19.2.14

SOMOS UM RIO ENGARRAFADO

Via Mídia Informal -


Recentemente passamos a frente de nossa vizinha São Paulo e alcançamos a terceira posição entre as cidades com os maiores congestionamentos de trânsito no planeta, isso antes do fechamento do mergulhão da Praça XV e da mão dupla na Rio Branco, o que pode nos levar ao topo da lista em breve. 

Os cariocas vivem um inferno nas ruas da cidade, atormentados por engarrafamentos gigantescos e constantes, que se espalham por todos os bairros da cidade e se depender do trabalho da equipe da Prefeitura, capitaneada pelo sempre sorridente secretário de transportes Carlos Osório (aquele que deixou o Papa Francisco em um engarrafamento na Presidente Vargas), o aumento do imbróglio é uma certeza.

Felizmente tem chovido pouco, pois jogaram um trânsito pesadíssimo em ruas pequenas como a Camerino e Avenida Passos e na recém inaugurada Binário do Porto, que entrou em serviço sem que o sistema de drenagem fosse concluído. Garantem que os transtornos serão temporários, que ao final das grandes obras tudo vai fluir melhor. 

É confiar que as autoridades entreguem o prometido, as mesmas autoridades sob cujos narizes sumiram sem deixar vestígios as 12 vigas de aço gigantescas da Perimetral. O que vemos com o BRT, que menos de um ano após a inauguração já tem que ter o piso da via reformado e as estações não comportam a demanda desde o primeiro dia de funcionamento, não é para deixar ninguém animado.

O Prefeito sugere a população que como alternativa use os transportes públicos. Aí é que o carioca tem que mostrar o seu valor: todos superlotados, de baixa qualidade e caros, muito caros. Conversei esses dias com um turista na barca para Niterói, que não conseguia entender como uma viagem de 20 minutos de balsa podia custar cerca de US$ 2,00. Imaginem esse sistema já em colapso recebendo milhares de novos usuários que não conseguem andar com seus automóveis.

Será que o cidadão que comprou o seu carrinho, muitas vezes com sacrifício pagando longos financiamentos, para ter um pouco de conforto vai começar a se espremer nos coletivos cariocas? É ver para crer e apostar que os engarrafamentos se tornem tão medonhos que seja melhor ir para o trabalho suando e apertado como uma sardinha em lata.

Penso que dois fatores um de ordem política e outro de natureza estrutural e sistêmica nos condenam inapelavelmente ao caos urbano crescente. Politicamente nossa cidadania é muito frágil e a lógica estruturante dos transportes públicos não é atender ao público, mas gerar lucro para as operadoras concessionárias, que trazem no bolso nossos governantes e legisladores. Imagine se em algum lugar civilizado seria aceita a situação que nós vivemos placidamente por anos: se a Companhia do Metrô for multada quem vai apresentar o recurso ao Estado é o escritório da mulher do governador. Onde mais uma promiscuidade dessas seria tolerada? Lembram da CPI dos ônibus na Câmara Municipal do Rio?

Em que pese o esperneio de parte da população que vem se manifestando contra essa vergonha, o poder dominante parece ter fôlego suficiente para manter esse status quo por um longo tempo, quaisquer que sejam os resultados eleitorais na Cidade, no Estado e na União. Se na arena política o povo ainda vai ter que roer um osso duríssimo para se livrar desses tubarões, outro fator de ordem macroeconômica é ainda muito mais difícil de reverter.

Absorvemos junto com a influência econômica de nossos irmãos do norte o rodoviarismo. O poder da indústria automobilística, constantemente agraciada com isenções fiscais e mimos de toda natureza de nossos governantes, é expressão de uma cultura arraigada em nossa sociedade, de colocar o automóvel em papel de destaque entre os inúmeros itens disponíveis em nossa sociedade de consumo. 

Uma verdadeira avalanche de propaganda direta ou subliminar transformou o carro quase em um fetiche para um sem número de pessoas, sua posse e uso corresponde de certa forma aos píncaros de realização em nossa sociedade individualista e consumista, um veículo que pode levá-lo encapsulado a qualquer parte, onde você é o senhor e feliz proprietário, um símbolo de status e objeto de desejo de nove entre dez habitantes urbanos. 

A despeito do saturamento das vias em nossas cidades a frota cresce a passos largos, a sensação é que se todos os proprietários de veículos resolvessem botá-los nas ruas ao mesmo tempo, a maioria sequer sairia de suas garagens, uma realidade completamente diferente do que vemos nas propagandas das montadoras em que seus carros correm em ruas vazias sem a concorrência presente.

O aumento crescente da frota e dos congestionamentos trouxe ainda um outro componente dramático, o crescimento exponencial do licenciamento de motocicletas, acompanhado pela explosão dos números da mortalidade, bem como das sequelas graves deixadas nos acidentes de trânsito. O tempo cada vez maior gasto nos deslocamentos é um componente importante da queda de qualidade de vida em nossas cidades, de aumento de custos para as atividades econômicas e de ineficiência para os serviços em geral – o pior dos mundos. 

Uma equação cada vez mais difícil de fechar e que tende ao impasse do sistema: um número cada vez maior de unidades circulando no mesmo espaço, em nosso caso aqui no Rio até espaço menor. Soluções alternativas como o uso da bicicleta, horário escalonado, trabalho no próprio domicílio e a utilização mais inteligente dos recursos estão longe de chegar a atenuar os nossos problemas de mobilidade. Resta ao carioca reunir todas as suas reservas de paciência, pois ao que parece está ruim para todo mundo, mas para nós está pior, exceção feita, é claro, para a turma do helicóptero.

*Texto Eduardo Paparguerius.