JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Nem todas as coisas vão de mal a pior em termos de geopolítica. Na Coréia do Norte o “homem foguete”, com evidente apoio chinês e russo, está tendo relativo sucesso em desafiar o império americano na sua sanha de governar o mundo sozinho. Mais espetacular, porém, foi o contragolpe que acaba de ser desfechado pelo Governo iraniano para desarticular o golpe armado pela CIA contra o país. Nos anos recentes, só se viu algo parecido quando a Turquia liquidou com tremenda eficiência outro golpe armado pelos americanos.
A tentativa de golpe iraniano seguiu o figurino da chamada Primavera Árabe: uma vanguarda de militantes financiados pela CIA apostou na possibilidade de incitar uma sublevação geral para quebrar a espinha do Governo e assumir o poder. Não eram bandos organizados. Eram basicamente anarquistas, americanófilos, nazistas (como na Ucrânia) sem compromisso com um projeto futuro para a nação, qualquer que fosse. Vimos isso na Líbia. A força destrutiva da CIA, ali experimentada, matou Kadafi e literalmente destruiu o país.
Fui um dos primeiros jornalistas no país e em grande parte do ocidente que percebeu a extensão do golpe que a CIA havia preparado para liquidar com o governo de Erdogan, na Turquia. Não foi uma investigação em campo, mas pura dedução. Muitos ainda se lembram do caça turco que derrubou um avião de guerra russo na fronteira da Síria. Isso, naturalmente, enfureceu Moscou. Entretanto, alguns meses depois Putin propôs uma troca de missões comerciais com a Turquia. Queria melhorar as relações entre os dois países.
Como isso aconteceu? O desenrolar do golpe, e do contragolpe, explicou tudo. O serviço secreto russo (provavelmente com apoio do muito competente serviço secreto chinês) descobriu que os norte-americanos estavam alimentando um golpe de estado contra Erdogan tendo como líder o clérigo Fathullah Gulen, dono de um vasto patrimônio pessoal na Turquia, que vai de escolas a bancos. Ele vive nos Estados Unidos e é tido pela CIA como aliado incondicional. Erdogan esperou que os golpistas botassem a cabeça para fora a fim de liquidá-los com inteligência russa e apoio militar e do povo.
O que se seguiu foi uma lição exemplar de reação ao golpismo padrão patrocinado por Washington, cujo objetivo estratégico, no caso, era tornar a Turquia um estado vassalo no plano geopolítico. No eixo do golpe estavam milhares de integrantes do corpo jurídico do país, de juízes a advogados (qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência), todos encarcerados e acusados de conspiração. Tanto os EUA quanto a Europa, tendo culpa no cartório, não ousaram condenar o contragolpe. Limitaram-se a pedir o respeito aos direitos humanos dos presos.
A compreensão desse processo é essencial para se entender o desenrolar recente das relações entre Turquia e EUA. Membro da OTAN como um Estado tampão entre o Oriente e o Ocidente, a Turquia é um aliado de extrema relevância para a Aliança militar ocidental. Entretanto, indignado com as reincidentes intervenções norte-americanas e israelenses em países como Irã e Síria, visando a sua desestabilização, Erdogan vem de ameaçar os EUA com a ruptura de relações diplomáticas e, como consequência, das relações militares.
Se isso vier a acontecer, é a primeira grande perda de OTAN desde o fim da União Soviética. Se não acontecer, é que o império ainda consegue conservar os seus limites numa posição logística confortável. Acostumada a engolir países europeus do Leste numa escalada impressionante desde o fim da União Soviética – foram 12 países, desde 1991 -, a ordem militar ocidental enfrentaria um tremendo desafio geopolítico se a Turquia cumprir a ameaça de desconectar-se do grande eixo militara do Ocidente. Em qualquer hipótese, à custa de um caça derrubado, a Rússia soube como obter seu primeiro ganho geopolítico desde a URSS. (Site parceiro: frentepelasoberania.com.br)