14.12.13

CAPITÃO NEGA TORTURA EM DEPOIMENTO À CNV

Daniel Mazola -
O delegado aposentado da Polícia Civil Aparecido Laertes Calandra, o capitão Ubirajara, prestou depoimento na Comissão Nacional da Verdade, nesta quinta-feira, 12. Participaram da audiência sete ex-presos políticos que confirmaram a atuação do acusado em torturas e outras violações dos direitos humanos. Calandra caiu em contradição várias vezes em face de evidências que o incriminam.
O ex-agente, que serviu no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), do II Exército, em São Paulo, respondeu às perguntas formuladas pelos integrantes da CNV Pedro Dallari (coordenador) e José Carlos Dias, após o testemunho dos sete ex-presos políticos.
Acompanhado de seu advogado, Paulo Esteves, Calandra primeiramente negou sua participação em torturas no DOI-Codi dizendo que trabalhava como assessor jurídico do 2º Exército, confeccionando autos de apreensão, requisições diversas e demais atividades burocráticas.
Ao ser confrontado com o teor de sua ficha funcional da Polícia Civil na qual registra-se ofício do 2º Exército, de 14 de abril de 1977, elogiando-o por “eficiência e dedicação, na execução das mais diversas atividades, durante o ano de 1976, visando à consecução dos objetivos propostos no combate à subversão e ao terrorismo, como integrante do Sistema de Informações do 2º Exército”, Calandra disse que estava sendo elogiado por sua atividade burocrática.
Indagado como poderia receber elogios por “combate à subversão e ao terrorismo” tendo atuado apenas como burocrata, Calandra voltou a negar que tenha torturado pessoas ou desrespeitado direitos humanos, no Dops ou no Doi-Codi. Disse ainda que nunca viu nem ouviu torturas e que jamais foi conhecido como capitão Ubirajara:
— Atribuo isso a engano pessoal das pessoas que estão fazendo as acusações, afirmou o ex-delegado.
Torturas
Antes do depoimento de Calandra foram ouvidos os ex-presos políticos Amélia Almeida Teles, assessora da Assembleia Legislativa de São Paulo; o vereador paulistano Gilberto Natalini(PV), presidente da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog; a aposentada Darci Miyaki, o jornalista Sérgio Gomes, o deputado estadual Adriano Diogo(PT-SP), presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva; o deputado federal Nilmário Miranda e o jornalista Artur Scavone, os dois últimos em vídeos gravados nos dias 9 e 10 de setembro.
Todos os depoentes foram categóricos em afirmar que Calandra participou das torturas e outras sevícias no DOI-Codi e que ele era uma figura entre os agentes da repressão que perdia em importância apenas para Ustra.
— Ele era do segundo nível da cadeia de comando.Ele torturou minha esposa quando fomos presos em março de 1973. A especialidade dele era a humilhação. Gostava especialmente de torturar mulheres, o deputado Adriano Diogo.
A ex-presa política Darci Miyaki disse que foi violentada diversas vezes no DOI-Codi de São Paulo e que sofreu choques nas partes íntimas:
— Não dá para descrever, um torturador enfiar um fio na sua parte mais íntima. Tornei-me uma mulher estéril. O ato sexual, depois de tudo isso, se tornou algo muito estéril pra mim. A primeira coisa que fizeram comigo foi tirar a minha roupa.
A aposentada contou que a violência sexual também se estendia aos homens:
— O Ubirajara(Calandra)entrou na minha cela e disse: ‘o Helcio está sendo empalado’. Helcio Pereira Fortes, foi preso no Rio, e assassinado no DOI-Codi de São Paulo em janeiro de 1972.
Gilberto Natalini e Nilmário Miranda contaram que foram torturados pessoalmente por Calandra. “Numa das sessões de choque e espancamento, os torturadores se revezavam na máquina de choque, Calandra entre eles”, afirmou Natalini.
Miranda disse ter sido interrogado com o uso da cadeira do dragão, cadeira de metal ligada a eletrodos por Calandra. “Aquilo era para machucar, para desestabilizar, para demonstrarem que têm poder sobre seu corpo. Tentar te intimidar”, afirmou.
Amélia Teles emocionou-se ao lembrar de sua prisão com o marido e o militante comunista Carlos Nicolau Danielli, assassinado no DOI-Codi de São Paulo, sob tortura.
O coronel Ustra sequestrou os filhos de Amélia, então com 4 e 5 anos na época e levou-os até a sala onde ela e o marido eram torturados, nus, com choques elétricos pelas equipes do Doi-Codi.
— Meus filhos perguntaram por que eu estava azul e o pai estava verde. Fui torturada e interrogada por Calandra. A tortura aplicada foram choques elétricos durante interrogatório, ocorrido em 1973, na qual foi questionada sobre a esposa de Carlos Nicolau Danielli.
Horrores
O advogado José Carlos Dias, da CNV, avaliou a audiência como uma das mais importantes realizadas pela comissão:
—Várias pessoas contaram os horrores pelos quais passaram. Uma mulher contou sobre a violência gratuita, inclusive contra o que é mais sagrado, que é a sua intimidade e ele nega tudo isso. É impossível. Os vizinhos ouviam os gritos e ele que estava lá não ouviu? É uma desfaçatez! Agora nós cumprimos o nosso dever que foi perguntar e demonstrar que vivemos em um Estado de direito e que damos todas as garantias, e que não vivemos mais na época da tortura.
Antes de encerrar a audiência, Pedro Dallari, coordenador da CNV disse ao ex-delegado Calandra que o depoimento dele fora pouco convincente:
—Não é crível que o senhor não tenha tido contato com qualquer pessoa, ou não tenha tido nenhuma informação sobre o que se publica e o que notoriamente acontecia no DOI-Codi de São Paulo. Portanto, os esclarecimentos que o senhor poderia prestar seriam muito úteis à comissão. Por razões que só o senhor sabe avaliar, o senhor está tomando outra opção, que nós temos que respeitar, porque vivemos num estado de direito.
Delegado apontado como torturador nega acusação em depoimento à CNV