JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Não há estímulo algum para discutir economia política no Brasil atualmente. O sistema
de poder – ou seja, Executivo, Judiciário, Ministério Público e Legislativo - está cristalizado em
torno da idéia central do neoliberalismo, segundo a qual o livre mercado resolve todos os
problemas econômicos e sociais. Portanto, segundo eles, as duas grandes qualidades morais
que devemos expressar, em face da economia, são as de paciência e “confiança”.
A economia política trata de relações de poder por trás dos processos econômicos. Em
tese, a vida política deveria ser, essencialmente, uma disputa de valores econômicos,
colocando, de um lado, os trabalhadores e o povo em geral, e do outro a classe dominante
proprietária. Ora, o governo Bolsonaro, com seu lugar-tenente Paulo Guedes, está matando as
contradições políticas. Esmagou-se a luta de classes. Há dominação absoluta de classe.
Nos primórdios do socialismo, ali pelos idos do século XIX e primeiras décadas do
século XX, a aspiração de alguns revolucionários sociais era a ditadura do proletariado, que se
materializaria na tentativa soviética nesse sentido. É claro que não foi exatamente uma
ditadura de classe. Ela foi evoluindo para um sistema burocrático rígido que acabou matando a
criatividade do povo. De qualquer forma, as contradições foram esmagadas a ferro e fogo.
Visto do ângulo civilizatório o grande mérito soviético foi ter forçado uma síntese
política em confronto com o liberalismo radical anterior aos anos 30. Essa síntese tomou a
forma de estado do bem-estar social, o qual se generalizou no pós-guerra na Europa Ocidental,
na Austrália, na Nova Zelândia e, em menor escala, nos Estados Unidos. Tanto em termos
ideológicos quanto práticos representou certo equilíbrio entre liberalismo e socialismo.
A idéia de uma ditadura de classe reapareceu no Ocidente, na medida em que a União
Soviética sucumbia, na forma de neoliberalismo econômico. Ditadura, sim, mas ao contrário
de uma ditadura do proletariado ressurgiu como uma proposta camuflada de ditadura da
classe dominante econômica. Vivemos esse momento, mas a forma como processo se
manifesta na prática depende, sobretudo, da estrutura dos meios de comunicação.
Onde existe pluralidade e efetiva competição entre meios de comunicação as idéias
circulam com certa liberdade e o sistema de poder político se torna permeável à opinião
pública. A democracia de cidadania ampliada (direito de voto), mãe das demandas sociais
desde fins do século XIX, reagiu e continua reagindo, por seus líderes, ao neoliberalismo
econômico, de forma a impedir o triunfo definitivo dessa seita hegemônica.
No Brasil a situação é mais complexa. Temos uma democracia deformada por meios de
comunicação monopolizados ou oligopolizados que se vendem para subordinar
ideologicamente os interesses sociais aos interesses das classes dominantes econômicas. Os
ricos tem também a seu serviço elementos das classes médias elevadas, ou políticos cooptados
no sistema eleitoral pelas classes dominantes, através dos meios de comunicação.
Nesse sentido estamos, no momento atual, sob uma ditadura de classe, na qual os
poderes da República operam na mesma direção contrária ao interesse público geral. Quando
o Supremo autoriza a venda sem licitação de subsidiárias da Petrobrás e o Congresso se omite,
e de fato respalda decisão monocrática do Executivo, ele atende exclusivamente ao interesse
do capital, sobretudo do capital internacional, sem uma única crítica da grande mídia.
É claro que as tensões criadas nesse processo dialético um dia vão explodir e produzir
resultados. Creio que isso se dará por influência dos novos meios de comunicação, quando a
sociedade conseguir distinguir entre manipulação do poder e verdade. A grande onda
democrática que surgiu no início do século XX, produzindo ao longo do tempo espetaculares
resultados sociais, em algum momento retornará sobre si mesma produzindo nova síntese.
A experiência brasileira será pedagógica nesse processo. Nós não estamos sendo
conduzidos ao neoliberalismo como um fato novo. A novidade é a radicalização. Quanto mais
radical tem sido a radicalização econômica, maior será a reação política, proporcional ao
fracasso inevitável do modelo (negativo) adotado. Só haverá uma vantagem nisso: a sociedade
perderá o escrúpulo de propor a subordinação completa do capital aos interesses sociais.