Via BBC News -
O poeta tunisiano Aboul Qacem Echebbi foi o responsável pelo trecho do hino nacional do país que acabou ganhando as ruas de Túnis e do Cairo durante os desdobramentos da Primavera Árabe.
“Quando o povo desejar viver, o destino deve assim responder”.
Quase três anos após a onda de revoltas que derrubou regimes no Oriente Médio e no norte da África, a região passa a outro estágio.
O mesmo espírito ainda ressoa entre os árabes, mas já não é a força propulsora da política local.
A Líbia agora vê o enfrentamento de milícias riviais. O Egito luta para encontrar um caminho em direção à democracia. O Iêmen é sacudido pela violência derivada da presença da Al-Qaeda no país. Na Síria, uma guerra que só fica pior aprofunda o desastre humanitário.
À medida que um duro inverno se anuncia, é dificil encontrar qualquer doçura na chamada Revolução do Jasmim na Tunísia, que levou à derrocada do regime de 23 anos do presidente Zine al-Abidine Ben Ali.
O boulevard Habib Bourguiba, reduto dos protestos pacíficos em Túnis em 2011, agora é um cenário tomado por rolos de arame farpado, para impedir o acesso de eventuais manifestantes aos prédios do governo.
Multidão raivosa
Os charmosos café ao estilo francês no boulevard estão cheios, mas a maioria dos clientes não tem muito o que gastar - são na maioria desempregados.
Em um dia gelado, uma aglomeração em torno de um líder sindical rapidamente se transforma em um ato político.
A multidão começa a cantar em árabe “erhal”, que significa “fora!”. Às vezes, cantam em francês, "degage."
O refrão é o mesmo cantado contra o ex-presidente Ben Ali. Agora é usado contra o governado do partido islâmico moderado Ennahda.
O partido conseguiu 40% dos votos e formou uma coalizão de governo integrada por dois partidos seculares.
A aliança agora está em crise. E já se fala em um governo transitório e a convocação de novas eleições.
A situação não é de calmaria, mas muito distante da do Egito, onde a Irmandade Muçulmana foi afastada do governo após a pressão de parte da população e do Exército.
Na Tunísia, os partidos ainda se sentam à mesa e dialogam. E tentam encontrar uma saida à tuinisiana.
Velhos tempos
Na Tunísia, o antigo estado policialesco de Ben Ali continua intacto. No Egito, o Exército continua a dar as cartas como nos velhos tempos. No Iêmen, Abdullah Saleh já não é mais o presidente, mas ele continua a ser uma figura influente.
Muitas batalhas para conseguir consenso e acordo entre os diversos grupos islâmicos e seculares ainda estão sendo travadas. Em alguns lugares, no entanto, prevalecem a violência e a destruição.
O que mudou foi o silêncio das décadas passadas. Por toda a região, pessoas das mais diversas origens agora dizem o que pensam, ainda que isso possa colocá-las na prisão.
“Uma coisa é certa: os jovens já não têm medo da polícia, do presidente, de ninguém”, disse um jornalista tunisiano com quem me encontrei em Túnis.
No início de 2011, o boulevar Habib Bouguiba era um grande parlatório, onde todos podiam expressar suas opiniões políticas.
No mesmo ano, na Líbia, podia-se ver a alegria das pessoas que finalmente podiam falar o que pensavam, até mesmo para os vizinhos, sem temer os espiões do coronel Khadafi.
No Egito, a sociedade se deu conta em 2011 de que “o poder do povo é maior do que o poder de quem está no comando”.
Ninguém fala mais de Primavera Árabe por lá. O temo já caiu no desuso há bastante tempo. Em alguns lugares ridicularizado. Mas muitos insistem que agora não há caminho de volta.
Tunísia e em outros países árabes, o povo já sabe que pode derrubar um governo (Getty) |