3.5.15

BEM ANTES DE MORRER, EM 1977, LACERDA RESPONDEU AOS MILITARES EM 1967, COM ARTIGO INIMITÁVEL, INEXORÁVEL, IRREFUTÁVEL. MAS EMOCIONANTE

HELIO FERNANDES - Via blog do autor -

Em maio de 1979, por volta de 11 da manhã, sentiu uma pontada no coração, foi levado para a Casa de Saúde Santa Lucia. Saúde ótima, nunca esteve doente, fez todos os exames, os médicos, satisfeitíssimos, disseram: “O governador, (já não era) está ótimo, vocês podem ir para casa, ele ficará em observação”. (É obrigatório).

Acabaram de chegar em casa, receberam o recado do hospital: “Voltem, Lacerda está passando mal”. Foram correndo, não conseguiram se despedir, estava morto. 63 anos, logo em 1979, viria a anistia, recuperaria os direitos, sabia-se pela família, sua obsessão continuava sendo a Presidência da República.

Fui me despedir dele no dia seguinte, bem cedo, no velório. Na madrugada escrevi um artigo já saudoso, que publiquei enquanto ele estava sendo velado. Esse artigo é um dos meus preferidos. Sua morte não teve a repercussão que merecia, recebeu obituário formal, era o mínimo.

Agora, em 2013, quando se completavam 100 anos do seu nascimento, “esquecimento” total. Nenhum órgão jornalístico registrou. A dignidade, combatividade, austeridade não têm grande popularidade. Está bem que Lacerda desagradou muita gente. Mas também agradou bastante. Pode ser dito, lugar comum na época: “Lacerda era odiado por 50% por cento, amado pelos outros 50%”. Isso é indiscutível.

Poderia continuar indefinidamente, preciso parar. Agradeço a você, Fernando Pawwlow, por ter trazido o assunto. Mas tenho que retificar o absurdo gritante que está no “depoimento”, transcrito aqui. A frase atribuída a mim, é rigorosamente verdadeira. Disse sobre Lacerda, o que está publicado. Nunca fui (necessariamente) tão duro. 

Antes de 68 

Só que foi nessa data vivíamos em curto tempo, outra vida, outra realidade, relação com o nosso debate, a prisão e a prorrogação, foi aprovada Castelo "governara” mais dois anos, já morrera Costa e Silva era "presidente". 

Você mesmo publicou que em 1967, dei uma entrevista ao Sebastião Nery, que publicou na revista Status. (57 páginas improvisadas). E aqui mesmo foi escrito que nessa entrevista eu que comecei o debate com Lacerda. Como é que em 1967 eu podia revelar o início do debate de 1968?

Esse diálogo aconteceu em março de 1965, com ele ainda governador. Assim que se empossou, formou um grupo de jovens arquitetos e engenheiros, admiráveis. O projeto do revolucionário Túnel Rebouças é deles, executado pelo secretário Marcos Tamoio, depois prefeito do Rio.

Pediu a eles para aproveitar um subterrâneo de "guardados, vassouras, material de limpeza", e fazer um cineminha. Fizeram, com 12 poltronas, uma geladeira, máquina de café, tudo muito simples. Passamos a conversar lá. (Ele adorava cinema, eu também, útil ao agradável).

Uma noite me telefonou (sempre depois de 9 ou 10 horas), perguntou, "vamos ver um filme?", fomos. O filme era "007 contra Moscou", aquele em que ha um assalto medonho de ratazanas, devastador, embora naquela época não existissem ainda empreiteiras corruptas-corruptoras. Conversamos sobre prorrogação de mandato, de Castelo, assunto obrigatório.

Disse a ele, textualmente: "A Câmara está totalmente dividida, você derruba a prorrogação com meia dúzia de telefonemas, estão esperando".

Demorou mas respondeu: "O doutor Julio Mesquita me disse que se a prorrogação, for derrotada haverá novo golpe". (O Doutor Julio Mesquita, diretor e proprietário do jornal Estado de S. Paulo, era a única influencia absoluta sobre Carlos Lacerda).

Respondia então com a frase que está publicada, mas em época inteiramente diferente.

Textual? "Se a prorrogação for aprovada (foi). Você será responsabilizado pelas consequências. Será um erro tão grande quanto o que você praticou indo EXPLICAR o golpe na Europa".

A ameaça maior era a prorrogação, talvez o douto Julio Mesquita estivesse mesmo com razão, Mas era uma oportunidade magnífica. Infelizmente Lacerda não percebeu, ou quem sabe achava que no momento a, melhor opção era esperar.

Não era. A prorrogação foi aprovada por um voto. 

