13.2.14

ADVOGADOS VOLUNTÁRIOS SOFREM AMEAÇAS DE MORTE

Via Coletivo Carranca -
O direito constitucional à ampla defesa, à livre manifestação e expressão e o Estado Democrático de Direito têm sido garantidos à unha, também nas ruas, com a atuação de dezenas de advogados que, de forma voluntária e gratuita, seguem a pé pelas manifestações, sob tiro, porrada e bomba da PM ou chuva, e em plantões virtuais e presenciais que se arrastam madrugada a dentro pelas delegacias. Quem acompanha este trabalho de assistência jurídica a militantes que têm seus direitos violados e sofrem retaliação das forças policiais que tentam a todo custo criminalizar manifestações sabe que se este trabalho não existisse, Bangu estaria lotado de inocentes, não raro sob provas forjadas ou acusações descabidas como as famosas, nos últimos meses, “quadrilhas de um”.

A iniciativa tem sido reconhecida não só por parte da sociedade, mas também por parte da imprensa nacional e estrangeira, além da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), de parte da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro e até do Governo Federal, que numa cerimônia banhada de constrangimento e legitimidade fez a Presidente Dilma, em novembro de 2013, entregar um prêmio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ao grupo Habeas Corpus Rio de Janeiro (HCRJ) pelo trabalho de seus advogados voluntários, desde junho nas manifestações.
O Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH), também presente nas manifestações do Rio, e que atuou nas chacinas do Alemão e Vigário Geral, com as famílias de Acari, no caso Amarildo e outros de violência policial, principalmente em favelas “pacificadas”, foi alvo do jornal O Globo, no último dia 10-02, em matéria que aponta um de seus advogados voluntários, Thiago Melo, como assessor parlamentar do Deputado Estadual Marcelo Freixo, do PSOL, a bola da vez desde o último fim de semana. Se não bastasse o claro factoide político em ano eleitoral, no mesmo dia dois advogados do DDH receberam telefonemas de ameaça de morte com “recados” vinculados às suas atuações junto aos manifestantes.
Para Felipe Coelho, advogado voluntário do DDH, não foi a primeira vez. Ainda em junho de 2013, uma pessoa forte, alta, calça jeans e tênis de corrida teria, dentro de uma delegacia, falado para tomar cuidado senão “sobraria para ele”. O “conselheiro” não foi mais visto, pelo menos não se lembra de tê-lo visto. Mas no último dia 10 os recados foram mais diretos. Desta vez, 4 telefonemas no celular que Coelho usa no DDH, com ameaças de morte e um quinto telefonema recebido por outro advogado voluntário do DDH, Hugo Pontes, também com ameaças.
Procuramos Felipe Coelho, a partir de seu post em sua página no Facebook, para saber como isso aconteceu.
***
Coletivo Carranca – COMO FORAM ESSAS LIGAÇÕES? UMA ÚNICA VOZ? MASCULINA, FEMININA?
Felipe Coelho – Foram ligações anônimas, de números restritos, e eram vozes masculinas. Feitas em horários diferentes, perguntavam onde estava e se eu ainda estava na ONG e se eu iria na DP ver o assassino se entregar e que era para tomar cuidado porque poderiam estar atrás da gente. Numa outra disseram que era advogado de bandido e que o próximo seria eu. Por fim, perguntaram se eu estaria no ato de hoje (dia 10, contra o aumento de passagens), se o plantão era meu e que era para tomar cuidado, que a coisa poderia ficar ruim para gente também, pois quem defende bandido, bandido é. Esse tipo de coisa. Eram vozes diferentes, talvez a primeira e a terceira ligação possa ter sido da mesma pessoa, as outras eram de outra com certeza.
Coletivo Carranca – SOBRE OS TELEFONEMAS, QUE PROVIDÊNCIA TOMOU OU PRETENDE TOMAR ALÉM DE PUBLICAR EM SEU PERFIL NO FACEBOOK A DENÚNCIA?
Felipe Coelho – Ainda não tomei nenhuma providência por enquanto. Ainda estou na dúvida se ir à polícia muda alguma coisa nessa situação. Acho que o melhor seria buscar ajuda dos coletivos, para que essa tentativa de criminalizar a advocacia tenha fim. Seja através de notas ou demonstração de apoio. Mas qualquer medida que eu venha tomar, tomarei coletivamente. Afinal, acho que as ameaças não foram para mim, Felipe Coelho, mas para os advogados que trabalham na manifestação como um todo.
