DANIEL MAZOLA –
Nosso modelo eletrônico de votação,
sem possibilidade de auditoria impressa do voto, faz com que o espectro da
fraude eleitoral ronde as modernas eleições brasileiras.
Dois motivos colocam nosso modelo
eleitoral na vanguarda do atraso “democrático”. Primeiro, o absurdo voto obrigatório,
negação da liberdade individual. Em um país extremamente despolitizado e
massacrado pela volúpia da mídia de mercado, forjando uma massa de ignorantes,
manipulável por pressão política, econômica ou pelo desconhecimento sobre o
mundo real, o eleitor é compulsoriamente obrigado a dar uma dedada mágica na
urna eletrônica.
O ato garante a manutenção da
“democracia”, e emprego bem remunerado aos políticos, por quatro anos (no caso
de vereadores, deputados, prefeitos, governadores e o presidente da república)
ou oito anos (no caso dos senadores).
O segundo motivo é o sistema
eletrônico de votação com resultado final incontestável. Pior que isto é o
rótulo dogmático de “100% seguro”, imposto pela Justiça Eleitoral e amplamente
publicizado pelo jornalismo de mercado. É pura inocência acreditar, piamente,
nesta infalibilidade ou confiabilidade total do sistema. Principalmente no País
dos mensalões, onde as instituições republicanas funcionam conforme os vícios
corruptos de uma monarquia absolutista.
Só um político de expressão criticava
tal processo. O ex-governador Leonel de Moura Brizola denunciava uma armação
perfeita. Pesquisas de opinião, com resultados duvidosos, indicando a vitória
de quem lhe financiasse, ajudavam a abrir caminho para a fraude. Induzindo o
eleitor mais ignorante a “votar com o vencedor”. Quanto preparando o terreno
psicossocial para a manipulação final do resultado eleitoral. O resultado da
pesquisa casaria direitinho com o da votação, o que impediria a contestação do
número final.
Esforços de defensores da
transparência e segurança total do processo eleitoral conseguiram emplacar a
chance legal de o voto ser recontado parcialmente. O artigo 5º da Lei 12.034,
de setembro de 2009, previa a exigência de impressão dos votos, para posterior
conferência, por amostragem, de 2% das urnas de todas as zonas eleitorais. Uma
auditoria independente contaria os votos em papel. Assim seria feita uma
comparação entre os resultados e os boletins das urnas.
Acho que o melhor mesmo seria uma
auditoria total. O resultado eletrônico pode e deve ser ágil, como é. Mas a
posterior conferência poderia acontecer sem tanta pressa. NECESSÁRIO e
FUNDAMENTAL. O resultado final só seria homologado, com proclamação definitiva
do vencedor, após a conferência pública e independente. O resultado da urna
eletrônica teria de coincidir com o do papel. A recontagem já deveria estar
valendo para esta eleição de 2014.
Integrantes do movimento do Voto
Seguro, liderado pelo engenheiro Amilcar Brunazo Filho, sempre denunciaram a
insegurança do nosso sistema de votação, apuração e fiscalização. No entanto,
foi a Justiça Eleitoral quem sempre criou obstáculos para que o sistema tenha
transparência. No dia 6 de novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal ajudou
a sepultar de vez a possibilidade de conferência do voto, por impressão e
posterior recontagem por amostragem de urnas.
Em 2011, a Procuradoria Geral da
República questionou o modelo. Alegou-se que a impressão do voto geraria um
número de identificação associado á assinatura do eleitor. Tal processo
comprometeria o princípio constitucional do segredo do voto. O STF,
imediatamente, concedeu uma decisão liminar, suspendendo o pedido.
Dois anos depois, agora no final de
2013, os ministros do STF decidiram que o voto impresso seria desnecessário,
porque a justiça eleitoral já faz auditorias a cada eleição, e fica à
disposição para fazer recontagens, se isto for requisitado. Curiosamente,
nenhum partido político brasileiro, até hoje, pediu a tal recontagem.
Nosso sistema de votação tem falhas.
Amilcar Brunazo Filho já denunciou: “Conhecendo todos os procedimentos usados,
por força de minha função como representante técnico de partidos junto ao TSE,
sei como agentes dos cartórios eleitorais desonestos podem proceder para
conseguir a troca de BUs (Boletins de Urnas) usando as próprias urnas para
emitirem, com antecedência, BUs falsos, porém aceitos pelo sistema, burlando
todos os recursos de criptografia, assinaturas, tabelas, etc. Descrevo os
passos desta fraude nos cursos de fiscalização que dou para poder ensinar como
se defender. E a única defesa eficaz contra esta fraude de troca de BUs é
justamente a coleta de cópias impressas dos Bus, assim que são emitidos nas
seções eleitorais”.
No Brasil o voto é obrigatório, as
pesquisas de opinião eleitoral são certamente manipuladas na maioria dos casos,
e a insegurança no processo de votação é capaz de produzir qualquer escatologia
política. A dogmática confiança, alimentada pela mídia corporativa, na
veracidade absoluta do resultado da votação é um doloroso calcanhar de Aquiles
do subdesenvolvido regime político brasileiro.
Nossa “democracia" representativa transforma as
eleições em um passeio cívico pelo cassino do Al Capone. Já passou da hora dos segmentos
mais esclarecidos da sociedade engrossarem a campanha pelo voto seguro. O povo
precisa exigir nas ruas eleições transparentes e confiáveis, com financiamento
público de campanha, mandatos revogatórios e contagem de votos limpas, dignas
de uma Democracia real. Só assim poderemos afastar o fantasma da fraude
eleitoral.