CARLOS CHAGAS -
Sessenta anos atrás, 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas saía da
vida para entrar na História. Graças a ele, os valores do trabalho
viram-se reconhecidos depois de séculos de espoliação promovida pelo
capital. Salário mínimo, jornada de oito horas, pagamento de horas
extraordinárias, férias remuneradas, pensões, aposentadorias, saúde e
educação atendidas pelo poder público, estabilidade no emprego e outros
direitos trabalhistas foram estabelecidos pelo inesquecível presidente
da Republica, que ia ser deposto pela segunda vez precisamente por suas
realizações sociais. À humilhação, preferiu dar um tiro no peito.
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo
coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam,
insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não
continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os
humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e
espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me
chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e
instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao
governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos
internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o
regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi
detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se
desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização
das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a
funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada
até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro
da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros
das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de
valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100
milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso
principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma
violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a
ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma
pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo
esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se
queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as
aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o
povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem,
sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à
vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e
vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força
para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a
vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal
na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao
ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo
de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício
ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não
abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha
morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da
eternidade e saio da vida para entrar na História.