HELIO FERNANDES - Via blog do autor -
Em maio de 1979, por volta
de 11 da manhã, sentiu uma pontada no coração, foi levado para a Casa de Saúde
Santa Lucia. Saúde ótima, nunca esteve doente, fez todos os exames, os médicos,
satisfeitíssimos, disseram: “O governador, (já não era) está ótimo, vocês podem
ir para casa, ele ficará em observação”. (É obrigatório).
Acabaram de chegar em casa,
receberam o recado do hospital: “Voltem, Lacerda está passando mal”. Foram
correndo, não conseguiram se despedir, estava morto. 63 anos, logo em 1979,
viria a anistia, recuperaria os direitos, sabia-se pela família, sua obsessão
continuava sendo a Presidência da República.
Fui me despedir dele no dia
seguinte, bem cedo, no velório. Na madrugada escrevi um artigo já saudoso, que
publiquei enquanto ele estava sendo velado. Esse artigo é um dos meus
preferidos. Sua morte não teve a repercussão que merecia, recebeu obituário
formal, era o mínimo.
Agora, em 2013, quando se
completavam 100 anos do seu nascimento, “esquecimento” total. Nenhum órgão
jornalístico registrou. A dignidade, combatividade, austeridade não têm grande
popularidade. Está bem que Lacerda desagradou muita gente. Mas também agradou
bastante. Pode ser dito, lugar comum na época: “Lacerda era odiado por 50% por
cento, amado pelos outros 50%”. Isso é indiscutível.
Poderia continuar
indefinidamente, preciso parar. Agradeço a você, Fernando Pawwlow, por ter
trazido o assunto. Mas tenho que retificar o absurdo gritante que está no
“depoimento”, transcrito aqui. A frase atribuída a mim, é rigorosamente verdadeira.
Disse sobre Lacerda, o que está publicado. Nunca fui (necessariamente) tão
duro.
Antes de 68
Só que foi nessa data vivíamos em curto
tempo, outra vida, outra realidade, relação com o nosso debate, a prisão e a
prorrogação, foi aprovada Castelo "governara” mais dois anos, já morrera Costa e Silva
era "presidente".
Você mesmo publicou que em 1967, dei
uma entrevista ao Sebastião Nery, que publicou na revista Status. (57 páginas
improvisadas). E aqui mesmo foi escrito que nessa entrevista eu que comecei o
debate com Lacerda. Como é que em 1967 eu podia revelar o início do debate de
1968?
Esse diálogo aconteceu em março de
1965, com ele ainda governador. Assim que se empossou, formou um grupo de
jovens arquitetos e engenheiros, admiráveis. O projeto do revolucionário Túnel
Rebouças é deles, executado pelo secretário Marcos Tamoio, depois prefeito do
Rio.
Pediu a eles para aproveitar um subterrâneo de "guardados,
vassouras, material de limpeza", e fazer um cineminha. Fizeram, com 12
poltronas, uma geladeira, máquina de café,
tudo muito simples. Passamos a conversar lá. (Ele adorava cinema, eu também,
útil ao agradável).
Uma noite me telefonou
(sempre depois de 9 ou 10 horas), perguntou, "vamos ver um filme?",
fomos. O filme era "007 contra Moscou", aquele em que ha um assalto
medonho de ratazanas, devastador, embora naquela época não existissem ainda
empreiteiras corruptas-corruptoras. Conversamos sobre prorrogação de mandato,
de Castelo, assunto obrigatório.
Disse a ele, textualmente:
"A Câmara está totalmente dividida, você derruba a prorrogação com meia
dúzia de telefonemas, estão esperando".
Demorou mas respondeu: "O doutor
Julio Mesquita me disse que se a prorrogação, for derrotada haverá novo
golpe". (O Doutor Julio Mesquita, diretor e proprietário do jornal Estado
de S. Paulo, era a única influencia absoluta sobre Carlos Lacerda).
Respondia então com a frase que está
publicada, mas em época inteiramente diferente.
Textual? "Se a prorrogação for
aprovada (foi). Você será responsabilizado pelas consequências. Será um
erro tão grande quanto o que você praticou indo EXPLICAR o golpe na
Europa".
A ameaça maior era a prorrogação,
talvez o douto Julio Mesquita estivesse mesmo com razão, Mas era uma
oportunidade magnífica. Infelizmente Lacerda não percebeu, ou quem sabe achava
que no momento a, melhor opção era esperar.
Não era. A prorrogação foi aprovada por
um voto.
Lacerda deixa o
palco, muito antes da morte
Em agosto de 1966, não mais governador,
me telefona: "Vamos almoçar?". Fomos. Era sempre no Museu de Arte
Moderna. Restaurante magnífico, e a aura do ambiente, criado e supervisionado
pelo gênio do Gustavo Afonso Ready. Antes já plantara o “pedregulho”, (entre
São Cristovão e o Estádio do Vasco) ainda mais gênio.
