HÉLIO DUQUE -
A anarquia partidária, com 35 partidos registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e 63 aguardando a aprovação dos seus registros, tem um único responsável: o STF. Com representação parlamentar são 28 fazendo do Brasil um país ingovernável. A grande maioria partidos fisiológicos e outras siglas de aluguel que vendem o apoio aos governos de plantão, em tenebrosas transações. São integrantes da desmoralizada base de sustentação do governo central. Sobrevivem da nomeação de cargos, vantagens pessoais e eleitorais, em que a grande vítima é o dinheiro público. O Congresso Nacional foi transformado em mercado persa. Governar com maioria parlamentar é impossível pela inflação de partidos e interesses diferenciados.
O populismo jurídico do Supremo Tribunal Federal infligiu à República derrota responsável pela atual anarquia política. Ruy Barbosa ensinava: “A pior ditadura é a ditadura do poder judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”. Recentemente o presidente do Chile, Sebastián Piñera, em visita ao STF, durante encontro com os ministros Cármen Lúcia e Edson Fachin, perguntou: “Quando falha a Suprema Corte, a quem recorrer?” A ministra Cármen Lúcia: “Não há recurso”. E o ministro Edson Fachin, constrangido, respondeu: “A última palavra no sentido amplo é da sociedade”. Piñera insistiu: “Mas a sociedade pode reformar decisão da Suprema Corte?” Os ministros responderam não. Ironicamente Sebastian Piñera, conclui: “Então cabe a Deus?”. No Chile, a Corte Suprema da Justiça é integrada por 21 membros. Até 1997, somente juízes de carreira poderiam ser nomeados ministros. Atualmente, com a mudança constitucional, 15 são obrigatoriamente magistrados oriundos do poder judiciário e 5 vagas para graduados em direito e comprovado destaque nas atividades profissionais e acadêmicas. Todos os 21 ministros são submetidos ao Senado chileno, apresentados pelo Presidente da República e há vários casos dos indicados serem reprovados.
O diferencial na composição da Corte Suprema no Brasil e no Chile retrata realidade que deve merecer reflexão da sociedade brasileira. O surrealismo pauta algumas decisões jurídicas no Brasil e a Reforma Política aprovada em 19 de setembro de 1995, pelo Congresso Nacional, e vetada pelo STF, é prova irretocável. Aprovada no legislativo a Lei dos Partidos dava prazo de 10 anos para adequações legais, passando a ter validade nas eleições de 2016. Definia: “Tem direito a funcionamento parlamentar em todas as Casas Legislativas, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo cinco por cento dos votos apurados”. Extinguia o direito gratuito ao acesso à rádio e televisão e distribuição do Fundo
Partidário aqueles que não atingissem o quociente da cláusula de barreira de 5%.
Em 2006, quando entraria em vigor, o Supremo implodiu a reforma política brasileira. O relator Marco Aurélio votou pela inconstitucionalidade, usurpando do Congresso Nacional o direito de legislar. Atendia o desejo dos pequenos partidos, autores da contestação. Na época, o então ministro Ayres Britto chamou a “lei de cláusula de caveira”. Os ministros Cármen Lúcia proclamava que “a minoria hoje tem o espaço para ser maioria amanhã” e Ricardo Lewandowski afirmava que “a lei fere de morte o federalismo político”. Dez anos depois, Lewandowski, como o personagem de Molière, “Tartufo”, comprovando sua visão temporal do direito, constatou: “É preciso reformar profundamente o modelo partidário em vigor, começando por instituir a cláusula de barreira”. Gilmar Mendes reconhece em autocrítica: “Houve um erro do STF, que derrubou a cláusula de barreira. O Congresso tinha feito algo bem cuidado. Nós derrubamos, depois da medida já estar em vigor com um prazo de dez anos para os partidos se adaptarem”. O ministro Luís Barroso, ao reconhecer o erro do STF, constatou: “Esses partidos acabam virando negócios privados. E frequentemente negócios privados desonestos.”
Se a Lei dos Partidos não fosse anulada pelo STF, hoje somente 7 partidos alcançariam os requisitos previstos na legislação. PMDB, PT, PSDB, PP, PSB, PSD e PR. As outras legendas não teriam representantes parlamentares, atingindo 182 deputados federais atualmente investidos de mandato, graças ao erro brutal do STF. No final do ano passado a Câmara dos Deputados aprovou “pseuda reforma política”, estabelecendo 1,5% para a cláusula de barreira e garantindo propaganda gratuita no rádio e na televisão e recursos do Fundo Partidário, significando que a anarquia partidária terá vida longa.
Em tempo: a vítima agora poderá ser a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso. O ministro Edson Fachin defende o retorno da contribuição sindical. Admite, autoritariamente, que poderá decidir monocraticamente sob o argumento de “enfraquecimento dos direitos sociais com redução da capacidade de financiamento das atividades sindicais”. Autêntico golpe de populismo jurídico sobre as prerrogativas do Congresso Nacional.
* Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.