Por NUNO RAMOS DE ALMEIDA - Via Outras Palavras -
"Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Conosco quando estamos sós”
Natália Correia
Ideologia dominante convida: após a juventude, aceitemos o capitalismo como inevitável. Para resistir, é preciso compreender que o possível não se resume ao real |
Há um texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano em que ele confessa a
humilhação que sofre no barbeiro por lhe cobrarem apenas meio corte.
Não acreditando no ditado de que é dos carecas que elas gostam mais,
Galeano deixa cair uma frase que lhe alivia um certo sentimento de
inferiorização diária: “Se o cabelo fosse importante, estaria dentro da
cabeça e não fora”, e logo acrescenta convictamente: “Consolo-me
comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus cabelos mas
nenhuma das minhas ideias, o que é uma alegria quando penso em todos
esses arrependidos que andam por aí.”
Há uma raça de pessoas que normalmente cita, como atestado de bom
comportamento, a famosa frase de recorte autobiográfico atribuída ao
ex-chanceler alemão Willy Brandt de que “quem aos vinte anos não é
comunista não tem coração e quem assim permanece aos quarenta não tem
inteligência”.
No fundo cresceríamos com a idade. O processo de um tipo se tornar
adulto passaria por uma juventude em que começamos por não aceitar o
mundo tal qual existe com todas as suas gritantes injustiças, e
sobretudo acharíamos que temos forças para tudo mudar. A esse estado
suceder-se-ia o choque da realidade, o bom senso e o crédito à habitação
e as prestações dos eletrodomésticos, de tal maneira que aos 40
saberíamos que temos de aceitar “as coisas” e tentar viver da forma mais
confortável no melhor dos mundos possíveis.
Exemplo radical deste tipo de conversão à realidade existente é, e
Portugal, o de uma cáfila de maoístas como Durão Barroso, que passaram
de gritar loas à revolução e a um grande líder qualquer a gritar vivas
ao mercado e a servi-lo pelo maior ordenado possível, dizendo para isso o
disparate mais gigantesco para provar a conversão.
Neste processo de chegada à idade adulta não faríamos mais que
aceitar as nossas inevitáveis limitações e preparar-nos para viver a
realidade. A ideologia dominante não faria mais que assegurar que este
capitalismo e este mundo estariam aqui para sempre. E, como a cultura
popular e os maus filmes de ficção científica demonstram, é mais fácil
imaginar uma grande catástrofe que destruísse o planeta, ou mesmo uma
invasão de extraterrestres, que a simples mudança de um regime e modo de
produção injusto, que desperdiça recursos e destrói o planeta. O
capitalismo será, segundo este pensamento que pretendem coagir-nos a
aceitar, a realidade que sobreviveria ao fim mesmo de toda a realidade:
as máquinas automáticas venderiam Coca-Cola mesmo que os seres humanos
desaparecessem para as consumir.
Neste horizonte inultrapassável estaríamos sempre condenados a
escolher entre políticos tão excitantes e diferentes como António José
Seguro, António Costa e Passos Coelho.
O nosso principal problema está nessa mesma aceitação da realidade
como elemento estruturante do possível. Se consideramos que viveremos
sempre num regime de banqueiros, em que os lucros têm eles e os
prejuízos pagamos nós; se achamos inevitável ficarmos com uma democracia
em que, independentemente do nosso voto, os políticos fazem o que lhes
apetece; se transigimos com a continuação de um regime de corrupção
“normal”, em que o contribuinte paga os contratos ruinosos que os
políticos assinam com grupos com quem vão depois trabalhar; então temos a
realidade que merecemos e vamos deixá-la em herança aos nossos netos.
A existência de situações de injustiça não decorre de sermos adultos, mas de sermos parvos.