Por LUCIANO MARTINS COSTA - Via Observatório da Imprensa -
Os jornais de terça-feira (26/5) prosseguem em sua saga
de conduzir perigosamente o noticiário entre a convicção de que os ajustes
propostos pelo governo são imprescindíveis e a aposta numa derrota da
presidente no Congresso Nacional.
Oficialmente, a posição da mídia tradicional segue o receituário do ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, interpretada textualmente pela revista Época na edição
desta semana: “Se as contas públicas não forem colocadas de novo na rota da
sustentabilidade a longo prazo, a possibilidade de o Brasil perder o grau de
investimento dado pelas agências de classificação pode vir a galope”.
Paralelamente, a imprensa segue o tumultuado processo de
reforma política, que ameaça dar à luz um monstrengo capaz de reduzir ainda
mais a já precária representatividade dos partidos.
Movido por suas próprias conveniências, o presidente da Câmara, deputado
Eduardo Cunha, resolveu de uma maneira pouco democrática a controvérsia em
torno do modelo eleitoral proposto pelo relator da comissão especial que
conduziu os debates sobre o assunto: simplesmente cancelou a reunião em que
seria aprovado o parecer e decidiu levar a questão diretamente a votação em
plenário.
Assim, uma das questões fundamentais para o aperfeiçoamento do sistema criado
na Constituição de 1988 vai ser submetida ao processo de aprovação ponto a
ponto, sem um texto-base, o que pode produzir um Frankenstein muito conveniente
para os parlamentares que já possuem seus currais eleitorais, dificultando o
surgimento de novas representações políticas e abortando a possibilidade de
futuras lideranças nascidas de forma autêntica nas comunidades.
O perfil de Cunha e a capacidade de articulação que ele proporciona ao chamado
“baixo clero” do Congresso fazem supor que serão beneficiados os grupos mais
conservadores, como a bancada das igrejas neopentecostais, as celebridades que
possuem acesso à mídia e os conglomerados delobbies que se elegem a serviço de
setores específicos do mundo dos negócios, quase sempre à revelia da sociedade
como um todo.
É nessas confrarias que se mobilizam as principais forças que vêm tentando
produzir retrocessos em políticas sociais consagradas pela Constituição há mais
de duas décadas.
O jogo da especulação
A rigor, segundo alguns analistas, o que deseja Eduardo Cunha, como intérprete
dos habitantes dessa planície política que representa a si mesma, é produzir
mudanças pontuais, sem atacar a questão da baixa densidade dos partidos. A
questão do financiamento de campanha, por exemplo, tende a continuar igual, com
o sistema misto formado pelo financiamento público e doações privadas.
Os reclamos da sociedade, refletidos pela imprensa aqui e ali pela boca de alguns
articulistas, seriam parcialmente atendidos na regulamentação da matéria, com
uma legislação específica limitando os repasses de empresas a partidos e
candidatos.
Como se sabe, há mil e uma maneiras de dissimular o financiamento direto de
determinado setor da economia a parlamentares. Os sucessivos escândalos que
denunciam a vinculação entre contratos de obras públicas e doações de campanha
demonstram como funcionam essas relações viciadas, mas o público em geral fica
conhecendo apenas parte das histórias, porque a imprensa decidiu que esse
sistema acaba de ser criado. Absolutamente todos os casos de corrupção que
envolvem partidos da oposição ao governo federal desapareceram do noticiário.
No caso das propostas de ajuste das contas públicas, os jornais trataram a
ausência do ministro Joaquim Levy no anúncio do contingenciamento do orçamento
federal, na sexta-feira (22/5), como um sinal de discordância em relação ao
valor definido pelo Planalto. Foi preciso que o ministro se apresentasse
pessoalmente, garantindo ter aprovado o tamanho do bloqueio, de quase R$ 70
bilhões, para interromper a escalada da especulação e evitar maiores danos.
A pergunta que não quer calar: quem inventou a história de que o ministro da
Fazenda se ausentou do evento por discordar da decisão da presidente da
República, e que estaria até cogitando se demitir?
Por que essa especulação teve mais credibilidade nas redações do que o fato de
o ministro ter se referido a esse corte dias antes, em conversas com
empresários registradas pela própria imprensa?



