SEBASTIÃO NERY -
Ticiana Villas Boas e Joesley Batista / Arquivo Google. |
Rio de Janeiro – Era um país inteiro reverenciando um açougueiro cheio de dinheiro. Distribuía carne enlatada, carne empacotada, carne iluminada por uma moça linda que trocou um Jornal Nacional pela Friboi. E ele se tornou o aidodói do empresariado. Todos queriam ser o boiadeiro de Goiás. E os políticos encheram-no de dinheiro. Dinheiro dos bancos públicos, dinheiro dos bilhões de impostos que sonegava, dinheiro dos bancos que comprava, dinheiro das negociatas que promovia dentro e fora do país. Até a Procuradoria Geral da República, que devia vigiá-lo, caiu-lhe nos encantos. Abençoou uma delação premiada que premiava seus crimes. O São Francisco de cabelos brancos assinou embaixo de seus crimes. O sereno ministro do Supremo também endossou suas negociatas. E a poderosa e monopolista televisão logo virou aliada de seus piores pecados. Até que um dia o pais acorda e descobre o óbvio: de quem ele estava roubando para distribuir tanto? Onde ficava o cofre que ele assaltou? Ora, ora, era tudo dinheiro público. Tudo dinheiro do país. Tudo dinheiro do povo. Caíra a máscara do mais esperto e audacioso bandido nacional. E ele fugiu em avião de luxo com proteção da justiça. Mas era pouco para a sua audácia. Convocou uma espalhafatosa entrevista e saiu denunciando, um a um, seus parceiros, os sócios de suas falcatruas. Agora a nação está de olho aberto para ver se os poderes podem, se a justiça é justa, se o bandido vai devolver o dinheiro roubado e parar na cadeia.
A corrupção sistemática nunca foi tão radiografada, demonstrando que está enraizada e penetrando como doença grave nas vísceras da nação, levando a força tarefa da Operação Lava Jato a ser referência na tentativa de regeneração nacional. Focada inicialmente no assalto oficial à Petrobrás, teve desdobramentos comprovando a aliança pública e privada. Os corruptores privados e os corruptos estatais capturaram o Estado brasileiro. A “res publica” foi transformada em verdadeira “cosa nostra”. Apoderaram-se do Estado em proveito próprio.
Não é sem propósito que a ampla aliança dos corruptos e corruptores tente, com manobras indecorosas, combater e tentar anular as punições decorrentes das investigações.
O polêmico perdão a crimes capazes de render dezenas de anos de cadeia está indignando a sociedade brasileira e alimentando esperança entre os malandros de colarinho branco que vem se movimentando em tentativa de desgaste e desmoralização das investigações. Articulam no legislativo, no executivo e até em áreas judiciárias manobras desesperadas objetivando enfraquecer e até anular as já proferidas e as futuras punições. A PGR e o STF, deram aos corruptos brasileiros um falacioso argumento. Um combustível tóxico para os conspiradores contra o Estado de Direito.
Consciências eram compradas com a mesma naturalidade de se estar adquirindo um rebanho bovino. O delator obteria no acordo de leniência vantagens e benefícios nunca vistos. No próprio Ministério Público vozes críticas condenando os privilégios excessivos, se fizeram ouvir. Dois procuradores da República, candidatos à chefia da PGR, não se omitiram: Eitel Santiago, entende que “o Ministério Público se precipitou e o acordo não merece os benefícios que tiveram” e a ex-vice-procuradora-geral, Sandra Cureau, foi direta: “Se alguém faz uma delação premiada, não é para que não se sujeite a nenhum tipo de punição.”