27.5.14

Meninas nigerianas, proteção e interesse

Via Outras Palavras - 
 
E se preocupação ocidental não forem garotas sequestradas, mas ampliar presença militar na África e afastar China das fontes de petróleo?
O fato de o casal Obama encabeçar a campanha sensacionalista para a libertação das 234 garotas escolares sequestradas na Nigéria por um grupo terrorista levanta várias perguntas:

1. Por que apenas há duas semanas, se as escolares foram raptadas em 14 de abril? Meses antes, o mesmo grupo havia matado em torno de 1500 crianças e adultos e isso não feriu a sensibilidade dos que hoje agitam a bandeira dos direitos humanos.

2. A cada semana, dezenas de civis no Afeganistão, Paquistão e Iêmen são assassinados ou mutilados pelas bombas lançadas por drones norte-americanos. Por que ninguém pede o envio de comandos aos Estados Unidos para deter os responsáveis por estes atos terroristas?

3. Com que autoridade moral se enviam militares norte-americanos para resgatar estas jovens sequestradas por delinquentes sociais, se eles mesmo, como coletivo, têm sido acusados não só por abusos sexuais a mulheres iraquianas e afegãs (tinham ido a seus países, diziam, para protegê-las), mas também a suas próprias companheiras? Em 2014 foram feitas 5461 denúncias. Uma soldado norte-americana, no Iraque ou no Afeganistão, tinha mais probabilidade de ser estuprada por seu companheiro do que abatida pelo inimigo.

4. Por que lhes preocupam estas pobres garotinhas, e não as 683 mil mulheres norte-americanas, em sua maioria negras e pobres, que são raptadas e ou violentadas a cada ano? Nos EUA, 83% das meninas em idade entre 12 e 16 anos são vítimas de agressão sexual (apenas em escolas públicas), da mesma forma que outros 800 mil menores de dez anos, sem que tenha havido qualquer campanha para atacar este problema vergonhoso, lá e em outros países do mundo.

Da Europa, os governantes ricos e brancos, que afogam os exilados africanos em seus mares, são capazes de publicar na internet fotos de solidariedade. Mentirosos! Estão defendendo seus próprios interesses sempre infames, ontem com o tema da burca das afegãs e agora aproveitando-se da tragédia destas garotas.

O grupo Boko Haram (também conhecido como Jama’atu Ahlis Sunna wal-Jihad Lidda’awati, ou seja “Sociedade sunita para a propagação do Jihad”) cometeu, da mesma forma que o outro grupo islâmico Ansaru, dezenas de atentados indiscriminados, matando os que consideram kafar (do árabe Kofr: ditos e atos de pessoas de qualquer credo que negue os princípios básicos do Islã), assim como os ateus, muçulmanos laicos ou não praticantes e os cristãos que consideram Jesus como Deus ou filho de Deus. Suas ações, tais quais seus discursos, oferecem um pretexto perfeito para uma militarização maior da África e para que os xenófobos sigam com seu trunfo de ouro: a “guerra das civilizações”. 

Volta o fator “petróleo” 

A Nigéria é o quarto maior exportador mundial de gás natural liquefeito e o maior produtor de petróleo (de alta qualidade e fácil de refinar) da África. Produz 2,5 milhões de barris por dia. Até 2011, os EUA eram o destino de 70% do petróleo nigeriano. Em seguida, e após o descobrimento do gás de xisto nas terras norte-americanas, esta quantidade caiu 15%. Por isso, o governo do presidente Goodluck Jonatan ofereceu à China — que investiu uns 10 bilhões de dólares na indústria petrolífera nigeriana –a possibilidade de comprar o que sobra. Mas, uma coisa é que os EUA não necessite deste petróleo, e outra bem diferente é que permita que acabe em mãos de seu principal rival. Para bloquear o avanço econômico da China, Washington já tentou cortar-lhe as vias do fornecimento da energia proveniente do Sudão, Líbia, Mali e Irã.

Os africanos veem na China uma alternativa (que onde se instala, geralmente constrói escolas, habitações sociais etc) às petroleiras ocidentais que há décadas destroem o país. Estes não apenas gratificam os rebeldes e terroristas — para que lhes deixem em paz e não sabotem os oleodutos –, mas também subornam os mesmos funcionários para que o petróleo seja vendido “no escuro” — ou seja, sem pagar os impostos. Ganham 140 bilhões de dólares por ano, enquanto 70% dos 160 milhões de habitantes do país vive com menos de dois dólares por dia.

O Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (MEND), um grupo armado que realiza atos de sabotagem sobre os oleodutos do Royal Dutch Shell e Chevron Corp., denuncia o desastre ecológico que estas empresas provocaram: tubos defeituosos, por onde o combustível vaza para cultivos e fontes d’água, cruzam também as ruas de milhares de pessoas — que sobrevivem em favelas e sem eletricidade, sem escola, sem hospital e onde as doenças galopam.

A Shell foi acusada, em 1995, de colaborar com o governo na execução de ativistas nigerianos, entre os quais encontrava-se Ken Saro-Wiwa Saltar, escritor de 54 anos e candidato do Nobel da Literatura.

Segundo os ambientalistas, cerca de 1,5 milhões de toneladas de petróleo foram derramadas no delta do Níger. As empresas Shell, ExxonMobil, Chevron, Total e Eni não querem concorrência ali, sobretudo se for chinesa. 

O Africom busca uma sede 

Os Estados Unidos controlam a África através do Comando Central (Centcom), do Comando do Pacífico (Pacom) e do Comando Europeu (Eucom). Além disso, contam com a estratégica base militar de Yibuti e a Estação de Colaboração com a África no Golfo da Guiné. A criação [em 2007] do Africom foi um capricho para apertar ainda mais o parafuso nestas terras.

Controlar os imensos recursos naturais, limitar o acesso da China a eles e buscar uma sede no continente negro para a Africom — cuja missão consiste em proteger os interesses dos EUA na África — são os três pilares da estratégia norte-americana nesta parte do mundo.

A Comunidade de Desenvolvimento da África Meridional (SADC) e os 15 países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, a Nigéria inclusa, além de se negarem a acolher o quartel general da Africom — atualmente em Stuttgart, Alemanha — mostrou sua oposição à presença das tropas norte-americanas em seus países. A União Africana afirma que são capazes de defender e proteger sua própria terra e não necessitam de soldados americanos.

O terrível assassinato de Kadafi e a queda do Estado líbio (convenientemente liquidado) nas mãos da OTAN aumentaram as reticências sobre as pretensões de Washington. Mesmo assim, em 2012, Obama utilizou seus poderes especiais enviando mais militares à Nigéria, sob o pretexto da luta contra a “filial da Al Qaeda”. Curiosamente, o grupo Buko Haram recebe financiamento da Arábia Saudita — amiga íntima do Ocidente –, assim como os jihadistas afegãos, chechenos, líbios, sírios etc, que além disso receberam treinamento e apoio logístico da OTAN. Os efetivos dos Estados Unidos já estão estabelecidos da Nigéria e logo farão o mesmo os militares britânicos.

Algumas ações mais dos talibãs africanos, um pouco mais de publicidade nos meios de comunicação ocidentais e o Pentágono poderá ter suas bases militares na Nigéria.

Francois Bozizé, presidente da República Centro-Africana, derrocado em 2013 por um golpe de estado parecido com o da Ucrânia, observa que foi a assinatura de um grande acordo petrolífero com a China o principal motivo de sua queda.

A mensagem do governo francês e da Casa Brancaa Goodluck Jonatham presidente da Nigéria, foi clara: “você não viu o que aconteceu com seu vizinho?

O ditador, que durante três semanas tentou ignorar o sequestro das garotas e a morte de trezentas pessoas pelo mesmo grupo, afirma — desde sua cadeira do G-20 e apesar da dantesca paisagem social — que a Nigéria caindo aos pedaços, subdesenvolvida, ultrajada e roubada “vai bem”, e, com militares anglo-americanos, incluirá, “irá melhor”.

Esperamos que a superpotência, que possui artefatos capazes de descobrir um exoplaneta similar à terra a 500 anos luz, consiga localizar e recuperar as garotas, e assim elevar a popularidade, caída pelo chão, do presidente Obama. Senão, não tem problema. A notícia é retirada das manchetes e esquecida — assim que o objetivo verdadeiro da denúncia estiver cumprido… 

*Texto de Nazanín Armanian | Tradução: Gabriela Leite.