Por FREI BETTO -
Os povos indígenas, habitantes originários da Terra brasilis, são os grandes personagens invisíveis da história de nosso país. Ontem, escravizados pelos colonizadores, foram exterminados por desbravadores de nossas selvas. Hoje, ameaçados de extinção, têm as suas terras invadidas por predadores do meio ambiente e são discriminados pelo preconceito de quem os considera seres inúteis e inimigos do progresso.
A obra de Benedito Prezia (“História da resistência indígena – 500 anos de luta”, São Paulo, Expressão popular, 2017, 205 pp.), cuja vida e formação acadêmica são dedicadas aos índios, é uma inestimável contribuição ao resgate da memória indígena e do papel que tiveram em cinco séculos de Brasil.
“A conquista da América foi palco de um grande genocídio, talvez o maior da história”, escreve o autor. No que é respaldado pelo respeitável linguista Tzvetan Todorov: “Se a palavra genocídio foi alguma vez aplicada com precisão a um caso, então é esse (...) já que estamos falando de uma diminuição da população (indígena) estimada em 70 milhões de seres humanos. Nenhum dos grandes massacres do século XX pode se comparar a essa hecatombe.”
Quase tudo que se sabe da história dos índios no Brasil é pela versão dos vencedores. Prezia foi ao encontro de fontes primárias, graças a seus anos de trabalho no Conselho Indigenista Missionário e de pesquisas acadêmicas sobre os relatos dos vencidos.
O livro abrange o período de chegada dos europeus, no século XVI, ao inicio do século XXI. Nossos indígenas acolheram os invasores como seres superiores dignos de reverência, talvez habitantes da “terra sem males” situada além das “grandes águas”, o oceano.
O autor descreve as atrocidades da conquista portuguesa, as guerras de Piratininga, a Confederação dos Tamoios, a vingança dos Caeté, a rebelião Guarani e a resistência indígena no Piauí. Expõe em detalhes a conquista da Amazônia e a reação dos Tupinambá, Aruã e Tremembé. Desfaz o mito, que vigora ainda hoje, a respeito dos bandeirantes paulistas, que semearam o terror para escravizar e exterminar aldeias inteiras.
O texto é entremeado de heróicas histórias de resistência e esperança, como a de Maria Tatatxi, índia guarani Mbyá que, no início do século XX, deixou o Paraguai com a família em busca do “fim da terra”. Movida por grande força espiritual, passou pela Argentina; Porto Xavier, no litoral gaúcho; chegou às aldeias guarani do litoral paulista; até atingir a aldeia de Paraty Mirim, no Rio de Janeiro. Em 1972 se deslocou para Santa Cruz (ES) e, dali, para Aracruz, onde a empresa de celulose a expulsou com seu povo para a Fazenda Guarani, em Minas. Regressou a Aracruz em 1979, convencida de que era ali que o espírito de Nhanderu queria que ela e seus descendentes morassem. Em 1994, prestes a completar 100 anos, a morte a levou para a “terra sem males”.
* Enviado por Antonio Bastos, agrônomo e agricultor - São Paulo (SP)