3.9.17

TAMBORZÃO DE NKOSI-MUKUMBI, O SENHOR DA GUERRA

LUIZ ANTONIO SIMAS -


Certa feita o professor Joel Rufino dos Santos, mestre e amigo inestimável, disse-me que a ancestralidade dinamizadora das sociedades tradicionais africanas (que não são, como o senso comum julga, estáticas) é uma enzima. As enzimas catalisam reações químicas que, sem elas, provavelmente não aconteceriam. A vida, afinal, depende da realização de inúmeras reações químicas que ocorrem no interior das células e fora delas. Todas essas reações dependem, para a sua realização , da existência de uma determinada enzima.

Penso nisso quando escuto um toque de Angola para Nkosi Mukumbi, meu pai, o grande senhor da forja e general de Zâmbi, e escuto um tamborzão funkeiro saido das periferias cariocas. A enzima está ali, nos tambores que diálogam com os corpos. É na corporeidade que o catalisador atua.

A definição ocidental e dicionarizada para corporeidade é de que ela designa a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo. Eu vejo a corporeidade a partir do complexo das macumbas - o campo de saberes expressos nos espaços praticados como terreiros (entram aí a roda de samba, o baile, a roda de capoeira, etc.) e fundamentado em gramáticas não normativas. Corporeidade é , no sentido que dou ao conceito, a maneira pela qual o corpo reconhece o tambor, o tambor reconhece o corpo e ambos interagem como instrumentos relacionais com o mundo, amalgamando-se em corpos de mandinga: uma coisa só.

Ouçam um canto de Nkosi, um na levada tradicional e outro catalisado. A enzima está vivinha, saravando os corpos desafiadores, impelindo ao bailado, chamando o transe. Corpos não mais domados pela catequese e pelo trabalho, mas libertos e virados em tambor de abordar o mundo pelos avessos da dor, nos terreiros e nos bailes. (via facebook)