Por ALBERTO DINES - Via Observatório da Imprensa -
O pedido de
concessão feito pelo jornalista Roberto Marinho para uma emissora de
televisão foi aprovado em 1951, no fim do governo de Eurico Gaspar
Dutra, mas revogado por Getúlio Vargas pouco antes do seu suicídio. O
que explica alguma coisa. Novo pedido foi aprovado em 1957, com
Juscelino Kubitscheck na presidência da República.
Vênus dita estrela d’alva, começa o
dia, mas também designada como Vésper, é a que o encerra. O apelido de
“Vênus Platinada” designava o resplandecente prédio administrativo da TV
Globo na Rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico (Rio), inaugurado em
1976, onze anos depois da primeira emissão e, depois, estendido à
emissora e à rede.
Como todas as alcunhas, espontânea e sarcástica: Vênus é um equívoco –
brilha forte, mas não é estrela, é planeta. Não é feminina, mas
masculino. A platina, metal mais raro e precioso do que o ouro, gera o
adjetivo platinado/platinada com idêntico sentido pejorativo de
dourado/dourada – falso, falseado.
O pedido de concessão feito pelo jornalista Roberto Marinho para uma
emissora de televisão foi aprovado em 1951, no fim do governo de Eurico
Gaspar Dutra, mas revogado por Getúlio Vargas pouco antes do seu
suicídio. O que explica alguma coisa. Novo pedido foi aprovado em 1957,
com Juscelino Kubitscheck na presidência da República. O lançamento da
emissora, anos depois, foi algo tumultuado. Como seria o canal 4 do Rio
de Janeiro, pretendia-se iniciar as transmissões no domingo, 4 de abril
(4/4). Problemas com os equipamentos de última geração só permitiram que
o lançamento ocorresse na manhã de uma cotidiana segunda-feira, 26 de
abril de 1965, com a bênção do reacionaríssimo cardeal D. Jaime Câmara.
O que não impediu outras fatalidades imediatas: por exemplo, na abertura do programa Show da Noite
da sexta-feira, 13 de agosto, apresentado pelo ator Gláucio Gil.
Quando, diante das câmeras, o apresentador dizia que até aquele momento o
dia aziago não se confirmara, teve um enfarte agudo e morreu.
A fama de pé-frio só desanuviou na terrível enchente em janeiro de
1966, quando a TV Globo ficou 24 horas no ar e levou as suas câmeras
para a rua para ajudar os desabrigados e localizar as vítimas da
catástrofe.
Entrevista dolorosa
Pouco antes do início das transmissões, este observador, então editor-chefe do Jornal do Brasil,
enviou um longo memorando a todos os editores, subeditores e
responsáveis pelos serviços de apoio da Redação chamando a atenção para
uma nova realidade: a entrada da TV Globo no ar significava uma nova
fase na cobertura jornalística. Embora a TV brasileira tivesse começado
em 1950, a Globo chegava alavancada pelos vastos recursos do grupo
americano Time-Life, mas também por uma competência profissional que se
irradiava por todos os escalões do jornal e da rádio coirmãs.
A bagunça da TV Tupi e de suas concorrentes jamais preocupou e a
inteligência da TV Excelsior (do empresário Wallace Simonsen) estava
sufocada pelo cerco econômico imposto pelo governo militar.
A partir daquele momento – dizia o memo, cujo original infelizmente encontra-se perdido – o jornal do dia seguinte deveria ser pensado em função do conteúdo do Tele Globo, o noticiário da noite anterior (precursor do Jornal Nacional).
Os fatos noticiados pelo jornal deveriam chegar ao leitor renovados e
enriquecidos por análises e interpretações, porém sem o recurso de
colunas independentes (praga hoje responsável pela perda do viço e a
linearidade da matéria noticiosa).
O Departamento de Pesquisas do JB, criado meses antes,
deixaria de ser exclusivamente um serviço de apoio aos repórteres e
redatores passando a produzir suas próprias matérias, devidamente
identificadas, para fornecer ao noticiário os contextos e complementos
que o telejornal da véspera jamais ofereceria.
Outras providências foram implementadas, todas na direção do aumento
da densidade jornalística e facilidade de leitura que deixariam o Jornal do Brasil invulnerável às novas tecnologias. O jornal O Globo só adotou a nova postura anos mais tarde, quando passou a ser comandado por Evandro Carlos de Andrade (ex-JB).
O derradeiro embate entre o Jornal do Brasil e o Globo, no início dos anos 1970, deu-se quando o ex-vespertino O Globo
resolveu assumir-se integralmente como matutino e, contrariando
tradição e protocolos corporativos, passou a circular também aos
domingos, o que levou o JB a invadir o território das segundas-feiras até então reservado aos jornais da tarde.
Mesmo contando com a cobertura de uma rede de emissoras de TV já consagrada, no curto prazo aquele confronto foi vencido pelo JB.
O jornalão poderia ter sobrevivido galhardamente ao atual oligopólio da
Vênus se mantivesse a aposta em qualidade iniciada nos anos 1950 e
acrescida daquele mínimo de compostura e decência que o negócio de
jornalismo torna imprescindível.
Há meio século, como agora, o único “modelo de negócio” capaz de
tornar-se invulnerável às novas tecnologias e à inevitabilidade dos
ciclos econômicos é a crença nos valores permanentes, intrínsecos ao
próprio negócio. A obsolescência torna-se inevitável, fatal, quando a fé
pública é flagrantemente violada por aqueles que deveriam venerá-la.
A entrevista dos representantes da família Marinho ao jornal Valor Econômico (de sua propriedade; ver aqui) é dolorosa. Junto com o melancólico quadro inserido no Jornal Nacional (durante a semana de 20 a 25 de abril) revelam uma Vênus nem dourada nem platinada – fanée, desbotada, descolorida.
O oba-oba em homenagem ao venerando plim-plim tem algo de adeus. Uma lástima. (segue)
Leia também
Uma história pela metade – Luciano Martins Costa
Dez razões para descomemorar – Ângela Carrato28
