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Ministros que ocuparam a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH) desde que foi criada, em 1997, assinaram
carta pública em repúdio à medida que tramita na Câmara dos Deputados.
Na tarde desta quinta-feira (30), os titulares da
Secretaria de Direitos Humanos dos governos Fernando Henrique Cardoso,
Lula e Dilma Rousseff se reuniram em São Paulo para assinar carta
pública contra a redução da maioridade penal, objeto central da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que tramita na Câmara dos
Deputados.
O documento, lido à imprensa por Paulo Sérgio Pinheiro,
ministro de FHC, rejeita teses utilizadas pelos defensores da medida,
como a de que os adolescentes são os grandes responsáveis pela violência
no Brasil e a de que os menores infratores ficam impunes. “No Brasil,
os adolescentes respondem por seus atos praticados a partir dos 12 anos,
por meio de um sistema específico distinto dos adultos”, afirma o
texto, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O atual titular da pasta, Pepe Vargas, citou a falta de
embasamento por parte dos defensores do rebaixamento da
responsabilização penal. “Não há nenhum dado concreto que mostre que a
redução da maioridade penal resolva o problema da violência. Agora, há
dados que mostram o contrário”, destacou. Ele confia que a PEC não será
aprovada no Congresso, mas, caso isso não aconteça, admitiu a
possibilidade de o governo questionar o Supremo Tribunal Federal (STF)
sobre a inconstitucionalidade da matéria.
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), ministra da
SDH durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, criticou o presidente
da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por ter “decidido não ouvir a
sociedade civil” e colocado em votação a proposta, arquivada há anos.
“Os que querem reduzir a maioridade penal estão prometendo algo
falso para as pessoas que estão cansadas da violência. Nós aqui
respeitamos as pessoas que estão cansadas da violência. Sabemos que é
excessivo, absurdo 56 mil mortes por ano, que precisamos reduzir o
número de mortes no Brasil”, destacou. “No entanto, estamos dizendo,
como pessoas que atuamos em direitos humanos, que esta medida não
reduzirá a violência, ela poderá ampliar a violência, na medida em que
colocarmos os adolescentes dentro das penitenciárias, muitas vezes sob
comando da ação criminosa dos adultos.”
O jurista José Gregori, que comandou a SDH de 1997 a 2000,
também na gestão FHC, reiterou a fala de Rosário. De acordo com ele,
quem luta contra a redução da maioridade penal se coloca, sim, em defesa
das vítimas de atos de violência. “O que mais me magoa são pessoas que
fabricam utensílios para matar pessoas, que lucram com isso, querendo se
ancorar em defensores de vítimas. E que nós, que não queremos mais
vítimas, que queremos reduzir o número de vítimas nesse país, sejamos
acusados de ser omissos quanto às vítimas”, assinalou.
Para Pinheiro, a PEC 171/93 e suas disposições são apenas
uma etapa de uma onda conservadora mais abrangente. “Não é só
desconstruir esse nefanda PEC. É desconstruir o avanço de uma agenda de
direita que esse Congresso assume. Essa tentativa de ter hegemonia sobre
o Congresso brasileiro, por [parte dessas] bancadas [da bala e evangélica],
é isso que temos que enfrentar. Estamos reunidos aqui porque essa
resistência só vai ocorrer como ocorreu durante a ditadura, unificando
na construção da democracia”, explicou.
Já Paulo Vanucchi, ministro do ex-presidente Lula,
ressaltou a função da mídia tradicional na criação de um clima de
insegurança, favorável ao fortalecimento de propostas como a redução da
maioridade penal. “Muitos noticiários defendem abertamente a satanização
do adolescente infrator e não apresentam números. Nesse sentido, o
papel dos profissionais que aqui estão é muito importante, porque fazem
parte desse mesmo esforço em defesa da democracia brasileira.”
Também estiveram presentes no encontro Ideli Salvatti, que
ocupou a pasta de Direitos Humanos antes de Pepe Vargas; Nilmário
Miranda, titular na primeira gestão de Lula; e Gilberto Saboia, ministro
de FHC. Apenas Mário Mamede Filho não compareceu, mas manifestou apoio
aos colegas. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos da
Violência, da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