Coletivo Carranca – TEM IDEIA DE ONDE PARTIRIAM TAIS AMEAÇAS?
Felipe Coelho – Acho que eu fui o alvo por ser figurinha mais fácil e o meu telefone estar disponível para os plantões no dia para as delegacias. Assim como o Hugo (Pontes) do DDH também (o outro advogado que foi ameaçado por telefone). Não faço a menor idéia de quem poderia nos ameaçar, acho que os ânimos se acirraram depois do episódio do cinegrafista (Santiago Andrade, morto ao ser atingido na cabeça por um artefato explosivo) e eles estão se aproveitando disso.
Coletivo Carranca – ELES QUEM? PORQUE APESAR DE VOCÊ DIZER QUE NÃO FAZ IDEIA, QUE TIPO DE INTERESSE ESTARIA POR TRÁS DE UMA ATITUDE COMO ESSA?
Felipe Coelho – Bem, existe uma gama de pessoas que não aprovam as manifestações e o fato de estarmos nas ruas defendendo os manifestantes. Isso incomoda essas pessoas. É possível ver comentários na nossa página e em outras denegrindo o trabalho dos advogados. Somado a isso, hoje saiu uma reportagem de O Globo leviana e desnecessária falando de um diretor do DDH. Não somos protagonistas de nada, apenas fazemos o trabalho para o qual temos vocação, não entendo por que nos fazer de alvo. Só se o objetivo for nos assustar e cansar para deixarmos de fazer o que temos feito desde maio do ano passado.
Coletivo Carranca – SENDO UM TRABALHO QUE DAQUI A POUCO COMPLETA UM ANO NAS RUAS, POR QUE AGORA?
Felipe Coelho – Talvez porque agora os ânimos estão mais acirrados, com o aumento da passagem e com a proximidade da Copa, prevejo uma radicalização das ações governamentais e da polícia para que as manifestações percam força e não tenham fôlego para durar até lá. Acho que ameaçar, suspeitar e tentar desarticular o trabalho dos advogados que defendem os manifestantes, talvez seja uma estratégia para quem está incomodado com as manifestações e com o nosso trabalho.
Coletivo Carranca – APARENTEMENTE INTERESSA AOS GOVERNOS DO ESTADO, FEDERAL E A PARTE DA GRANDE MÍDIA, POR INTERESSES COMERCIAIS, O FIM DAS MANIFESTAÇÕES, MAS AMEAÇA POR TELEFONE NÃO SERIA INICIATIVA INSTITUCIONAL. FORA OS GOVERNOS E A MÍDIA, É POSSÍVEL ACREDITAR QUE EXISTAM OUTROS GRUPOS INTERESSADOS NESSA DESARTICULAÇÃO?
Felipe Coelho – Não sei quem possa estar interessado em que um cidadão não seja defendido por um advogado em seu sagrado direito constitucional de defesa. A quem interessa que os manifestantes não tenham defesa? Se a maioria dos manifestantes estão soltos, não é porque os advogados são mágicos, mas sim porque sua defesa conseguiu provar que os manifestantes em sua grande maioria não são criminosos. Que os manifestantes não merecem o cárcere e sim voltar para as ruas. Acho que o trabalho do advogado militante incomoda, pois ele de forma gratuita e voluntária oferece um trabalho técnico que livra os manifestantes de diversas e infundadas acusações. Para isto basta ver o número de acusados pela polícia e pelo Ministério Público e quantas delas continuam presas.
Coletivo Carranca – PODE NOS DIZER OS HORÁRIOS, MAIS OU MENOS, QUE OCORRERAM AS LIGAÇÕES, E QUAL O TEMPO MÉDIO DE DURAÇÃO DE CADA UMA?
Felipe Coelho – Foram às 17h33, 19h22, 20h55 e 21h29. As ligações foram rápidas; a que mais demorou foi a das 19h22, que durou pelo menos uns 2 a 3 minutos e foi a que perguntou se eu ia à DP, que o assassino iria se entregar, e era para ter cuidado, pois os próximos a serem investigados poderiam ser a gente, que era bom ter cuidado que isso e aquilo. As outras ou eu ou a pessoa desligava logo.
