LUIZ ANTONIO SIMAS -
Muita gente circulando (eu só li hoje) o texto de uma jornalista brasileira residente em Nova Iorque que ganhou 5 mil dólares para prestar um serviço a Eike Batista e, por exercer dignamente o seu trabalho, teve que conviver com os chiliques do Mister X. O trecho mais chocante é quando ela diz que foi discriminada por Eike no momento em que o bilionário percebeu o seu sotaque nordestino. Cito:
"Não sabia que você era nordestina... Quase como não sabia que tinham contratado alguém com problemas de audição e fala".
A partir daquele momento, diz a autora, Eike "deixou claro que eu era um ser inferior simplesmente por falar português com sotaque pernambucano".
Só que a mesma autora, um pouquinho abaixo, ao comentar um siricotico de Eike, que cancelou uma reunião com uma turma da pesada do mercado financeiro, escreve o seguinte:
"quem estava ali não era a galera das escolas de samba do Rio de Janeiro, era gente do mercado financeiro internacional que alterou agenda de última hora".
Ou seja, aquilo do qual ela acusa Eike é exatamente o que, naturalmente, ela faz ao dizer que a gente do mercado financeiro não pode ser tratada como "a galera das escolas de samba do Rio de Janeiro". Ou seja, tratada com desprezo e pouco caso.
É interessante como um texto sobre a arrogância de Eike Batista também é bordado de alguma arrogância em muitas entrelinhas e escancara a naturalização de um preconceito mais específico contra "essa turma das escolas de samba."
O samba, 100 anos depois do Donga criar um fuzuê pelo telefone, continua sendo visto por muita gente como coisa de gentinha, coisa de menor importância, coisa folclorizante. Com boa vontade , alguns encaram o samba como um elemento pitoresco e folclórico da formação brasileira, essa música de pretos digna de alguma observação antropológica, ou que pode nos alegrar em feijoadas e caipirinhas ocasionais, e olhe lá.
A mesma turma sofisticada, aliás, adora ouvir um jazz, que não é exatamente uma criação de nórdicos.
O Eike é um arrogante preconceituoso. Ok. E acho que é isso que tem que ser mais ressaltado no texto. Mas boa parte do Brasil - vamos vestir a carapuça - também parece cultivar seus preconceitos naturalizados numa horta que é regada diariamente. Ninguém está isento de cair nessa armadilha e o que pode nos salvar é ter a consciência desse risco.
O texto me parece bem intencionado. Mas derrapa, curiosamente, ao flertar - acredito que sem sentir - com a mesma postura que, com razão, critica. A nordestina vítima de preconceito que, justamente indignada, lembra que o baronato do mercado não pode ser tratado como essa turma do samba.
Eu só acho que podiam deixar a "gentinha das escolas de samba" de fora dessa história.
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