termos de política de preços para tornar-se uma decisão de Governo, defendida por ele com unhas e dentes, segundo ordens implícitas de petrolíferas internacionais, sobretudo norte-americanas? Como não é política uma greve que deriva do fato de que só pode ser superada com a destituição do presidente da República?

A presumível desqualificação da greve dos caminhoneiros, a ser seguida por petroleiros e eventualmente por bancários, como “política”, faz parte do processo de manipulação imposto pelo Governo e pela grande mídia para se proteger e proteger uma elite política degenerada e vendida ao grande capital e à banca. Greve “comum” é uma greve boa. Má é a greve “política”. A greve boa nasce das condições desconfortáveis de segmentos da população e pode ser resolvida com algumas migalhas que caem da mesa da classe dominante. A “política”, não, essa não pode ser facilmente comprada. E há uma terceira classe de greves.

É a greve como produto da miséria de milhões de trabalhadores. A greve que reflete a chegada a limites de tolerância. A greve que nasce de condições objetivas, não manipuláveis. Só um Governo covarde, insensível às demandas mais elementares do povo, pode deixar chegar a uma parte significativa dele uma situação de miséria objetiva, quando não vale a pena nada, nem a vida. Essa mídia canalha, cobrindo horas e horas de greve, não mostrou uma única vez, mesmo que fosse sem destaque, as condições objetivas de uma família de caminhoneiros que tenta dividir com o preço do diesel o do pão miserável de cada dia.

Até mesmo grupos de esquerda entraram na onda de que a greve dos caminhoneiros, e as dos que lhe seguirão, é uma provocação para a intervenção das Forças Armadas. São analistas tontos. Já escrevi antes que os últimos a pretenderem fazer uma intervenção militar no momento atual são os próprios militares. É que não saberiam o que fazer no governo. Não estamos em 64, quando o golpe militar foi preparado inclusive dentro dos quartéis, e teve considerável apoio civil para a ocupação do Estado pelos golpistas. Esse não é o caso agora. Onde estão os Roberto Campos, os Bulhões, o Chico Ciência da situação atual? Não existem. Se intervierem, os militares terão de governar sozinhos, sem um piloto como Castello Branco.

Só existe uma hipótese, a meu ver, de intervenção militar: se a República derreter em completo caos. Aí haverá intervenção e, para sustentá-la, um provável banho de sangue. Contudo, nossa tradição histórica é que, mesmo quando desacreditado e odiado pela opinião pública, o sistema político pode produzir anticorpos antes da degradação completa. Não estamos ainda nesse limite porque há campo de ação. O Congresso pode atuar, como atuou nas crises da morte de Getúlio, da renúncia de Jânio e da deposição de Jango. Basta um truque legislativo, e caminhamos para um bote de salvamento.

É certo que, na hipótese de destituição ou renúncia de Temer, a opinião pública não aceitaria uma linha sucessória que foi produzida pelos conluios políticos. Rodrigo Maia e Eunício Oliveira são inconfiáveis para uma sucessão “normal”. Isso exige uma solução política excepcional: a eleição indireta de um presidente interino que governe o país até as eleições de outubro. Esse presidente terá de adotar um plano de emergência para a economia, começando por soluções tópicas como a redução radical dos preços dos derivados, na medida em que isso constitui uma resposta política de confiabilidade aos que iniciaram as greves.

Essa solução política, se tivermos de caminhar para a normalidade democrática, deverá estar no contexto de um grande pacto nacional e social, de forma a pacificar os brasileiros. Tal pacto passa necessariamente por iniciativas em que ganhos e perdas se compensam em nome do interesse geral. No meu entender, a forma de encaminhá-lo seria o arquivamento definitivo de inquéritos contra o presidente Michel Temer que, em contrapartida, renunciaria; a outra contrapartida seria libertação e anulação de todas as penas impostas a Lula. Isso se resolve com um antigo instituto do Direito, a graça, e descortina um clima de liberdade e de efetiva fraternidade no país.