Por
PAULO NOGUEIRA - Via DCM -
Durante
quase três anos, entre 2006 e 2008, fiz parte do Conedit, o Conselho Editorial
da Globo.
Comandado
por João Roberto, o segundo filho de Roberto Marinho, o Conedit reúne os
editores dos diversos veículos de mídia da Globo. As reuniões são às terças
feiras às 11 horas da manhã, no prédio da Globo no Jardim Botânico, no Rio.
O
objetivo é discutir e firmar as diretrizes editoriais da casa. Numa mesa
retangular, João Roberto senta-se na cadeira de comando, no centro. A seu lado,
quase que se encarando, estão Merval Pereira e Ali Kamel, numa disputa
incessante para ver quem concorda mais com as ideias de João Roberto.
Como
diretor editorial das revistas da Globo, me sentava no fundo da sala, no canto
dos paulistas, como brincava Luiz Erlanger, à época um dos principais
jornalistas da casa.
Guardei
sempre de João uma imagem positiva. Sereno, voz baixa, inteligente, sabia ouvir
e sabia mandar.
Lembro
particularmente uma reunião, no calor da campanha presidencial de 2006, em que
ele narrou uma conversa que tivera com Lula, que concorria à reeleição.
Dos
irmãos, João é o responsável por todos os contatos com o mundo político.
Segundo Jorge Nóbrega, assessor da família Marinho, é algo que lhe é
extremamente caro. Nenhum jornalista da Globo sobrevive muito tempo se criar
uma agenda pessoal com o alto clero da política.
Na
reunião de que falei acima, Lula, contou João, se queixou da cobertura da TV Globo.
Ele nos comunicou, ali, o que ficou combinado. Cada qual cuidaria dos seus
“aloprados”.
A
partir dali, os aloprados da Globo, notadamente Merval e Kamel, baixaram de
tom.
Estou
contando essa história para dizer quanto me surpreende ver, agora, João Roberto
agir como um aloprado na louca cavalgada contra Lula, Dilma e o PT.
Em
circunstâncias normais, ele não toleraria que um de seus principais
jornalistas, Erick Bretas, pregasse abertamente no Facebook a prisão de Lula e
a deposição de Dilma, fantasiado de Moro.
Nem
deixaria passar em branco um tuíte do editor da Época, Diego Escosteguy, em que
este anunciava, às vésperas da Aletheia, uma sexta-feira esplendorosa, numa
alusão à operação que seria feita contra Lula.
Os
danos à imagem da Globo, com este tipo de coisa, são enormes. Uma empresa já
rejeitada por tantos brasileiros passa a ser detestada por ainda mais gente.
Ecos da participação da casa no golpe de 1964 imediatamente voltam à mente das
pessoas.
O
que terá acontecido?
A
primeira hipótese que vem é uma possível fúria diante da aparição do nome de
sua filha Paula no escândalo da Paraty House, o casarão praiano erguido sobre
um crime ambiental.
Todas
as evidências indicam que a casa é dos Marinhos, o que eles negam. Uma
paisagista que trabalhou no projeto disse ao DCM que tratou com Paula na Paraty
House. O nome dado ao projeto pelo arquiteto da propriedade é PM, iniciais de
Paula. A Bloomberg, numa reportagem sobre abusos de ricos em praias brasileiras
protegidas pela legislação ambiental, atribuiu a Paraty House à família
Marinho. O autor da reportagem disse até que conversou com o advogado dos
Marinhos, o qual não quis discutir o assunto.
Ainda
assim, os Marinhos negam, escudados em artifícios legais.
Se
é a menção a Paula que lhe tirou o equilíbrio, João Roberto está tendo a
oportunidade de verificar como é duro ver mexerem com os filhos. Talvez ele
reflita sobre a maneira criminosa com a qual a Globo não hesita em incluir os
filhos de Lula em reportagens sensacionalistas e acusatórias – e não amparadas
em provas.
Tenho
outra hipótese.
A
Globo tem pavor de não crescer. No livro Dossiê Geisel, feito à base de
documentos que Geisel guardou em seus anos presidenciais, isso aparece
claramente.
Um
ministro diz a Geisel que Roberto Marinho, o “maior e mais constante aliado da
ditadura”, reivindicava “favores especiais” – mais e mais concessões,
sobretudo.
O
motivo, está no livro, é que RM acreditava que empresa que não cresce começa a
ruir.
A
Era Digital está apequenando a Globo. A mítica televisão vai se transformando
numa carroça, vencida pela internet.
A
perspectiva para a Globo, pelo prisma de Roberto Marinho segundo O Dossê
Geisel, não poderia ser pior.
Não
há nada que a Globo possa fazer contra a internet. E muito menos existe a
possibilidade de que na Era Digital ela tenha a dominância que teve e tem na
televisão.
Fora
tudo, na internet a Globo se expõe ao noticiário crítico do qual antes estava livre,
graças ao compadrio entre as grandes empresas jornalísticas.
É
provável que, em algum momento no futuro próximo, a Globo se torne uma nova
Abril, um gigante em processo de diminuição galopante.
João
Roberto se formou sob o pai, e dele certamente herdou a visão sobre a maldição
da empresa que deixa de crescer.
Pelo
que vi dele, esta segunda hipótese me parece mais verossímel do que a
citação da filha Paula para explicar sua transformação num aloprado.