Coletivo Carranca – OU SEJA, QUEM LIGOU SABIA QUE LOGO O “ASSASSINO” IRIA SE ENTREGAR… VOCÊ LEMBRA SE ESSE COMENTÁRIO FOI SOBRE O CAIO, O SUSPEITO DE TER ACENDIDO O ROJÃO?
Felipe Coelho – Sim, falava do Caio. Ele disse que estava na DP e muitos jornalistas estavam lá. Perguntava se eu ia lá e que era para tomar cuidado.
Coletivo Carranca – QUEM LIGOU DISSE ESTAR LIGANDO DA DP (NÃO NECESSARIAMENTE DE UM TELEFONE DE LÁ, MAS FISICAMENTE DE LÁ)?
Felipe Coelho – Sim. Não sei qual é o telefone, mas ele disse que estava lá em frente à DP.
Coletivo Carranca – AS AMEAÇAS LHE CAUSAM MEDO? RECEBÊ-LAS MODIFICA DE ALGUMA MANEIRA SEU ÍMPETO DE IR AS RUAS?
Felipe Coelho – Não me dá medo não, não me afastará do meu trabalho, mas me cansa muito, de ontem (10-02) para hoje tenho me sentido exausto.
Coletivo Carranca – FABIO RAPOSO (O PRIMEIRO ACUSADO NO CASO SANTIAGO) TEM PASSAGENS POR DPS EM MANIFESTAÇÕES, DEDUZIMOS QUE SÃO AQUELAS, ALGUMAS VEZES, ARBITRÁRIAS EM TANTAS MANIFESTAÇÕES – FORMAÇÃO DE QUADRILHA, DESACATO, ETC. – O QUE, DIANTE DO HISTÓRICO QUE TEMOS, NÃO DÁ PARA AFERIR CREDIBILIDADE A TODAS AS ACUSAÇÕES. VOCÊ TEVE OPORTUNIDADE DE CONHECER FÁBIO RAPOSO, OU ATÉ MESMO O CAIO, EM ALGUMA OCORRÊNCIA QUE POR VENTURA TENHA ATUADO?
Felipe Coelho – O Caio não, vi as fotos dele, mas nem mesmo da rua o reconheço. O Fábio Raposo atendemos ele, se não me engano na 9ª DP, não tive contato pessoal com ele ou se tive não lembro, mas sei que o DDH o atendeu. E lembro dele na delegacia.
Coletivo Carranca – LEMBRA EM QUAL MANIFESTAÇÃO?
Felipe Coelho – Na 9ª DP só tive duas ocorrências que eu participei. A que o integrante da Mídia Ninja foi detido (22-07-2013) e a que a PM lançou bomba de efeito moral na delegacia e teve briga entre a policial civil e a militar (14-08-2013). Foi uma das duas, mas não lembro qual. (Confirmou depois ter sido no dia da bomba que aconteceu o atendimento a Fábio).
Coletivo Carranca – VOCÊ VÊ RELAÇÃO COM OS FATOS A PARTIR DA MANIFESTAÇÃO DE 6 DE FEVEREIRO, COM A MORTE DO CINEGRAFISTA SANTIAGO, COM ESSAS AMEAÇAS? A LEI ANTITERRORISMO PODE SER VOTADA EM CARÁTER DE URGÊNCIA, AO QUE PARECE, PELOS ÚLTIMOS FATOS/DIAS. COMO ADVOGADO VOLUNTÁRIO COMO VÊ ESSA LEI SE EM VIGOR? E COMO FICA O FUTURO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO?
Felipe Coelho – Na verdade eu só cheguei ao Centro depois do ocorrido, fiquei somente na Cinelândia. Quanto à lei antiterrorismo, acho uma pena que a morte de um jornalista sirva a um propósito inverso da sua profissão, aumentar a repressão sobre o direito de manifestação, sobre o direito da liberdade de livre manifestação e opinião. Acho que criar novos tipos penais e com penas tão altas só serve para violar o sagrado direito constitucional de se manifestar livremente. Além disso, cria uma perigosa repressão que vai servir não apenas para essas manifestações, mas para todas as futuras. É um oportunismo político.
*Entrevista: Raquel Boechat.