Via BBC -
O funeral do ex-presidente da
África do Sul e líder antiapartheid, Nelson Mandela, será marcado por uma série
de rituais especiais, carregados de simbolismo.
Ele será enterrado neste
domingo, na cidade onde cresceu, Qunu, na província de Cabo Oriental em
cerimônia restrita a parentes e convidados.
Neste sábado, o corpo chegou ao
pequeno vilarejo, sob forte aparato de segurança, vindo de Pretória, onde fora
velado por três dias.
Celebrada pelo clã Thembu, a
cerimônia seguirá a tradição Xhosa, etnia à qual Mandela pertence e da qual é
considerado um líder.
Segundo a tradição Xhosa, quando
alguém morre longe de sua casa, como o ex-líder sul-africano (que faleceu em
sua residência em Joanesburgo), rituais de 'retorno simbólico' têm de ser
realizados.
Por trás da liturgia, explica o
especialista Somadoda Fikeni, está a crença de que a alma do morto precisa
voltar para casa, além de ser reunida no funeral com seus restos mortais, de
forma a alcançar sua 'harmonia espiritual'.
Caso esses rituais não sejam
executados, os membros da etnia Xhosa acreditam que o espírito poderia vagar
sem descanso, trazendo azar à família do morto.
Por outro lado, o cumprimento da
tradição agradaria ao criador e aos antepassados (mediadores entre o criador e
os vivos), trazendo sorte e proteção à família de quem morreu.
Se alguma das etapas não for
cumprida, a cerimônia precisa corrigir "o erro", de maneira a aplacar
a fúria dos ancestrais e do criador.
Enquanto os restos mortais são
transportados de volta para casa, um membro sênior ou especialista na tradição
Xhosa é selecionado para celebrar os rituais necessários para invocar o retorno
do espírito.
Entre esses ritos, estão
conversar com o morto, indicando que a jornada de retorno a seu local de
nascimento e onde o seu cordão umbilical foi enterrado, está começando.
Ervas especiais e remédios são
ocasionalmente usados na cerimônia. O espírito é guiado à sua casa à medida que
os nomes dos rios e dos lugares que ele cruzou são mencionados.
Uma das etapas inclui a
invocação do izibongo (canções da família ou do clã) e a menção dos
antepassados, com quem o morto "se reunirá".
Na chegada, o espírito também é
informado de seu retorno e solicitado a ajudar a fazer a mediação com o criador
e com os ancestrais para proteger a família e a nação.
No momento do enterro, um boi é
sacrificado por uma pessoa designada que usa uma lança tradicional da casa do
morto ou de seu clã.
Se a vaca, o boi ou o touro
sacrificado "berrar" durante o sacrifício, trata-se de um sinal de
que os ancestrais estão agraciados e darão as boas-vindas à pessoa que partiu.
Em algumas ocasiões, outro
animal é sacrificado caso o primeiro não emita o som estridente.
Rituais
elaborados
Se o morto for de uma família real
ou é chefe ou rei, esses rituais são mais elaborados.
Por exemplo, o caixão é gerado
coberto com pele de leopardo se o morto era um chefe (caso de Mandela) ou uma
pele de leão se a pessoa tiver sido um rei.
Durante o funeral, líderes
tradicionais ou reais montam guarda ao lado do caixão.
Em um dado momento, um imbongi
(uma espécie de trovador com profundo conhecimento da história do chefe ou do
rei a ser enterrado) apresenta o morto recitando seus nomes tradicionais e descrevendo
suas características.
Em seguida, o corpo da pessoa,
especialmente o de um líder tradicional, é envolvido na pele de um animal,
normalmente o do que foi sacrificado momentos antes.
O morto é, então, enterrado com
seus pertences e as coisas de que gostava e usava durante a sua vida terrena.
Lanças, um escudo e tabaco também são alguns dos itens depositados no caixão.
Algumas pessoas são enterradas
sentadas, enquanto outras deitadas.
De novo, rituais envolvendo a
libação (derramamento de água) são celebrados durante o enterro e na lápide.
A chuva durante os dias
anteriores à cerimônia ou no próprio dia do enterro são interpretadas como um
bom sinal de que os céus e o mundo espiritual estão acolhendo o morto.
A manhã do funeral – e as semanas
posteriores ao enterro – são consideradas um assunto privado da família, que
envolve o sacrifício de uma ovelha ou de uma cabra e o uso de ervas para limpar
os parentes do morto e pedir por sua proteção.
Na ocasião, os membros mais
velhos da família também fazem discursos, nos quais confortam os outros
integrantes da família com palavras de conforto e sabedoria enquanto lembram
todos de seus respectivos papéis, considerados cruciais para a sobrevivência e
sustentação do clã.
Luto
É também nesse momento que
detalhes específicos de como a família vai encarar o período de luto.
Frequentemente, os que estão de
luto não participam de eventos sociais.
Algumas famílias Xhosa usam
roupas pretas durante esse período. Ao final dele, essas vestimentas são
queimadas.
Também é costume em algumas
famílias que a viúva do morto não cozinhe durante esse tempo.
Depois de seis meses ou um ano,
o período de luto se encerra com uma outra celebração, na qual a família e os
amigos levam presentes para a(s) viúva(s) ou filhos de quem morreu.
A entrega dos presentes é uma
maneira simbólica de substituir os itens antigos associados ao morto, como, por
exemplo, uma cama ou lençóis.
Nesse momento, a ênfase é sobre
a liberdade que o enlutado volta a ter, mas com dignidade e respeito à honra do
morto e de sua família.
Anos mais tarde, os rituais
familiares e as cerimônias envolverão a invocação do espírito do morto como um
antepassado para fazer a mediação entre os vivos e o criador. Tal honra é
reservada apenas às pessoas que se distinguiram e foram virtuosas durante a
vida.
Milhares de pessoas formaram filas para ver o corpo de Mandela em Pretória |