LUIZ ANTONIO SIMAS -
Sou um nostálgico declarado das velhas quitandas cariocas. Toda vez que entro em um moderno hortifrúti, cheio de salamaleques e mais parecendo uma enfermaria de vegetais, sou assaltado pela saudade das quitandas de esquina, daquelas que vendiam cheiro e tomate, feito no samba do Paulo da Portela.
A expressão quitanda vem do quimbundo “kitanda” (feiras, mercados). A palavra africana passou a nomear no Brasil os estabelecimentos que vendem frutas, produtos de granja, hortaliças e similares. O mais curioso é o seguinte: apesar da origem africana do nome, as quitandas da minha nostalgia eram sempre comandadas por portugueses e não tinham fronteiras; grassavam pela cidade inteira, do Leblon a Santa Cruz.
O que mais chamava a minha atenção era a variedade impactante de produtos que as quitandas vendiam. O mestre Nei Lopes, em seu fundamental ‘Dicionário da Hinterlândia Carioca’, lembra-se das quitandas que, além dos hortifrutigranjeiros de praxe, vendiam carvão, jarros, moringas, chapéus de palha, abanos, defumadores, tamancos de madeira, cabos de ferramenta, pipas, piões, atiradeiras, bolas de gude e similares.
Minha avó Deda sempre fazia um caruru para os erês e distribuía doces de Cosme e Damião em Nova Iguaçu. A velha comprava muitas vezes as cocadas, bananadas, cocôs de rato, paçocas, suspiros e similares nas quitandas de Rosa dos Ventos. Do ovo às ervas, da alface ao alguidar para botar comida de santo, o carioca encontrava de tudo.
As caixas de madeira com os dizeres “manzanas argentinas” davam um ar internacional aos estabelecimentos. Minha tia-avó sempre achava que uma quitanda próxima à nossa casa acabaria explodindo de tanto espanta-coió que a garotada comprava lá em tempo de festas juninas. As vendas das cidras de macieira explodiam com a proximidade do ano novo.
Ainda há quitandas que resistem bravamente à desumanização da cidade, expressa no desaparecimento dos açougues de rua, das tendinhas, dos clubes pequenos, dos aviários, das barbearias de esquina.
Tenho saudades, enfim, dos tempos em que tínhamos mais padarias e menos butiques de pães; mais pés-sujos e menos botecos de grife; mais quitandas como a do Martins, portuga mal-humorado que respondia aos fregueses com a mesma ranhetice para encerrar o papo:
— Vendo de tudo. Só não tenho caixão de defunto do tamanho do freguês, mas se quiseres morrer é só falar que chega hoje mesmo. (l.a. simas)
Fonte: Facebook