Via Opera Mundi -
Em visita recente ao México, ideólogo da corrente progressista da Igreja
Católica analisou a canonização do pontífice polonês, morto em 2005.
Frei Betto: um processo de canonização se faz, hoje em dia, à base de lobbies e muito dinheiro. |
Em um contexto de entusiasmo generalizado no mundo católico, o papa
Francisco canonizou, na Cidade do Vaticano, Karol Józef Wojtyla, mais
conhecido por seu nome de papa: João Paulo II.
Na América Latina, a figura de João Paulo II se associa a momentos de
intensa emoção entre os fiéis de um continente, em sua maioria católica,
mas também está relacionado a algumas críticas, sobretudo por suas
visitas a ditadores ou personagens que se revelaram vergonhosos. Ao
mesmo tempo, a região sempre foi para João Paulo II uma região
importante, considerando que em seu pontificado de 27 anos visitou o
subcontinente 18 vezes.
Em uma entrevista concedida cerca de 10 anos atrás, na Itália, o teólogo
da libertação nicaraguense e frade da Ordem Trapista Ernesto Cardenal
contou sua experiência em 1983, quando João Paulo II chegou à Nicarágua e
o admoestou publicamente por pertencer ao recém-nascido governo
revolucionário Sandinista. Há poucas semanas, Cardenal definiu como “uma
monstruosidade” a canonização do Papa.
Em breve entrevista a Opera Mundi, durante passagem pela Cidade do México, o teólogo da libertação brasileiro Frei Betto comenta a canonização do novo santo.
Opera Mundi: Como pode ser definida a relação de João Paulo II com a Teologia da Libertação na América Latina?
Frei Betto: João Paulo II era um homem conservador que, quando foi
bispo do Concílio Vaticano II, sempre votou com os conservadores.
Anticomunista visceral, jamais entendeu ou assimilou a Teologia da
Libertação. Mas não chegou a condená-la. Embora tenha punido teólogos da
Teologia da Libertação, como Leonardo Boff (sem jamais excomungá-los), e
orientado o cardeal Joseph Ratzinger, que posteriormente se tornaria o
papa Bento XVI, a emitir duas instruções de censura à Teologia da
Libertação, ele chegou a declarar que era “útil e necessária à Igreja na
América Latina”, em carta à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil).
Opera Mundi: Como senhor vê a relação que João Paulo II sempre
manteve com o ditador chileno Augusto Pinochet e isso influencia no
processo de canonização?
FB: Um processo de canonização se faz, hoje em dia, à base de lobbies e
muito dinheiro. Josemaría Escrivá, fundador da Opus Dei, é outro cuja
santidade se põe em questão. De fato, todos os santos, sem exceção,
foram pecadores. Um homem ou uma mulher devem ser proclamados santos
quando servem de exemplo aos atuais cristãos. E não me parece ser bem o
caso de João Paulo II, que apoiou Pinochet e Ronald Reagan,
ex-presidente dos Estados Unidos, dois notórios terroristas.
No México, foi um escândalo a proteção que João Paulo II deu a Marcial
Maciel e à Legião de Cristo, a congregação conservadora fundada pelo
sacerdote mexicano em 1941. O escândalo que surgiu em 1997, depois de
alguns ex-membros da congregação o denunciarem por meio de uma carta
aberta ao papa, dizerem que tinham sofrido abusos sexuais, desembocou em
um processo interno que a Igreja interrompeu pela idade avançada de
Maciel.
João Paulo II apoiou tudo aquilo que reforçava sua postura conservadora
e anticomunista. Ele morreu sem conhecer em detalhes as orgias e
corrupções de Maciel. Repito que nenhum santo esteve isento de pecados.
Todos devem orar diariamente ‘perdoai as nossas ofensas’, inclusive o
papa. Mas é preciso que o testemunho de vida do cristão proclamado santo
sirva de exemplo hoje, o que é o caso de muitos canonizados pela
Igreja. Consola-me saber que os verdadeiros santos são ‘canonizados’
pela fé do povo, como o padre Cícero no Brasil.
Opera Mundi: Quais foram as contribuições mais importantes de João Paulo II à região?
FB: Os discursos contra o neoliberalismo proferidos em sua última
viagem ao México e sua exitosa viagem a Cuba, quando se tornou amigo de
Fidel Castro e defendeu as conquistas sociais da Revolução, para horror
da Casa Branca.
Mas, a visão em perspectiva do pontificado de João Paulo II retrata que
os anos de seu pontificado foram para desmontar a Igreja progressista
iniciada com João XXIII e continuada por Paulo VI. E combater o
comunismo, apoiando o sindicato Solidariedade na Polônia e ajudando a
derrubar o Muro de Berlim. Felizmente, agora, temos o papa Francisco,
muito mais aberto e declaradamente favorável à opção pelos pobres.