Lacerda deixa o palco, muito antes da morte 

Em agosto de 1966, não mais governador, me telefona: "Vamos almoçar?". Fomos. Era sempre no Museu de Arte Moderna. Restaurante magnífico, e a aura do ambiente, criado e supervisionado pelo gênio do Gustavo Afonso Ready. Antes já plantara o “pedregulho”, (entre São Cristovão e o Estádio do Vasco) ainda mais gênio.

Um edifício de três andares, 348 confortáveis apartamentos, painéis de Portinari, Jardins de Burle Marx. E a doação generosa da natureza. Aquela vista ampla, geral e irrestrita, nada a ver com hipocrisia e a "autoabsolvição" dos generais de 1979. 

Estranhei o fato de sermos só nos dois. Quando sempre com Renato Archer (sub-secretario do chanceler Santiago Dantas), no "parlamentarismo com Tancredo". Quando o chanceler saiu para se candidatar a deputado, assumiu. O Alfredo Machado, dos mais íntimos amigos de Lacerda, sem quer cargos, tinha a importante Editora Record. 

A resposta para a minha estranheza vaio logo. Esperando o café, me mostrou um artigo. Titulo: Carta a um ex-amigo fardado". Respondia aos militares que o admiravam e seguiam incondicionalmente. Passaram a persegui-lo cruelmente, prenderam e cassarem, depois da "Frente Ampla' e a ida a Montevidéu conversar com o ex-presidente João Goulart. Emocionante. 

Ia guardar, Lacerda pediu de volta, explicou; 'Tenho que publicar no Globo, o Roberto Marinho seguidamente me diz que eu só escrevo para você e para a Tribuna da Imprensa". Saiu lá, enorme repercussão, não pelo veículo e sim pelo conteúdo.

As relações Carlos Lacerda - Roberto Marinho eram tumultuadas, agressivas, hostis, ou as vezes, amáveis e ou até agradáveis. Marinho pensava em dinheiro, favores, privilégios, sempre no caminho do enriquecimento. Licito ou ilícito, para ele não havia diferença, praticava o holocausto contra todos, usava e enganava-se a própria opinião pública, sem constrangimento.

Vou contar dois episódios, rápidos, rigorosamente verdadeiros, poderia citara dezenas ou centenas que mostram o caráter (falsidade) de Roberto Marinho. Contei isso diariamente por mais ou menos 50 anos, quando ele era vivo e poderoso. Tentou, mas jamais conseguiu falar comigo, apesar dos intermediários importantes.

1 – O Parque Lage, um monumento tombado, foi comprado (?) por Roberto Marinho no inicio de 1960. Pediu a JK para “destomba-lo”, conseguiu quase que imediatamente.

Lacerda conseguiu em 5 de dezembro desse mesmo 1960, voltou a tombar o extraordinário monumento. De acordo com a Constituição, depositou o “justo valor”, uma ninharia, mudou tanto de moeda, não sei quanto era.

Como aquele enorme terreno e as construções eram dele, entrou na Justiça. Em 1974, Marinho recebeu uma fortuna. Esperou 14 anos, mas o lucro, fantástico. Investiu na “compra”, miséria, que se transformou num investimento magnífico.

2 – Em 1963, Copacabana altamente valorizada e esgotada, num pantanal aterrado, montaram o que se chamou Bairro Peixoto. Edifícios de 12 andares, procura enorme. Um dia, o pantanal “reivindicou” sua propriedade, um edifício desabou. A Assembleia Legislativa, assustada, imediatamente, por unanimidade, reduziu para seis andares o gabarito de novas construções.

Roberto Marinho comprou a propriedade, logo pediu aprovação um edifico de 12 andares. O órgão responsável votou imediatamente, “no local o gabarito é de seis”. Procurou o governador, pediu que intervisse para que a licença fosse “concedida para 12 andares”. Lacerda respondeu até sem hostilidade; “Roberto não posso conceder, se fizer isso vou preso, peça outra coisa”.

Não pediu. Mas 48 horas depois, Na Primeira do Globo, com destaque, aparecia o cadáver do Major Vaz, assassinado em 1954. Oficial da FAB, pertencia a um grupo que acompanhava Lacerda ameaçado de morte. 

Comentários através do e-mail: blogheliofernandes@gmail.com 

Helio Fernandes.

Estimado jornalista. É com satisfação que leio seus comentários, bem elucidados e detalhados, nos dando uma perfeita visão do que foram os anos de chumbo no Brasil. No entanto gostaria que escrevesse sobre as Torres Gêmeas, tragédia terro/política que mudou a face do mundo. Por exemplo: Você falou do atentando ao tabloide Charlie, e lembro bem em sua primeira matéria, abordou uma questão de fundo, que acho importante, é quanto a influencia que as Torres Gêmeas acabaram por estimular outras ações, se com menos vitimas, mas danosas. Uma vez li que terroristas estariam articulando jogar um avião sobre a Disney. De la para cá muitas especulações.

Silvio M Carvalho – Salvador-BA.