HELIO
FERNANDES –
Ele foi preso e massacrado por causa de imprudência de
brasileiros exilados no Chile. Sabendo que todos os telefones estavam gravados,
telefonaram de lá com afirmações que não podiam fazer de jeito algum. Uma hora
depois, Rubens era sequestrado dentro de casa, jogado brutalmente num carro,
Pontiac 1967.
Era feriado, dia da fundação da cidade, Rubens estava à
vontade, sozinho em casa. Não teve tempo para coisa alguma, amarrado e
“desaparecido” a partir daquele momento. Disseram que foi dirigindo o próprio
carro, afirmação insensata e desinformada. Em nenhuma circunstância aqueles
carrascos fariam o mínimo de concessão.
Eu
e ele, grandes amigos
Não apenas pessoais, mas de família. Rubens e sua
admirável Eunice, eu e a indispensável Rosinha, frequentávamos as casas sem
aviso, almoçávamos ou jantávamos. No verão daquele feriado, como acontecia
todos os anos, ia para o sítio de um cunhado em Itaipava. Passava o fim de
semana lá. Todos os meus filhos aprenderam a andar nesse sítio.
Cheguei por volta de 8 da noite, contei o que aconteceu
com Rubens Paiva. Não sabia mais nada, não podia telefonar para ninguém.
Só na segunda-feira, 48 horas depois, já no jornal,
comecei a desenrolar a meada do fim da vida de Rubens, que só em parte é
delatada agora pelo Tenente Coronel Raymundo Ronaldo. (General na reserva).
Apesar da ferocidade dos que tomaram o poder em 1964, o Exército estava
completamente dividido, o que aconteceu sempre em todos os golpes e
conspirações.
O
capitão que não chegou a general
O Exército de verdade, nem golpista nem torturador,
nacionalista e autêntico, soube de tudo, mas não podia fazer nada. Centenas e
centenas de oficiais tiveram as carreiras cortadas pelo fato de não concordarem
com a violência, com a tortura e assassinato.
Os militares que dominavam tudo, foram notificados que
não admitiriam que esse capitão chegasse a general, o máximo no Exército.
Promovido a Major e depois a Tenente Coronel, foi
passado para a reserva, mocissimo. Como até 1965, todos os oficiais “que iam
para casa” tinham direito a duas promoções, foi a coronel e a general para
efeito de tratamento e de salário. Agora tenta se vingar ou se “acertar”
consigo mesmo.
A
trajetória para a morte
Rubens Paiva morava numa casa da praia do Leblon, onde
hoje é um edifício de 12 andares. Foram pela Praia de Botafogo, pegaram o
Aterro do Flamengo, pela contramão chegaram ao Cisa, (em frente ao Santos
Dumont), central de tortura da Aeronáutica. Tirado do carro aos bofetões, foi
levado para o subterrâneo, onde começou a ser torturado.
Depois de algumas horas, constatando que ele sofria,
mas não o suficiente, mudaram de local. O quartel ficava no centro de um grande
jardim, cheio de árvores. Essas árvores ficavam num espaço circulado por
pedaços de concreto. Rubens Paiva, já desacordado, amarrado no cano de descarga
de um carro, foi rodando pelo jardim, com a cabeça sendo estraçalhada nas peças
de concreto.
O
pânico dos assassinos
Rubens sangrava muito, dava a impressão de estar morto.
O capitão que “comandava” pessoalmente a chacina, mandou um auxiliar telefonar
para o DOI-Codi avisando “que estavam levando um prisioneiro”.
E o próprio capitão foi dirigindo o carro que em alta
velocidade se encaminhou para a Barão de Mesquita, onde se localizava o
DOI-Codi, comandado pelo general Orlando Geisel. O “presidente” era Médici que
chefiou o momento mais tenebroso da ditadura, arbitrária, autoritária,
atrabiliaria.
Rubens
estava morrendo
Chegou praticamente morto, faltava apenas o “toque
final”, que deram com o prazer e a competência de sempre. E o capitão Raymundo
do lado, vigiando e “imaginando” o que deveria ser feito. O Tenente Amilcar
Lobo, médico que atendia presos do DOI, tentou salvar Rubens, ele já não tinha
mais salvação.
O
Pelotão de Investigações Criminais
Esse Pelotão não era vizinho do DOI, e sim o quartel
onde ficava o próprio órgão de tortura. O Exército só raramente prendia alguém,
sua principal ocupação era a tortura. Conheço bem o local. Saiamos do carro da
polícia civil, estávamos num largo enorme. Em frente, cartazes com um homem
apontando para a frente com um dedo e apenas três letras grandes: “PIC”.
Pelotão de Investigação Criminal, dono do local e não vizinho.
(No meu caso, os oficiais me gozavam, rindo muito. E
diziam: “O senhor escreve contra nós, mas acaba sempre aqui”. Era verdade).
A
farsa burra
É impossível querer que torturadores também saibam
pensar. Daí essa palhaçada do Volkswagen e da “reação dos terroristas” no Alto
da Boavista. Isso já era conhecido, eu mesmo escrevi. O complemento importante,
é a confissão do próprio assassino e das suas tentativas de esconder o crime.
Sabe que na sua idade nada vai acontecer.
Rubens
não caberia num Volkswagen
O deputado assassinado não era gordo, mas grande e
volumoso. Não entraria num fusca, nem mesmo no banco da frente, ainda mais no
banco de trás. O Exército jamais teve qualquer órgão na Tijuca. E se estavam
prendendo Rubens como “subversivo” (a palavra da moda na época), como admitir
que ele estava sendo perseguido por “companheiros?”.
O
grande personagem que foi Rubens Paiva
Engenheiro tranquilo e bem sucedido, se elegeu deputado
apenas para participar mais ativamente. Não precisava do mandato para nada,
apenas complicava sua vida. Morava em São Paulo, tinha casa no Rio, e passou a
ter apartamento em Brasília. Seus filhos eram pequenos, praticamente da idade
dos meus.
(O filho de Rubens, Marcelo, hoje grande escritor, o de
Fernando Gasparian, e dois meus, íamos habitualmente ao Maracanã. Apesar de
muito pequenos, o trauma da morte do pai e do amigo, assassinado daquela forma,
deixou marcas indeléveis).
Onde
estarão os restos de Rubens?
Muitos perguntam agora, “como o corpo de Rubens Paiva
teria saído do DOI-Codi?”. Nenhuma dificuldade. A pergunta obrigatória: “Onde
colocaram o corpo esquartejado do bravo Rubens Paiva?”. Acredito que nem o
capitão criminoso confesso aposentado como general, pode saber alguma coisa do
local.
Individualmente,
o assassinato do bravo lutador, o crime do século
Coletivamente, o covarde assassinato dos 60 guerrilheiros,
é insuperável. Mas do ponto de vista da tortura e do assassinato execrável,
nada se compara à morte e desaparecimento de Rubens Paiva.
Perdi um grande amigo, o país perdeu um filho bravo e
pacífico, a História do
Brasil ganhou um grande personagem.
Brasil ganhou um grande personagem.
PS –
Espero que estes fatos, rigorosamente verdadeiros, contribuam para a
consagração histórica. Da mesma forma como consagrado na minha memória.