Um edifício de três andares, 348 confortáveis apartamentos, painéis de Portinari, Jardins de Burle Marx. E a doação generosa da
natureza. Aquela vista ampla, geral e irrestrita, nada a ver com
hipocrisia e a "autoabsolvição" dos generais de 1979.
Estranhei o fato de sermos só nos dois. Quando sempre com Renato Archer
(sub-secretario do chanceler Santiago Dantas), no "parlamentarismo com
Tancredo". Quando o chanceler saiu para se candidatar a deputado, assumiu.
O Alfredo Machado, dos mais íntimos amigos de Lacerda, sem quer cargos, tinha a
importante Editora Record.
A resposta para a minha estranheza vaio logo. Esperando o café, me mostrou um
artigo. Titulo: Carta a um ex-amigo fardado". Respondia aos militares que
o admiravam e seguiam incondicionalmente. Passaram a persegui-lo cruelmente,
prenderam e cassarem, depois da "Frente Ampla' e a ida a Montevidéu
conversar com o ex-presidente João Goulart. Emocionante.
Ia guardar, Lacerda pediu de volta, explicou; 'Tenho que publicar no Globo, o
Roberto Marinho seguidamente me diz que eu só escrevo para você e para a
Tribuna da Imprensa". Saiu lá, enorme repercussão, não pelo veículo e sim
pelo conteúdo.
As relações Carlos Lacerda -
Roberto Marinho eram tumultuadas, agressivas, hostis, ou as vezes, amáveis e ou
até agradáveis. Marinho pensava em dinheiro, favores, privilégios, sempre no
caminho do enriquecimento. Licito ou ilícito, para ele não havia diferença,
praticava o holocausto contra todos, usava e enganava-se a própria opinião
pública, sem constrangimento.
Vou contar dois episódios,
rápidos, rigorosamente verdadeiros, poderia citara dezenas ou centenas que
mostram o caráter (falsidade) de Roberto Marinho. Contei isso diariamente por
mais ou menos 50 anos, quando ele era vivo e poderoso. Tentou, mas jamais
conseguiu falar comigo, apesar dos intermediários importantes.
1 – O Parque Lage, um
monumento tombado, foi comprado (?) por Roberto Marinho no inicio de 1960.
Pediu a JK para “destomba-lo”, conseguiu quase que imediatamente.
Lacerda conseguiu em 5 de
dezembro desse mesmo 1960, voltou a tombar o extraordinário monumento. De
acordo com a Constituição, depositou o “justo valor”, uma ninharia, mudou tanto
de moeda, não sei quanto era.
Como aquele enorme terreno e
as construções eram dele, entrou na Justiça. Em 1974, Marinho recebeu uma
fortuna. Esperou 14 anos, mas o lucro, fantástico. Investiu na “compra”,
miséria, que se transformou num investimento magnífico.
2 – Em 1963, Copacabana
altamente valorizada e esgotada, num pantanal aterrado, montaram o que se
chamou Bairro Peixoto. Edifícios de 12 andares, procura enorme. Um dia, o
pantanal “reivindicou” sua propriedade, um edifício desabou. A Assembleia
Legislativa, assustada, imediatamente, por unanimidade, reduziu para seis
andares o gabarito de novas construções.
Roberto Marinho comprou a
propriedade, logo pediu aprovação um edifico de 12 andares. O órgão responsável
votou imediatamente, “no local o gabarito é de seis”. Procurou o governador,
pediu que intervisse para que a licença fosse “concedida para 12 andares”.
Lacerda respondeu até sem hostilidade; “Roberto não posso conceder, se fizer
isso vou preso, peça outra coisa”.
Não pediu. Mas 48 horas
depois, Na Primeira do Globo, com destaque, aparecia o cadáver do Major Vaz,
assassinado em 1954. Oficial da FAB, pertencia a um grupo que acompanhava
Lacerda ameaçado de morte.
Comentários através do
e-mail: blogheliofernandes@gmail.com
Helio Fernandes.
Estimado
jornalista. É com satisfação que leio seus comentários, bem elucidados e
detalhados, nos dando uma perfeita visão do que foram os anos de chumbo no
Brasil. No entanto gostaria que escrevesse sobre as Torres Gêmeas, tragédia
terro/política que mudou a face do mundo. Por exemplo: Você falou do atentando
ao tabloide Charlie, e lembro bem em sua primeira matéria, abordou uma questão
de fundo, que acho importante, é quanto a influencia que as Torres Gêmeas
acabaram por estimular outras ações, se com menos vitimas, mas danosas. Uma vez
li que terroristas estariam articulando jogar um avião sobre a Disney. De la para
cá muitas especulações.