Por MINO CARTA - Via Carta Capital -
O enterro da CLT levaria ao túmulo todo o esforço de várias décadas para conferir dignidade ao trabalho.
Ao cabo de uma longa
temporada de governos ditos de esquerda qual fosse pecado irreparável, a
inextinguível direitona nativa terá de admitir que se precipitou na
definição caso seja sacramentado o enterro da CLT, cerimônia esta de
óbvia qualidade reacionária. Como sabemos, o debate parlamentar a
respeito do assunto está em andamento e ainda há espaço para um veto
presidencial, invocado em primeiro lugar por Lula.
A história das nossas leis trabalhistas
tem seu lado paradoxal. De fato, é bastante peculiar. Getúlio Vargas, ao
criar a legislação social brasileira, recorreu à Carta del Lavoro
encomendada por Mussolini ao jurista Alfredo Rocco, competente do ponto
de vista técnico, além de disponível para qualquer empreitada. Certo é
que o código fascista representava, pasmem à vontade, um avanço notável
para o Brasil do fim dos anos 30 e começos dos 40. Exemplo, apenas:
naquele tempo, empresas de São Paulo usavam máquinas adequadas à altura
de meninos de 12 anos e ao braço negro juntavam o branco, do emigrante.
Getúlio, figura imponente da história,
capaz de um projeto pioneiro de Brasil, não deixou de se tornar ditador
por largo período e de cultivar o chamado peleguismo, assim como
Mussolini transformou os sindicatos italianos, de grandes tradições, em
corporações sujeitas aos seus desígnios.
Houve figuras respeitáveis mesmo na
quadra dominada pelo peleguismo, herdeiros do anarquismo que deflagrou
as greves paulistanas nas duas primeiras décadas do século passado, até a
deportação de 400 anarquistas por Altino Arantes. Sem condições, os
herdeiros, de mudar o rumo que convinha aos donos do poder.
Decisivo, para pôr fim ao peleguismo, o
papel de Lula quando presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema. Negociador hábil, certamente, disposto à composição,
mas também ao confronto, se fosse o caso, como se deu nas greves de
1978, 79 e 80. O pico de maior tensão em abril daquele último ano,
quando Lula foi preso e enquadrado na chamada, ignóbil, Lei de Segurança
Nacional. Melhor, de segurança da casa-grande. Aquele período de três
anos precipita no País um sindicalismo contemporâneo e forma futuros
eleitores do Partido dos Trabalhadores. E representa a mais eficaz
resistência à ditadura civil-militar.
É fácil entender como e por que o projeto
da terceirização do trabalho fira profundamente o ex-presidente do
Sindicato de São Bernardo e Diadema, e do Brasil todo, diante de quem o
deputado Eduardo Cunha se posta como o vilão na encruzilhada deste
momento espantoso e insano a caminho do caos. E tanto mais se o enterro
da CLT se der em uma situação de impotência de um governo tido de
esquerda até ontem, ou anteontem. Por muitos, entre os quais não figuro
há bom tempo.
Ser de direita ou de esquerda seria
opinável hoje em dia, na crença de que os contornos das ideologias
esmaeceram, ou se apagaram de vez. Na qualidade de crente da igualdade,
creio que o governo de Lula foi francamente de esquerda ao implementar
suas políticas de inclusão social. A caducar a CLT, fenece o impulso que
fez brotar o PT, a partir das arengas de Lula do palanque da Vila
Euclydes. Recordo que até a Time se comoveu então e dedicou a Lula uma página, em reconhecimento da liderança nascente.
Desolador até os limites extremos é que
daquele enredo exaltante, a gerar 22 anos após o governo do próprio
líder do movimento, surja hoje quem possa chancelar o fim da CLT velha
de guerra. Assim como é sinal sinistro desta fase da nossa história o
poder de um Eduardo Cunha (na esteira, Renan Calheiros) a decidir os
destinos de todos nós.



